A questão do reconhecimento civil da Teologia e o Enade – Por Paulo Fernando Carneiro de Andrade *
O reconhecimento da validade
civil dos cursos de graduação em Teologia que se deu a partir de 1999
foi um fato importante que deu plena cidadania acadêmica a esta área do saber
em nosso país.
Uma vez que toda Teologia é confessional, isto é, pertence a uma
Tradição Religiosa determinada, os pressupostos deste reconhecimento foram o
de, por um lado, exigir alta qualidade acadêmica, e, de outro, respeitar a
diversidade desta área e a autonomia das diferentes Religiões em definir o
conteúdo específico de cada curso, como se faz em outros países e é perfeitamente
conforme ao princípio de laicidade do Estado.
O Parecer CES 241/99 aprovado
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado pelo Ministro da
Educação e publicado no DOU no dia 05/07/1999, que instituiu este reconhecimento
afirma, no item a) que os cursos de bacharelado em Teologia sejam
de composição curricular livre, a critério de cada
instituição, podendo obedecer a diferentes tradições religiosas.
Recentemente, em 12 de março de
2014, o CNE aprovou o Parecer CNE/CES 40/2014 (súmula publicada no DOU em
30/07/2014, p. 14), com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
Bacharelado em Teologia, mantendo o mesmo critério emanado no Parecer CES
241/99, de liberdade curricular. Parecer este que aguarda a homologação do Ministro
da Educação.
Estas Diretrizes foram construídas num trabalho colegiado
promovido pelo CNE junto a diversas tradições religiosas, inclusive com
audiência pública, da qual fiz parte como convidado, expondo o caráter
simultaneamente acadêmico e confessional da Teologia.
Posteriormente também fiz
parte de um grupo de especialistas destas diversas tradições convidado a
contribuir com a redação do parecer, sendo este, portanto, um trabalho
consensual e colegiado que deve ser respeitado.
Segundo este parecer já aprovado
pelo CNE e publicado no Diário Oficial é claro o caráter diverso do ensino de
Teologia já que o eixo de formação fundamental dos cursos de Teologia é assim
descrito no documento:
"O eixo de formação
fundamental deverá contemplar conteúdos de formação básica que caracterizam o
curso de Teologia. Neste eixo deverão ser ministradas disciplinas relacionadas
ao estudo das narrativas e textos sagrados ou oficiais que podem ser tidos como
fontes da Teologia, segundo a Tradição própria; das línguas destas fontes da
Teologia; das normas ou regras de interpretação das referidas fontes; do
desenvolvimento da Tradição; do método, dos temas e das correntes teológicas
construídas ao longo da história e contemporaneamente. Além disso, incluem-se
nesse núcleo todas as disciplinas que atendem ao estudo da natureza da tradição
religiosa e de sua história, inclusive códigos legais ou assemelhados."
Temos cursos reconhecidos de
Teologia Umbandista, de Teologia Espirita, de Teologia Messiânica e de Teologia
das diversas tradições cristãs, cada um desenvolvido segundo a Tradição própria,
conforme previsto.
Temos também reconhecidos alguns cursos
de Ciências da Religião que são substancialmente distintos dos cursos de
Teologia e que estudam o fenômeno religioso a partir de outra perspectiva, seja
fenomenológica, seja apenas das ciências sociais, e possuem por isso possuem
outras diretrizes curriculares.
A tentativa de se estabelecer um
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) único para os diversos
cursos de Teologia e Ciências da Religião é contrária a todos os pressupostos
que permitiram o reconhecimento da Teologia.
Não é possível elaborar um ENADE
com um conteúdo comum a estes diferentes cursos, nem mesmo se pensados
transversalmente, já que o conteúdo do núcleo fundamental é próprio de cada uma
das Tradições e não comum, uma vez que o ensino da Teologia não é um ensino
geral sobre as Tradições Religiosas e sim específico.
Os cursos autorizados e
reconhecidos, desde 1999, seguiram o princípio de diversidade e liberdade
estabelecido por estes instrumentos legais, não havendo, portanto, condições de
se criar um único exame para todas as instituições, a não ser que se imponha às
diversas Tradições um conteúdo estranho às mesmas, de forma ilegítima, ferindo
neste caso o princípio de laicidade do Estado.
A necessária avaliação dos
cursos de graduação em Teologia deve continuar a ser feita pelo instrumento
legal previsto, que é o da visita de especialistas, único modo de se respeitar
a diversidade intrínseca a esta área do conhecimento.
* Professor Doutor e Decano do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Fonte: http://www.jb.com.br
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