Paris, 2015: Capital da liberdade – Por João Carlos Espada
Só com o exercício da liberdade,
sem excepções, poderemos defender a liberdade.
O mundo livre
condenou unanimemente e com horror os bárbaros atentados terroristas em Paris,
na semana passada. Ontem mesmo, uma grande manifestação europeia teve lugar na
cidade das luzes (escrevo no início do evento), reunindo chefes de Governo de
vários países, entre os quais Portugal.
Não é caso para menos. Os
atentados contra os jornalistas do Charlie Hebdo e contra a mercearia judaica
de Porte de Vincennes culminam uma série de atentados contra vidas inocentes em
capitais ocidentais, em nome do islamismo radical.
Não são certamente os únicos
casos de violência gratuita que ocorrem no mundo. Mas certamente constituem um
padrão e fazem parte de uma agressiva campanha terrorista contra a liberdade e
o modo de vida ocidental, em nome do islamismo radical: as torres gémeas em
2001, Amesterdão e Madrid em 2004, Londres em 2007 e 2013, Sydney em 2014, para
citar apenas alguns.
Seria certamente um erro grave
confundir as minorias extremistas que actuam em nome do islão com a religião
muçulmana em geral, ou com as comunidades muçulmanas que vivem pacificamente
nas sociedades ocidentais. Este erro constituiria uma injustiça para com os
cidadãos pacíficos que professam a religião muçulmana e uma distorção do
princípio da liberdade ocidental.
Esta liberdade assenta no
respeito pela dignidade da consciência de cada um e, por isso, supõe a
liberdade de professar pacificamente diferentes religiões, incluindo,
naturalmente, a muçulmana.
Mas o combate a esse erro,
usualmente explorado por correntes xenófobas e racistas, não deve dar lugar a
um erro de sinal contrário: uma espécie de proibição “politicamente correcta”
da livre crítica ao islamismo radical.
Mesmo, simplesmente, a religião
muçulmana em geral não deve ser excluída da livre crítica que incide sobre
outras religiões, como a cristã ou a judaica, ou sobre concepções agnósticas e
ateias.
Numa sociedade livre, não há
qualquer motivo para eximir uma convicção ou comunidade particular do exercício
da liberdade de crítica por parte de cidadãos com outras convicções. Estas
críticas são seguramente muitas vezes ofensivas, por vezes gratuitamente
ofensivas.
Mas nós temos mecanismos institucionais para lidar com essas ofensas,
desde o direito de resposta, ao recurso aos tribunais, às manifestações
públicas e à activa expressão de pontos de vista rivais. Não há nenhum motivo
para considerar o islão como um tema tabu, que não poderia ser livremente
criticado e livremente defendido, pacificamente, nas nossas sociedades livres.
Em bom rigor, pelo contrário,
existem razões empíricas significativas, simplesmente fundadas no bom senso,
para convidar enfaticamente as comunidades muçulmanas a um diálogo crítico na
praça pública.
Estão os seus líderes e representantes a promover uma campanha
activa contra o uso abusivo do islão pelos terroristas?
Estão eles a procurar
detectar, isolar e denunciar os terroristas que procuram agir no interior
dessas comunidades?
Estão eles a promover um enérgico esclarecimento dos seus
fiéis sobre a incompatibilidade da violência com a mensagem da sua religião?
Finalmente, e não menos crucialmente, estão eles empenhados numa campanha
pública junto de todos os cidadãos, muçulmanos e não muçulmanos, para
esclarecer aos olhos de todos o seu apoio aos princípios do Estado de direito
que os acolhe e protege?
Receio que estas sejam perguntas
inteiramente legítimas e até necessárias, para aqueles que defendem a
liberdade. Não haverá certamente uma resposta única a estas perguntas, como em
regra acontece em ambientes pluralistas e elas variarão seguramente de país
para país, de comunidade para comunidade.
Mas, no interior das nossas
democracias liberais, é inteiramente legítimo que na praça pública ocorra um
debate aceso sobre estas matérias. E, repito, não há nenhum motivo para excluir
uma comunidade particular desse debate público, livre e pacífico.
Se esse debate continuar a ser
artificialmente evitado, os resultados serão, como em parte estão já a ser, em
várias democracias europeias, contrários aos desejados.
Em vez da integração
pacífica dos cidadãos muçulmanos, assistiremos (se não estamos já a assistir)
ao crescimento de guetos colectivistas de isolamento e radicalização islâmica.
Simultaneamente, crescerão os
partidos extremistas e xenófobos, que serão percepcionados por franjas
crescentes de eleitores não muçulmanos como os “verdadeiros” defensores dos
seus modos de vida.
Estes são motivos adicionais que
fazem hoje de Paris a capital da liberdade. Por que é lá que a liberdade foi
barbaramente ameaçada desta vez. E porque só com o exercício da liberdade, sem
excepções, poderemos defender a liberdade.
Fonte: http://www.publico.pt
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