Como o candomblé, hinduísmo, budismo e siquismo consideram LGBTs – Por Márcio Caparica
Você acha que todas as religiões
se opõem a LGBTs? Pense de novo.
O pensamento judaico-cristão é
sim bastante intolerante quanto à homossexualidade, algo que muitos de seus
fiéis mais modernos estão tentando, com muito esforço, mudar, mas esse tipo de
aversão a diferentes sexualidades e identidades de gênero não são endêmicas de
todo pensamento religioso.
Outras religiões de outras origens vêem os
comportamentos que fogem do padrão heteronormativo de maneira bem diferente.
Confira abaixo informações sobre o candomblé, retiradas do Lado Bi do
Candomblé:, e do hinduísmo, budismo e siquismo, retiradas do artigo de
Harry Ess para o site GayStarNews.
Candomblé
O candomblé apresenta uma grande
tolerância à diversidade, como explicou Reginaldo Prandi, professor da
USP especializado nessa religião. “O candomblé é calcado na
diversidade, ou seja, considera que nós todos não temos a mesma origem: cada um
vem de um lugar, da terra, do trovão, do mar, etc. Cada um vem de um orixá que
comanda uma parte da natureza. A primeira base do candomblé é a diversidade”.
Essa base na diversidade dá o
respaldo para que o candomblé lide melhor com a homossexualidade.
Rodney de Oxóssi, pai-de-santo e
antropólogo, afirmou durante o mesmo programa: “As religiões de matrizes
africana, e o candomblé em particular, têm um compromisso com a felicidade. É
uma religião em que o regozijo e a alegria estão presentes desde o momento em
que se chamam os orixás até o final do ritual, até nos rituais fúnebres”.
Portanto, reprimir a própria
sexualidade, algo que traz infelicidade, não faz parte dessas crenças. “No
candomblé, cada um deve ser quem é e se reconciliar consigo mesmo, e, portanto,
não deve esconder sua sexualidade ou identidade de gênero”, continua.
“Dentro
da religião, a homossexualidade não impede que a pessoa assuma postos altos,
como o de babalorixá ou mãe-de-santo, que têm suas autoridades reconhecidas sem
qualquer ressalva. Há orixás chamados de
“metá-metá”, que possuem características masculinas e femininas. Logun Edé é
metade Oxum, metade Oxóssi. Tem dois sexos, é da mata e do rio, durante seis
meses é homem e seis meses é mulher. Reflete a dualidade da natureza, do
sexo. É também o patrono do movimento gay da Bahia. Oxumarê é
o orixá do arco-íris (símbolo do movimento gay) e é ao mesmo tempo
homem e mulher. Otim é uma versão de Oxóssi que é caçador e tem seios dos quais
brotam leite".
Claro que, estando inserido na
sociedade como um todo, ele pode refletir em alguns terreiros os preconceitos
das pessoas que o frequentam, mas isso não é regra da religião. Pelo contrário,
por sempre abrigar os excluídos da sociedade brasileira, o candomblé acabou por
servir de refúgio histórico para homossexuais, travestis e outros rejeitados
pelas outras religiões. Muitos termos do candomblé tornaram-se gírias
utilizadas por gays no dia-a-dia, o famoso pajubá.
Hinduísmo
Os pontos de vista dos hindus
sobre as questões LGBT são tão diversas e distintas quanto os próprios grupos
hindus.
Em grande parte a
homossexualidade é considerada como uma das possíveis expressões do desejo
humano. Apesar de alguns textos dármicos hinduístas conterem ressalvas quanto à
homossexualidade, um grande número de histórias míticas hinduístas retratam as
vivências homoafetivas como naturais e felizes. Há até vários templos
hinduístas com figuras em baixo-relevo que retratam tanto mulheres como homens
em práticas de sexo homossexual.
Escrituras hinduístas contêm
muitos exemplos surpreendente de diversidade tanto quanto à sexualidade como ao
gênero. Muitas das divindades são andróginas e algumas até mesmo mudam de
gênero para participarem de comportamentos homoeróticos.
Por exemplo, textos medievais
narram como o deus Ayyappa nasceu da relação entre os deuses Shiva e Vishnu
quando esse último tomou forma feminina temporariamente.
