O templo dos refugiados yazidis
Um prédio religioso do norte do
Iraque abriga centenas de pessoas que fogem do "Estado Islâmico".
Muitos não querem voltar para área de onde vieram, ameaçando reduzir ainda mais
a comunidade, que vive na região há séculos.
O templo yazidi do vilarejo de
Lalish, localizado no norte do Iraque, a poucos quilômetros da cidade de
Shikhan, fica cercado por colinas. Os telhados pontiagudos do edifício se
elevam entre as copas das árvores. Um caminho sem calçamento leva à entrada do
prédio.
A pequena comunidade yazidi do
Curdistão se reúne normalmente em Lalish para celebrar suas festas religiosas.
Mas agora, eles estão ali para se proteger, fugindo dos militantes do
"Estado Islâmico" ("EI"), que capturaram e mataram milhares
de yazidis desde o início de agosto.
A perseguição aos yazidis por
extremistas islâmicos remonta a séculos, à primeira incursão muçulmana na
região do Curdistão. Com uma religião pré-islâmica e pagã, com raízes no
zoroastrismo, os yazidis são considerados adoradores do diabo por muitos
muçulmanos. Militantes extremistas, como os do "EI", consideram seu
dever religioso convertê-los ou matá-los.
A maioria das 450 famílias que
agora vivem no templo é da parte ocidental de Sinjar, que se localiza entre
Mosul e a fronteira síria. E todos eles têm histórias terríveis para contar de
seus encontros com os militantes do "EI".
K"Nós fomos a última família
a deixar [a cidade de] Sinjar", disse Khalida Burkat, de 24 anos, sentada
à sombra de uma barreira de concreto na entrada do templo, enquanto sua filha
dorme ao lado dela numa caixa de plástico. Tendo dado à luz somente dois dias
antes de os militantes extremistas terem invadido a cidade, Burkat e seu marido
esperaram até o último minuto para carregar seu novo bebê e três outras filhas,
todos com idade inferior a seis anos.
Ao fugirem da cidade para a
vizinha montanha de Sinjar, onde dezenas de milhares de yazidis procuraram
refúgio, Burkat disse que viu atiradores do "EI" matarem a tiros três
homens diante dela, enquanto subiam o caminho sinuoso que leva ao cume. Ao
chegar ao topo, a família passou oito dias sem comida e quase sem água, sob o
jugo dos militantes do "EI". "O que podíamos fazer", indagou
Burkat, "Só pedimos a Deus para nos ajudar."
A família de Burkat foi
finalmente resgatada por membros do rebelde Partido dos Trabalhadores do
Curdistão (PKK). Juntamente com as forças peshmerga curdas, o PKK estabeleceu
um corredor de segurança e escoltou milhares de yazidis em segurança.
À mercê do "EI"
Nem todos sobreviveram à provação
da montanha. Basee Elias perdeu a sua irmã de 50 anos, Kamo. "Ela teve um
ataque cardíaco", disse Elias. "Ela morreu de medo." Elias vem
do vilarejo de Siba Sheikh Khdr, que foi atacado pelo "EI" nas
primeiras horas da manhã do dia 3 de agosto. O tio dela, Khider Elias,
encontrava-se no vilarejo quando os militantes entraram.
"Eles vieram em
cerca de 24 veículos", disse o tio, "eles hastearam a bandeira e
bradaram 'Allahu Akbar' [Alá é grande]. Cinco ou seis famílias permaneceram no
vilarejo, e eu vi o "EI" simplesmente matando três homens a tiros.
Outros moradores foram
sequestrados pelo "EI" e ninguém sabe o que aconteceu com eles. É
provável que alguns tenham sido levados para Mosul ou Tal Afar, onde centenas
de mulheres e meninas yazidis estão sendo mantidas reféns, enquanto muitas
outras foram vendidas nos mercados em Mosul e Raqqa, como escravas.
"Queremos que os EUA
bombardeiem esses lugares", disse Hamat Khalaf, cuja família provém de
Sinjar. "Estas meninas estão sendo estupradas, às vezes por 10 ou 20
homens. Para elas, é melhor que morram."
Depois de tudo por que passaram,
muitas pessoas disseram que não querem retornar às suas casas, mesmo que os
militantes sejam expulsos. "Perdemos tudo", disse Khider Elias.
"Se trabalharmos outros 30 anos na reconstrução, tudo poderá estar perdido
novamente numa só hora. Não há razão para voltar."
Esperança de um porto seguro
Os yazidi se sentem
particularmente vulneráveis porque muitos dos vilarejos em Sinjar estão
rodeados de assentamentos muçulmanos, cujos moradores, dizem os yazidis,
colaboram com os militantes extremistas contra os vizinhos yazidis.
"Nós
não poderíamos nunca dormir sossegados", disse Elias. "Nós nunca nos
sentiríamos seguros." Os moradores do pequeno vilarejo também acusam as
forças peshmerga curdas de falharem em protegê-los.
"Antes de isso acontecer, os
peshmerga pegaram nossas armas e disseram, 'não se preocupem, nós somos
peshmerga, vamos lutar'", contou Hamat Khalaf. "Mas eles não fizeram
nada, eles nos abandonaram. Só Deus sabe por que os peshmerga não nos ajudaram.
É vergonhoso, vergonhoso."
Agora, muitos dos refugiados em
Lalish estão dizendo que querem deixar o Iraque e juntar-se à diáspora yazidi
no Ocidente. "Europa, EUA, Austrália. Quero ir para onde não exista nenhum
muçulmano, nenhum Islã", afirmou Khider Elias.
Os líderes religiosos yazidis
estão fazendo o que podem para manter a sua congregação no Iraque, mas
reconhece há necessidade de que eles sejam mais bem protegidos. O monge yazidi
Baba Chawish, residente de Lalish, é um desses líderes religiosos.
"O
Curdistão é nosso lar: nosso templo é aqui, nossa vida é aqui; é onde os
primeiros yazidis surgiram. Se os yazidis deixarem as suas casas, isso é ruim
para eles e para nossa religião", disse o monge. "[Mas] se não houver
segurança, como podemos dizer a eles para ficar?"
Ele deposita suas esperanças que
a comunidade internacional disponibilize proteção adicional à forças locais.
"Precisamos que os EUA ajudem os yazidis", disse Baba Chawish.
"EUA, os Peshmerga, o governo do Curdistão. Acredito que haverá um resultado
positivo. Atualmente, todo mundo está ajudando os yazidis."
Luqman Suleiman, um professor de
escola e guia voluntário em Lalish, também está otimista. "O futuro do
Curdistão será bom para os yazidis. Ouvimos Obama dizer pela primeira vez a
palavra 'yazidi'. Ban Ki-moon está falando dos yazidis, John Kerry está falando
dos yazidis", afirmou. "O mundo todo nos conhece agora."
E ele, por exemplo, não vai para
lugar nenhum. "Para onde eu devo ir? Alemanha? Não, o melhor é que os
alemães venham nos visitar. Não se pode partir toda vez que há um problema. Se
agirmos assim, como poderemos construir uma vida?"
Fonte: http://www.dw.de
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