Cemitérios proíbem cultos afro – Por Francisco Edson Alves
As administrações de cemitérios
do Rio de Janeiro estão orientando seus funcionários a não permitir que adeptos de
religiões de matrizes africanas façam cultos nos túmulos em homenagem a seus
parentes.
A denúncia, constatada nesta quarta-feira pelo DIA , é da mãe
de santo Rosiane Rodrigues, de 42 anos, que no domingo, conforme vídeo postado
em seu perfil numa rede social, foi barrada por um servidor no portão do
Cemitério de Ricardo de Albuquerque.
No local, em companhia de duas
filhas, ela iria fazer uma oferenda nos jazigos perpétuos de seus avós e da
mãe, enterrados lá desde 1950.
A orientação desobedece o Decreto Municipal
39.094, assinado pelo prefeito Eduardo Paes no dia 12 de agosto deste ano, no
qual, em um de seus artigos, o 3º, lê-se: “Nos cemitérios não se permitirá
(...) o desrespeito aos sentimentos alheios e a convicções religiosas”.
Praticante do candomblé, Rosiane
não entendeu a proibição: “Para minha surpresa, quando fui entrar com comidas
caseiras, frutas, canjica, pipoca, velas e refrigerantes, o funcionário trancou
o portão, disse que eu não podia entrar, ‘por ordem superior’. Fiquei arrasada,
pois há anos faço o mesmo ritual. Me senti humilhada.”
Ela percebeu que outras
pessoas também tinham sofrido o mesmo tipo de impedimento. “O funcionário é
inocente, só obedece ordens”, esclareceu.
Rosiane conta que, indignada,
ligou para a Polícia Militar (190), conforme o protocolo 30112014/16889. “Mas o
atendente disse que ‘era assim mesmo’, insinuando que eu deveria me conformar
com a situação. Esperei a viatura por horas, ninguém apareceu”, revela Rosiane.
Hoje, ela deverá formalizar a denúncia do ocorrido junto ao Ministério Público.
O vídeo produzido por uma amiga
dela, de um minuto e seis segundos, já tinha ontem à noite mais de 56,8 mil
visualizações e centenas de comentários numa rede social, repudiando a
situação. Um funcionário do Cemitério de Ricardo de Albuquerque atendeu a
ligação do DIA e confirmou a orientação de impedir a realização de
cultos afro:
“Existe essa recomendação (de barrar oferendas), sim, mas só os
administradores, que não estão no momento (início da noite), podem falar”,
argumentou o funcionário.
Outros locais também têm
restrição
A restrição dos cemitérios a
rituais religiosos de origem africana foi comprovada em ligações feitas pelo
DIA. Num dos maiores cemitérios da América Latina, o São Francisco Xavier, no
Caju, um funcionário, sem saber que estava falando com a reportagem, deu
informações sobre a proibição e ainda orientou como um grupo poderia agir para
enganar os seguranças particulares.
“Se eles (seguranças) virem
pessoas (vestidas) de branco, não vão consentir. Mas faz o seguinte: entrem
separados, com as oferendas em sacolas discretas. Lá no final do cemitério tem
o cruzeiro das almas. Aí façam (as homenagens) por lá. Ou então tente falar com
a chefia da segurança”, comentou ele.
Especializada no estudo de
relações étnico-raciais, Rosiane Rodrigues, que também é professora e
jornalista, lembrou dos esforços que a maioria das religiões têm feito contra a
intolerância religiosa no Rio de Janeiro.
“Temos conseguido grandes avanços
através do diálogo, da compreensão, da unidade. A Sétima Caminhada em Defesa da
Liberdade Religiosa, em setembro, reuniu cerca de duas mil pessoas na orla de
Copacabana. Não podemos sofrer um retrocesso desse porte”, disse.
Rosiane faz crítica ainda à lenta
aplicação da legislação federal que obriga a inclusão do ensino da história das
culturas afro-brasileiras e indígena no currículo das escolas. O tema é
abordado no livro: ‘Nós do Brasil’, que ela lançou em maio.
A denúncia feita por Rosiane
Rodrigues causou indignação e revolta nos líderes de religiões de matrizes
africanas. O babalorixá Jorge Luiz Amaral, mais conhecido como Pai Omulu,
presidente do grupo Axé Xapanã, disse que a intolerância, a discriminação e o constrangimento
têm sido violências enfrentadas constantemente pelos adeptos dessas crenças.
“Já sofremos demais com a
perseguição de traficantes, de parte da polícia e de pessoas intolerantes nos
terreiros e encruzilhadas. Mas isso é culpa principalmente dos nossos
governantes, que não investem em um trabalho educacional sobre o respeito entre
os praticantes da vasta quantidade de religiões que temos. Isso forma nosso
maravilhoso sincretismo religioso”, desabafou.
Jorge Mattoso, secretário da
Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, convidou Rosiane para ser ouvida
pelos membros da entidade na semana que vem: “Vamos, inclusive, denunciar o
caso internacionalmente”, adiantou.
Santa Casa não responde
A assessoria do Consórcio
Reviver, que venceu recentemente licitação para cuidar de sete cemitérios
públicos, entre eles o de Ricardo de Albuquerque, argumentou que a empresa não
poderia comentar o assunto, pois oficialmente ainda não assumiu o controle das
concessões.
Francisco Horta, novo provedor da
Santa Casa de Misericórdia, que perdeu a administração dos cemitérios depois de
décadas, mas que ainda responde por eles durante o atual período de transição,
disse que não poderia dar entrevista pois estava “em reunião”. A advogada da
instituição, Paula Araújo, não retornou os recados deixados na caixa postal de
seu telefone celular.
Já a Polícia Militar, questionada
sobre a conduta do agente que atendeu Rosiane Rodrigues no domingo pelo 190,
deverá responder hoje se vai abrir inquérito ou não para apurar o fato. Segundo
a corporação, os policiais são sempre orientados a atender com presteza e
rapidez qualquer tipo de chamada pelo telefone 190.
Fonte: http://odia.ig.com.br
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