Estados religiosos são antidemocráticos por definição - Por Emir Sader
Crenças, seitas e grupos de fé
têm todo o direito de orientar seus seguidores a se comportarem diante de
fenômenos sociais. Mas não podem querer impor essas orientações a todos, fiéis
ou não fiéis.
Direito à religião é livre e
fundamental é preservar a cada indivíduo o direito de escolha.
Uma das principais conquistas da
modernidade foi a separação entre religião e política, entre opções da vida
privada e da vida pública. Todos somos iguais diante da lei, e a lei é igual
para todos, independentemente das nossas opções religiosas, sexuais, de time
futebol e todas as outras da nossa vida privada.
Seguem tantas outras
desigualdades, típicas do capitalismo, mas pelo menos juridicamente somos
iguais, temos que conviver com as opiniões e valores alheios, que têm tanto a
direito a existir como as minhas e as tuas, mas que não dá a ninguém maiores
direitos na esfera pública.
Os Estados religiosos são
antidemocráticos por definição. Os que pertencem a uma determinada religião, ou
a uma corrente dentro da religião dominante, têm privilégios, enquanto os
outros são inclusive perseguidos por sua crença religiosa. Os palestinos são
cidadãos de segunda classe em Israel, assim como são os sunitas no Iraque.
As ações brutais do
autodenominado Estado Islâmico representam uma radicalização dessas posições.
Atacam e executam os que se declaram fiéis a religiões que eles consideram não
apenas equivocadas, mas que pregam crenças caracterizadas por eles como
impostoras diante do que eles veneram. A destruição de cidades históricas
porque veneram ídolos que eles execram é a extensão natural dessas concepções
fundamentalistas.
Por aqui, e em muitos outros
lugares, também a ingerência na política de correntes religiosas de várias
matizes vai na mesma direção, ainda que sem esse grau de radicalidade. Tentam
impor suas concepções religiosas à sociedade como um todo. Elas têm todo o
direito de orientar seus fiéis a como se comportarem diante de fenômenos como o
divórcio, o aborto, a homossexualidade, as drogas, entre outros. Mas não podem
querer impor essas orientações a todos, fiéis ou não fiéis.
O Estado tem a obrigação, por
exemplo, de colocar à disposição de todas as mulheres as melhores condições
para a realização do aborto, em caso de gravidez comprovadamente indesejada,
considerando que este é um fenômeno social amplamente existente na sociedade,
realizado em condições relativamente boas por quem tem recursos econômicos e em
péssimas condições, com graves sequelas, pela grande maioria, pobre e
vulnerável.
O Estado é laico, não se
pronuncia sobre a natureza da decisão pelo aborto, não o recomenda ou se
pronuncia contra, mas coloca à disposição as condições de sua realização, para
os que consideram que devem apelar para ele.
O Estado não intervém nas
religiões e estas não intervêm nas esferas do Estado. A mistura da religião com
a política não é democrática. De alguma forma elas se contrapõem. Uma é
universal, laica, a outra é composta por seitas, formadas por fiéis.
A democracia respeita as opções
privadas das pessoas, garante que elas possam fazer suas escolhas livremente. A
separação entre o Estado e as igrejas é uma condição da democracia.
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