Em outra história, o rei-herói
Bhagiratha, que trouxe o rio sagrado Ganges dos céus para a terra, nasceu e foi
criado milagrosamente por duas viúvas, que fizeram amor uma com a outra sob
bênção divina.
Vários textos do século
14 em sânscrito e bengali contam essa história, entre eles o Krittivasa
Ramayana, um texto devocional muito popular ainda hoje. Esses textos explicam
que o nome de Bhagiratha vem da palavra bhaga (vulva), porque ele nasceu de
duas vulvas.
Esse comportamento não se limita
aos deuses. Em outro texto sagrado, o Kama Sutra, do século 4, o prazer é
enfatizado como o objetivo da relação sexual. Ele categoriza os homens que
desejam outros homens como uma “terceira natureza”.
O texto ainda subdivide esses
homens em tipos masculinos e femininos e descreve suas vidas e ocupações típica, dentre elas, vendedores de flores, massagistas e cabelereiros. Pelos padrões
modernos isso pode soar como um estereótipo, mas demonstra compreensão para os
padrões da época.
O Kama Sutra também inclui descrições
detalhadas de sexo oral entre dois homens e faz referências a uniões duradouras
entre parceiros masculinos. Alguns grupos hinduístas de
direita, ativos tanto na Índia como nos Estados Unidos, expressam uma oposição
ferrenha à homossexualidade.
No entanto, vários professores
hinduístas modernos enfatizam que todo tipo de desejo, homossexual ou
heterossexual, são iguais, e que aspirantes devem trabalhar e transcender o
desejo.
Por exemplo, o filósofo hinduísta
Jiddu Krishnamurti afirmou que a homossexualidade, assim como a
heterossexualidade, é um fato que acontece a milhares de anos, e que apenas se
tornou um problema porque os humanos dão ênfase demais ao sexo.
Quando questionado sobre a
homossexualidade, Sri Sri Ravi Shankar, fundador do movimento internacional
Arte de Viver, afirmou: “Todos os indivíduos nascem com o masculino e o
feminino dentro de si. Às vezes um domina, às vezes o outro; isso tudo é fluido”.
O matemático Shakuntala Devi
entrevistou Srinivasa Raghavachariar, o sacerdote-chefe do templo Srirangam, em
seu livro: The World of Homosexuals (O mundo dos homossexuais), de
1977. Raghavachariar afirmava que seus parceiros homoafetivos devem ter sido
parceiros do sexo oposto em vidas anteriores. O gênero pode mudar, dizia ele,
mas a alma retém seus vínculos; consequentemente o amor impele um na direção do
outro.
E quando, em 2002,
a estudiosa hinduísta Ruth Vanita entrevistou um sacerdote shaiva que
havia realizado a cerimônia de casamento entre duas mulheres, o sacerdote disse
que, depois de haver estudado as escrituras hinduístas, ele havia concluído que
“o casamento é uma união de espíritos. E o espírito não é masculino nem
feminino”.
Fica claro, portanto, que não há
nada contra a homossexualidade ou relacionamentos homoafetivos no hinduísmo, os
homofóbicos que dizem o contrário estão apenas usando a religião como escudo
para seus próprios preconceitos.
Siquismo
O siquismo não tem quaisquer
ensinamentos sobre a homossexualidade e o livro sagrado dos siques, o Guru
Granth Sahib, não faz menções explícitas sobre o assunto. Opiniões sobre a homossexualidade
não tendem estar entre as principais preocupações dos ensinamentos siques, já
que o objetivo universal de um sique é não ter ódio ou animosidade contra
qualquer pessoa, independente de raça, casta, cor, credo, gênero ou
sexualidade.
Apesar da escritura sagrada, o
Guru Granth Sahib, não fazer menção explícita da homossexualidade, ela
incentiva a vida de casado várias vezes. E sempre que se fala de casamento,
essa referência é feita como algo entre um homem e uma mulher. Os siques consideram que o Guru
Granth Sahib é o guia completo para a vida e a salvação. Como resultado, alguns
siques acreditam que se o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo não é
mencionado, consequentemente ele não é correto.
