Laicidade e laicismo – Por João Medeiros Filho
Atualmente, no Brasil, em nome do Estado laico, tramitam vários processos e
requerimentos, exigindo a exclusão de símbolos religiosos de repartições
públicas.
Invocando essa “laicidade”, a Prefeitura de Florianópolis entrou com
uma ação contra uma lei municipal, que determina haver exemplares da Bíblia em
suas bibliotecas.
Em Mariana, não foi diferente, quando o presidente da Câmara
quis tirar do plenário o crucifixo. Há alguns anos, o Ministério Público
Federal de São Paulo ajuizou ação pedindo a retirada de objetos sacros dos
órgãos públicos.
Juridicamente, entendemos Estado
laico como aquele que não tem um credo oficial, nem permite a interferência das
religiões. É neutro, mas não antirreligioso ou ateu. Segundo os juristas, não
deve ser entendido como uma instituição antirreligiosa ou anticlerical. Na
realidade, Ele é a primeira organização política que garante a liberdade de
crença. E a tolerância religiosa é aceita graças à laicidade e não como
oposição à mesma.
Nossa Constituição, ao definir
nosso Estado como laico, não só confere a liberdade de culto, como também assegura
assistência religiosa nos hospitais, prisões, escolas e quartéis (daí os
capelães militares de várias confissões), além de instituir o casamento
religioso com efeitos civis e criminalizar qualquer desrespeito às crenças e
seus símbolos.
Ter exemplares da Bíblia em
bibliotecas não significa obrigar alguém a lê-la. Como pode o Livro Sagrado
ferir a laicidade do Estado brasileiro? É o que muitos perguntam. Se para os
cristãos ela é a Sagrada Escritura, para os não cristãos é um livro comum, como
milhares de outros. Lê quem quer. Ninguém é obrigado. Porém, uma biblioteca que
se preza, não deve prescindir de um exemplar da obra mais lida, conhecida e
vendida no mundo.
Trata-se de um conteúdo
histórico, cultural e não só religioso. Há que se distinguir arte, tradição e
cultura, de religião. Fomos colonizados por cristãos ocidentais. Hoje,
empenhamo-nos em preservar valores culturais dos afrodescendentes, indígenas e
outras minorias étnico-culturais-religiosas. Numa sociedade democrática, deve
reinar também o respeito à maioria, já que o pregamos tanto para as minorias. E
os cristãos representam o percentual mais elevado da população brasileira.
As atitudes, como a da prefeitura
catarinense, nada mais são do que atos de intolerância religiosa. E esta não é
permitida pela constituição brasileira vigente, ao contrário, é crime
tipificado em lei.
Os autores das demandas judiciais
não são coerentes. Se há uma caça aos símbolos sagrados, particularmente aos
cristãos, por que não ousam retirar a imagem do Cristo Redentor, no Rio de
Janeiro (eleita uma das sete novas maravilhas do mundo moderno e declarada
patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO) e a imagem de Santa Rita, em
Santa Cruz, no Rio Grande do Norte?
Teriam eles a audácia de demolir tais
estátuas para que não maculem o Estado laico? Com certeza, não são esses
símbolos religiosos que envergonham e denigrem o Brasil. Na verdade, o Cristo
do Crucifixo é quem deve sentir-se constrangido com o que se passa em muitos de
nossos órgãos públicos...
E quanto aos nomes de estados e
cidades como São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Natal, São Luís etc.?
Pela lógica e em nome dessa pretensa laicidade, exigiriam renomeá-los também.
Baixar leis para atender à
demanda dos laicistas é fomentar a intolerância religiosa! Escudando-se numa
pseudo interpretação da laicidade do Estado, acaba-se caindo numa sucessão de
erros, ferindo a história, a cultura, a tradição e a arte, além da
religiosidade de nosso povo.
É preciso deixar claro que do
ponto de vista formal e conceitual, laicidade difere de laicismo. Entende-se
pela primeira a perspectiva da total separação Igreja-Estado, como contido na
Constituição Federal do Brasil, onde o Estado, em seus níveis e esferas, está
proibido de adotar qualquer religião como oficial.
Laicismo é a negação ou privação
do direito de manifestar publicamente a fé. Este não está escrito na
Constituição vigente (tampouco nas anteriores). Ao contrário, por força dela,
todos os cidadãos brasileiros ou aqui residentes têm ampla liberdade espiritual.
E esta não é privilégio de um grupo religioso, independe de sua história,
influência político-social, quantidade de fiéis ou adeptos. Laicidade não é
sinônimo de laicismo ou ateísmo.
O Papa Francisco, no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, em Julho de 2013, afirmou que o “Estado laico é
aquele que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e
valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas
expressões mais concretas”.
João Medeiros Filho é Padre
Católico.
Fonte: http://tribunadonorte.com.br
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