"Os yazidis só receberam duas opções do Estado Islâmico: converterem-se ou serem mortos" - Por Filipe d'Avillez
Uma das religiões mais antigas do
mundo está ameaçada.
"Dizem que somos infiéis porque a nossa religião não
é mencionada no Alcorão. Por isso é que nos matam", diz à Renascença um
conselheiro do Governo autónomo do Curdistão.
O avanço dos terroristas do
autoproclamado Estado Islâmico (EI) no Iraque levou à fuga de centenas de
milhares de pessoas, sobretudo pertencentes a minorias étnicas e religiosas.
Entre estes encontram-se cerca de 400 mil yazidis, membros de uma fé
particularmente desprezada pelos fundamentalistas islâmicos. Consideram-na
satânica.
Mirza Dinnayi é originário do Iraque e conselheiro do Governo autónomo do Curdistão, que acolheu os cerca de dois milhões de refugiados que fugiram ao EI e que trava uma luta contra os jihadistas no terreno.
Em entrevista telefónica à Renascença, a partir do Iraque, Mirza Dinnayi diz que quando o EI ocupou Mossul, no Iraque, e as zonas circundantes deu aos cristãos três escolhas: fugirem, converterem-se ou pagar um imposto. Os yazidis só tiveram duas: a conversão ou a morte.
Quem são os yazidis?
Mirza Dinnayi é originário do Iraque e conselheiro do Governo autónomo do Curdistão, que acolheu os cerca de dois milhões de refugiados que fugiram ao EI e que trava uma luta contra os jihadistas no terreno.
Em entrevista telefónica à Renascença, a partir do Iraque, Mirza Dinnayi diz que quando o EI ocupou Mossul, no Iraque, e as zonas circundantes deu aos cristãos três escolhas: fugirem, converterem-se ou pagar um imposto. Os yazidis só tiveram duas: a conversão ou a morte.
Quem são os yazidis?
Os yazidis são membros de uma religião antiga, com cerca de 5.000 anos. Somos cerca de um milhão, metade vive no Iraque. A maior vive na região de Sinjar, onde somos cerca de 320 mil, que foi atacada pelo Estado Islâmico. Somos uma das religiões monoteístas mais antigas do mundo, acreditamos num só Deus, mas somos diferentes do islão e do cristianismo. Fomos atacados pelo Estado Islâmico, que matou mais de 3.000 pessoas, raptou mais de 5.000 e escravizou e violou milhares de raparigas e mulheres. Dizem que somos infiéis porque a nossa religião não é mencionada no Alcorão. Por isso é que nos matam. Agora temos mais de 400.000 refugiados que escaparam das suas casas em Sinjar e outras áreas da planície de Nínive, agora controlada pelo EI, e que estão a viver em Arbil, capital do Curdistão Iraquiano.
Em que condições estão a viver?
As condições são muito más, porque a maioria das tendas nestes campos são muito simples, não estão preparadas para o Inverno, nem para o frio. São feitas de nylon e com um simples incêndio são destruídos em 45 segundos. Todas as semanas há acidentes com incêndios nas tendas. Estão a viver numa situação muito má, não têm perspectivas económicas, não têm recursos, não têm casas, e o governo autónomo local e o do Iraque não podem ajudar porque são tantos. A ajuda das organizações internacionais não chega, porque a situação é muito má e não conseguem chegar a todas as necessidades.
Conhece algumas das pessoas nesta situação?
Sim, claro. A minha vila de 35 mil pessoas fugiu toda e todos estão a viver nestas tendas.
O facto de terem sido perseguidos juntamente aproximou os cristãos e os yazidis?
As comunidades crista e yazidi são amigas. Nesta situação têm o mesmo problema com o Estado Islâmico, com uma diferença: os cristãos não foram atacados imediatamente. Quando o EI ocupou Mossul foram-lhes dadas três opções: converterem-se, fugirem ou pagarem um imposto. Os yazidis só receberam duas opções: converterem-se ou serem mortos. O EI também não fez reféns entre a população cristã, porque dizem que o cristianismo vem mencionado no Alcorão, por isso podem ser tratados um pouco melhor que os yazidis. Mas tanto cristãos como yazidis estão a sofrer muito às mãos do EI.
Que solução é que existe para as minorias no Iraque?
Penso que agora a comunidade internacional é responsável por encontrar uma saída para estas minorias no Iraque e deve-se implementar pelo menos uma de duas soluções: estabelecer uma região autónoma com apoio internacional e a ajuda de capacetes azuis nesta área de Sinjar e da planície de Nínive; ou então ajudar estas pessoas a abandonar o mundo islâmico, porque não sabemos o que vai acontecer nos próximos anos. Não sabemos se virá um novo grupo islamita. Todos os dias surge um novo grupo islamita radical e se não houver uma solução para esta zona, para proteger as pessoas e estabelecer a paz no país, será impossível permanecer.
Acredita que o Estado Islâmico pode ser derrotado?
O que se fez contra o Estado Islâmico até agora tem sido muito pouco. Não se pode vencer esta guerra apenas com ataques aéreos. É preciso homens no terreno, não só da comunidade internacional, mas também do mundo sunita. Eles devem pegar em armas contra o Estado Islâmico, porque este foi estabelecido sob o pano de fundo da religião islâmica. Agora o mundo islâmico, sobretudo o mundo sunita, tem de tomar uma posição e trabalhar contra o EI e contra o fundamentalismo. Precisamos de forças no terreno, caso contrário não será possível combater o EI.
O EI cresceu por causa de forte descontentamento entre a população sunita. Antevê um futuro em que os sunitas e xiitas possam viver em paz no Iraque?
Sou pessimista. Não penso que os sunitas e xiitas possam viver juntos num país centralizado. Penso que a melhor solução para eles será estabelecer um sistema federal, governado por moderados, não radicais, que possam servir e representar as suas populações.
Ninguém sabe quem representa a comunidade sunita no Iraque. Será o EI? Um grupo radical? Os sobreviventes do partido Ba'ath? Ou os políticos no Parlamento? Não sabemos.
A maioria das regiões sunitas está fora do controlo do governo iraquiano e dos políticos sunitas. Por isso, não conseguem representar essas comunidades.
A maioria dos curdos são sunitas. Existe o perigo de o islão radical ganhar terreno entre os curdos também?
Existe, sim. Nós, os membros das minorias, temos medo dos radicais no Curdistão. Estamos satisfeitos pelo facto de o governo ser secular, mas na comunidade existem radicais e o governo deve combater isso. Alguns paramilitares curdos juntaram-se ao EI, poucos, não sei ao certo quantos, mas talvez uns 300 ou 500, mais ou menos. Há fundamentalismo no Curdistão e estamos a tentar combatê-lo, para estabelecer uma comunidade liberal.
Como classifica o papel da Turquia no meio disto tudo?
O papel negativo da Turquia, de apoio ao EI, é sobejamente conhecido. Toda a gente sabe que no início a Turquia desempenhou um papel muito negativo de apoio aos grupos islamitas, sobretudo o Jhabat al-Nusra, e outros grupos islamitas, contra o Bashar al-Assad. Paira uma grande dúvida sobre a Turquia. Será que vai colaborar com a comunidade internacional, para bloquear os recursos do EI e adoptar uma atitude positiva? Até agora o seu papel não tem sido positivo. A Turquia não pode dizer que se vai manter neutra em relação à questão do EI, porque a Turquia desempenhou um papel negativo e agora devia mudar as suas políticas e ser positiva, em vez de negativa.
Fonte: http://rr.sapo.pt
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