Quantas vítimas do extremismo são muçulmanas?


Em meio à comoção pelos ataques à revista Charlie Hebdo, o imã Hassen Chalghoumi, que atua em Paris, disse à BBC que 95% das vítimas de terrorismo ao redor do mundo são muçulmanas.

A informação pode surpreender ocidentais, que costumam associar ataques terroristas a episódios como os disparos na redação da revista francesa, os atentados ao metrô de Londres, em 2005, os atentados à rede de trens de Madri em 2004 e o 11 de setembro em 2001, em Nova York.

Esses atentados foram idealizados para chamar atenção, e conseguiram. E, ainda que muçulmanos tenham morrido em tais ataques, a maioria das vítimas eram ocidentais.

Então, será que essa porcentagem de 95% citada pelo imã é confiável?
O programa de rádio More or Less, da BBC, verificou e descobriu que o dado foi publicado originalmente em um relatório de 2011 do Centro Nacional de Contraterrorismo, do governo americano.

O documento diz que "em casos nos quais foi possível determinar a filiação religiosa de vítimas de terrorismo, os muçulmanos sofreram entre 82% e 97% (das perdas) nos últimos cinco anos".

Essa estatística, portanto, corrobora declarações do religioso parisiense. Mas o detalhe "em casos nos quais foi possível determinar a filiação religiosa de vítimas" não pode ser um problema? 

Para qualquer afirmação concreta sobre vítimas do terrorismo global seria pelo menos preciso saber se a filiação religiosa é conhecida na maioria dos casos ou em apenas alguns deles.

O Global Terrorism Database, base de dados coordenada por um grupo de criminalistas e estatísticos na Universidade de Maryland (EUA) existe há 40 anos e é atualmente a fonte oficial de dados para o governo americano. Eles analisam milhares de informações da imprensa para saber onde tem ocorrido ataques.

Essa base de dados tem uma metodologia específica para definir terrorismo. Para ser incluído no sistema, o ataque extremista tem de ser intencional, violento ou ameaçador. E os responsáveis não podem ser um governo.

Considerações adicionais também incluem a existência de um objetivo político, econômico ou religioso; uma tentativa de mandar uma mensagem a um público mais amplo, e não apenas às vítimas; e uma atividade violenta praticada fora do contexto de guerra.

Mas a equipe da Universidade de Maryland usa informações da imprensa que muitas vezes não informam a religião das vítimas dos atentados.

Em contrapartida, há dados interessantes disponíveis, não tanto quanto à religião, mas sim quanto à geografia. Entre 2004 e 2013, cerca de 50% dos ataques e 60% das mortes de atentados ocorreram em apenas três países: Iraque, Afeganistão e Paquistão.

"Esses países são de maioria muçulmana, e sabemos que 80% a 90% dos ataques têm alvos nacionais, e não internacionais", diz Erin Miller, chefe da equipe em Maryland.

Vítimas fatais refletem a composição da população civil. Considerando, então, que os principais pontos de ataque são países de população islâmica, os muçulmanos são, ao mesmo tempo, provavelmente os principais causadores de ataques e as vítimas mais prováveis.

Segundo os dados mais recentes disponíveis, nos dez anos a partir de 2004, só o Reino Unido sofreu 400 atentados terroristas, a maioria na Irlanda do Norte, e quase todos eles foram não-letais. Os Estados Unidos sofreram 131 ataques, e menos de 20 foram letais. A França foi alvo de 47 atentados.

O Iraque, porém, sofreu 12 mil atentados, sendo 8 mil deles com vítimas fatais. Erin Miller calcula que, com base nessas informações, a porcentagem de 95% pode ser um pouco alta, mas não está longe da realidade.



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