Obama e a 'equivalência moral' – Por Jaime Nogueira Pinto
O discurso de Barack Obama por
ocasião da National Prayer despertou grande indignação entre os cristãos
americanos, que o interpretaram como uma tentativa de 'equivalência moral' (ou
imoral) entre religiões.
Obama abrira o discurso,
que tinha um tom de elegância e espiritualidade, com uma citação de Eleanor
Roosevelt: “Senhor, que os nossos trabalhos permaneçam excessivos, para que
sejamos impelidos a pedir a Tua força”.
Depois de enumerar alguns dos
horrores cometidos pelo ISIL “em nome do Islão”, o Presidente norte-americano
viera lembrar que “durante as Cruzadas e a Inquisição” também tinham sido
feitas “coisas terríveis em nome de Cristo”, e que, na própria América, “a
escravatura e Jim Crow” tinham sido “muitas vezes justificadas em nome de
Cristo”. (Jim Crow é o equivalente a 'Negro' e foi através das Jim Crow Laws
que os democratas sulistas neutralizaram as disposições de igualdade racial).
É verdade que não se pode
confundir o radicalismo homicida do Daesh com o mundo muçulmano, nem esquecer
que as maiores vítimas do radicalismo jihadista são muçulmanos religiosos,
sunitas e xiitas. Mas também não devemos esquecer que estes grupos radicais
actuam em nome de uma interpretação integrista do Corão e dos Hadith que, não sendo
a única, é uma interpretação possível.
Afinal, Maomé é um Profeta
Armado, enquanto Cristo é o Filho de Deus desconcertantemente desarmado. Ou
seja, enquanto no Corão e nos Hadith se podem encontrar justificações para
quase tudo o que de violência se comete ou pode cometer, no Evangelho
dificilmente se encontram palavras que não a condenem.
O caso Charlie Hebdo mostrou
isso. Os católicos viram o Papa e as figuras mais sagradas e veneradas
denegridas e caricaturadas do pior modo, e nada fizeram.
Mas a ideia de que as religiões
são as mães da violência, que os 'laicos' ou 'laicistas' mais militantes têm
procurado impingir ao abrigo dos desmandos dos jihadistas, é também
historicamente incorrecta: a maioria das guerras e revoluções, mesmo quando os
seus mentores invocaram princípios religiosos, tiveram causas políticas. Mesmo
as crudelíssimas 'Guerras de Religião' europeias, fora de acções de agressão e
defesa populares, tiveram uma mistura de razões em que a ambição política ou
dinástica ou a luta por rendas e recursos foi dominante.
Tirando alguns aspectos das
Cruzadas e alguns períodos das Guerras de Religião (normalmente as lutas
domésticas entre Católicos e Reformadores), a religião nunca esteve na raiz das
grandes matanças.
Modernamente, os regimes mais violentos
e cruéis para os seus súbditos e nacionais, e para aqueles que vieram a dominar
pela conquista e ocupação, foram regimes laicos e republicanos baseados na
ideia de que o homem, ou o super-homem, novo, ideológico, liberto do peso da
transcendência religiosa e dos seus mitos, ritos e interditos, podia e devia
fazer tudo para sujeitar os outros à sua 'ideia' e a terra ao seu domínio.
Fonte: http://sol.pt
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