Fundamentalismo do Ocidente e do Extremo Ocidente – Por Leonardo Boff
Predominante é o fundamentalismo
islâmico. Mas há também uma onda de fundamentalismo especialmente na França e
na Alemanha onde comparecem fortemente a xenofobia, a islamofobia, o antissemitismo.
Os vários atentados da al-Qaeda e de outros grupos jihadistas alimentam esse
sentimento que desumaniza a todos: as vítimas e os causadores das vítimas.
Podemos compreender os contextos globais que subjazem à violência terrorista (o
terror da guerra do Ocidente levadas ao Oriente Médio), mas jamais, por nenhum
motivo, aprová-la por seu caráter criminoso.
Radical é o fundamentalismo em
vários grupos do Islão, criando um novo tipo de guerra: o terrorismo.
Atualmente é ofensivo acusar alguém de fundamentalista. Geralmente só os outros
são fundamentalistas, esquecendo, não raro, que quem acusa também vive numa
cultura de raiz fundamentalista. É sobre isso que quero me deter rapidamente,
mesmo irritando não poucos leitores e leitoras. Refiro-me ao fundamentalismo
presente em amplos setores do Ocidente e do Extremo Ocidente (as Américas).
Historicamente o fundamentalismo
que já preexistia, ganhou corpo no protestantismo norte-americano entre 1890 e
1915 quando um grupo de pastores publicou uma coleção de 12 fascículos
teológicos com o título: Fundamentals: a testimony of the Thruth (Fundamentos:
um testemunho da verdade).
Ai se afirmava o caráter absoluto das verdades de
fé, contra a secularização, fora da quais só poderia haver erro. Esse
fundamentalismo perdura ainda hoje em muitas denominações cristãs e em setores
do catolicismo conservador à la Lefbvre.
Diria com certo exagero, mas nem
tanto que o fundamentalismo é uma das doenças crônicas do Ocidente e também do
Extremo Ocidente (USA) e das mais deletérias. É tão arraigado que virou inconsciente
mas bem expresso pelo político mais hilário e grosseiro da Europa, Silvio
Berlusconi que declarou ser a civilização ocidental a melhor do mundo e, por
isso, a ser imposta a todos. Cito dois tipos de fundamentalismo: um religioso e
outro político.
O cristianismo de versão
romano-católica foi por séculos a ideologia hegemônica da sociedade ocidental,
do “orbis catholicus”. Nesta lógica vejam o absolutismo de dois Papas, uma
expressão clara de fundamentalismo religioso.
O Papa Alexandre VI (1492-1503)
pela bula Inter Caetera destinada aos reis de Espanha determinava:
“Pela
autoridade do Deus todo-poderoso a nós concedida em São Pedro, assim como do
vicariato de Jesus Cristo, vos doamos, concedemos e entregamos com todos os
seus domínios, cidades fortalezas, lugares e vilas, as ilhas e as terras firmes
achadas e por achar”.
Isso foi tomado a sério e legitimou a colonização
espanhola com a destruição de etnias, culturas e religiões ancestrais.
O Papa Nicolau V (1447-1455) pela
bula Romanus Pontifex dirigida aos reis de Portugal é ainda mais
arrogante: “Concedo a faculdade plena e livre para invadir, conquistar,
combater, vencer e submeter a quaisquer sarracenos e pagãos em qualquer parte
que estiverem e reduzir à servidão perpétua as pessoas dos mesmos”.
Também essa
faculdade foi exercida no sentido de “dilatar a fé e o império” mesmo à custa
da dizimação de nossos indígenas (eram 6 milhões) e a devastação de nossas
florestas.
Essa versão religiosa ganhou uma
tradução secular nos colonizadores que praticavam tal terror sobre os povos.
Mas ela subsiste ainda hoje; basta ver como a Alemanha de Merkel e a França de
Hollande tratam a humilhada Grécia junto com a Troika. Julgam-se senhores do
destino do povo grego, obrigando-o a pagar uma dívida impagável até o juízo
final (170% acima do PIB).
Temos a ver com um tipo de fundamentalismo, o
do neoliberalismo econômico com a expressão: TINA: There is No
Alternative: não há outra alternativa. Quem decide que não há? Os bancos?
Os governos? O povo?
Lamentavelmente essa versão
absolutista foi ressuscitada por um controvertido documento do então Card.
Joseph Ratzinger, Dominus Jesus (2001) onde reafirma a ideia medieval
de que fora da Igreja não há salvação. Os demais estão em situação de risco
face à salvação eterna.
A versão religiosa acima ganhou
expressão política pelo Destino Manifesto dos USA. Esta expressão foi
cunhada em 1845 pelo jornalista John O’Sullivan para justificar o expansionismo
norte-americano como a anexação de parte do México.
Em 1900 o senador por Indiana,
Albert Beveridge explicava: “Deus designou o povo norte-americano como nação
eleita para dar início à regeneração do mundo”.
Outros Presidentes
especialmente George W. Bush se remeteram a essa pretensiosa exclusividade. Ela
justificou guerras de conquista especialmente no Oriente Médio. Parece que em
Barak Obama ela não está totalmente ausente.
Em resumo concentrado: os dois
Ocidentes imaginam-se os melhores do mundo: a melhor religião, a melhor forma
de governo, a melhor tecnociência, a melhor cosmovisão. Isso constitui uma
forma de fundamentalismo que significa: fazer de sua verdade a única e impô-la
aos demais. Essa arrogância está presente no consciente e no subconsciente dos
ocidentais.
Graças a Deus, criou-se também um antídoto: a autocrítica sobre os
males que esse fundamentalismo tem trazido para a humanidade e para a relação
com a natureza. Mas não é compartilhado pela coletividade.
Vale a frase do grande poeta
espanhol Antônio Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A
tua, guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais
e mais desaparece a minha verdade para dar lugar a Verdade comungada por todos.
E assim se pode, quem sabe, limitar o fundamentalismo no mundo nos dois
Ocidentes.
Leonardo Boff é colunista do JB-onlie
e escreveu: Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz, Vozes, 2009.
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