O meu Estado é mais laico do que o teu – Por Sara Schuh*
A laicidade do Estado não se
expressa na proibição dos cidadãos de professarem a sua fé, seja qual for.
Significa, isso sim, que o Estado não pode impor qualquer religião a ninguém,
nem basear as suas decisões em doutrinas religiosas.
A história é simples e,
infelizmente, demasiado comum. Ao observar uma rapariga que usava um hijab numa
escola secundária, um membro da comunidade escolar indignou-se e afirmou que o
melhor seria adotar o exemplo francês e abolir a presença de qualquer símbolo
religioso dentro das escolas.
Poderia ter ficado por aqui mas não acredito que
uma opinião seja apenas uma opinião, já o deixei bem claro noutro texto, e
muito menos acredito que a opressão seja arma de combate à opressão.
A argumentação utilizada por este
membro da comunidade escolar também não é nova: alegava a laicidade do Estado
e, consequentemente, a obrigatoriedade das escolas públicas não estarem
associadas a qualquer religião.
Até aqui, estamos de acordo. Contudo, não posso
concordar com a conclusão, que só é possível obter pela distorção promíscua do
conceito de Estado laico.
A laicidade do Estado não se
expressa na proibição dos cidadãos de professarem a sua fé, seja qual for.
Significa, isso sim, que o Estado não pode impor qualquer religião a ninguém,
nem basear as suas decisões em doutrinas religiosas.
Para além disso, mais do
que laico, vivemos num Estado democrático e isso significa que as pessoas são
iguais nas suas diferenças e, como tal, também devem ser respeitadas nas suas
diferentes religiões. A anulação de qualquer simbologia religiosa, essa sim, é
opressora das pessoas.
Podemos afirmar que o hijab ou
a burca são armas de opressão feminina, não o nego, mas não acredito que a
proibição do seu uso seja produtiva na luta pela emancipação das mulheres. Pelo
contrário, acredito que isso apenas afastaria raparigas e mulheres de espaços
tão importantes como as escolas.
O uso destes símbolos religiosos não pode ser
comparado ao uso de um chapéu, que constitui apenas uma opção estética; é uma
obrigatoriedade (rígida e inflexível), intrinsecamente associada à pessoa que o
usa.
É curioso como, por vezes, em
busca da liberdade, acabamos por oprimir mais ainda quem nos rodeia; como, em
nome dos valores mais elementares da democracia, abolimos a liberdade
individual de cada um. Mais curioso é o facto de disfarçarmos preconceitos e
fazer deles uma bandeira de liberdade.
Se a discussão pela laicidade do Estado
fosse séria, questionaríamos também o uso de cruzes ao pescoço ou a moda dos
terços, na adolescência.
A emancipação das mulheres é
urgente, mas não acontecerá se ultrapassarmos todos os passos na luta e
saltarmos diretamente para a proibição do hijab e da burca.
Principalmente
se essa proibição for baseada na distorção de conceitos basilares da
democracia; se o que mobilizar a luta contra o uso destes símbolos for a
xenofobia e não a própria emancipação da mulher.
Sara Schuh* - Estudante do Ensino
Superior. Membro da Coordenadoria Nacional de Estudantes do Bloco de Esquerda.
Fonte: http://www.esquerda.net
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