O contra-argumento é que o
casamento é mencionado como uma unidade espiritual, e como a alma não tem
gênero, a homossexualidade deveria ser permitida. Esse argumento não basta, no
entanto, para garantir os casamentos de gays e lésbicas em templos siques, os
Gurdwara Sahibs. A religião só permite que se conduza nos lugares de adoração
as cerimônias que são explicitamente permitidas.
O siquismo não odeia pessoas LGBT
nem acredita que homossexuais estão condenados a irem para o inferno. Gurbani,
os gurus siques, afirmam que Deus não possui ódio nem animosidade. Todos somos
filhos de Deus. Da mesma maneira, os templos,
Gurdwara Sahibis, estão abertos a todos. Deus ama a todos independente das
ações ou pensamentos de alguém. LGBTs estão livres para frequentarem o Gurdwara
Sahib e participarem das cerimônias.
Mas ainda restam controvérsias
Giani Joginder Singh Vedanti,
parte do Akal Takht (a autoridade sique secular na Índia) condenou a
homossexualidade quando lembrou os membros siques do parlamento canadense,
durante uma visita, de seus deveres religiosos de se oporem ao casamento
igualitário.
Numa declaração publicada em
março de 2005, Vedanti afirmou: “O dever básico dos parlamentares canadenses
siques deveria ser apoiar leis que barrem a prática da homossexualidade, porque
há milhares de siques que vivem no Canadá, e assim garantir que siques não
tornem-se presas dessa prática”.
Os parlamentares canadenses
siques, no entanto, votaram a favor do casamento igualitário. Muitos siques
acreditam que não há nada errado com a homossexualidade no siquismo, e rejeitam
o que pregam alguns sacerdotes. O princípio fundamental aqui é a
crença dos siques na igualdade, e, pelo menos nesse ponto, os LGBTs estão bem
amparados.
Budismo
A homossexualidade é proibida no
budismo? É uma conduta sexual errada? Vamos conferir o que Gautama Buddha, o
fundador da religião, disse. Gautama Buddha afirmou em um dos
cinco preceitos que leigos deveriam evitar condutas sexuais erradas. Ele nunca
elaborou muito sobre esse assunto, apenas disse que um homem não deveria mexer
com uma mulher que está casada ou noiva.
Sem dúvida ele disse no Vinaya,
as regras para monges e monjas, que eles devem fazer um voto de castidade, mas
não há regra do tipo para quem não é monge. O Buda ensinou os cinco preceitos
para nos afastar de maneiras de se causar danos para nós mesmos e para outros.
Deve-se apontar aqui que esses são preceitos e não mandamentos, e que são cinco
coisas das quais devemos tentar nos abster.
Para que o ato sexual não cause
danos ele deve ser consensual, afetuoso, amoroso e não deve violar qualquer
voto de casamento ou comprometimento. Ele também não deve ser abusivo, como por
exemplo se fazer sexo com menores ou no estupro, e nisso está incluído forçar
seu parceiro a fazer sexo.
Eu acredito, portanto, que um ato
homossexual consensual e amoroso não vai contra os ensinamentos de Buda de
nenhuma forma. Em segundo lugar, deveríamos
prestar atenção às palavras que Buda proferiu antes de morrer.
Na época o Venerável Ananda, seu
amigo, estava chorando porque o Buda estava deixando seu corpo, e ele disse ao
Buda: “Você está partindo e eu ainda não me tornei iluminado. O que será de
mim? O que acontecerá comigo? O mundo será de trevas absolutas para mim, você
era a luz. E agora você está partindo. Tenha compaixão de nós.”
Buda abriu seus olhos e disse
“Appo deepo bhava”, o que significa “Seja sua própria luz, não siga ninguém”. Buda pediu que seguíssemos nossa
luz interior. Fica claro, portanto, que não há
nada errado com a homossexualidade se ela está dentro de nós e nós não causamos
dano a outras pessoas ou a nós mesmos.
O Dalai Lama, mesmo celibatário,
tem usado sua considerável força moral para apoiar o casamento igualitário,
condenando a homofobia e afirmando que o sexo gay e lésbico não é problema
algum desde que seja consensual.
Fonte: http://www.ladobi.com
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