O “domínio” evangélico – Por Humberto Ramos de Oliveira Jr



Como os fundamentalistas subiram às “cabeças” do Congresso brasileiro.

Hoje a Frente Parlamentar Evangélica é integrada por 75 deputados, de diferentes partidos que a constituem, em um Congresso de 513 parlamentares. Em termos de agrupamento segmental, ela se constitui como uma das mais importantes articulações da esfera política institucional. Se fosse um partido, apareceria como a terceira maior força dentro do parlamento. 

Não bastasse o potencial numérico, hoje se vê que esse grupo também ostenta poderosa habilidade para articular politicamente, constituem alianças inesperadas, realizam lobby, organizam setores da sociedade em favor de suas pautas.

Alguns desavisados podem estranhar a ofensiva conservadora evangélica no Congresso. No entanto, a ascensão de Eduardo Cunha, hoje evangélico da Assembleia de Deus, à presidência da Câmara dos Deputados, e as negociações desta bancada com as chamadas bancada da Bala (ex-militares e simpatizantes) e a do Boi (agronegócio), formando o que já tem sido nomeado como bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala), é resultante de uma ideologia disseminada em meio evangélico desde algum tempo, a Teologia do Domínio.

Decorrente dos meios em que floresceu a Teologia da Prosperidade nos Estados Unidos, os ensinamentos oriundos desse pensamento teológico fomentam o pensamento de que os crentes devem assumir importantes funções na sociedade em geral, especialmente na política, a fim de que possam retomar para Deus todas as dimensões da vida. As razões para essa ofensiva são fundamentadas especialmente na urgência de conter a depravação da sociedade. 

Assim sendo, natural que os parlamentares ligados à bancada evangélica exerçam sua principal atuação nas pautas ligadas à sexualidade, casamento homoafetivo, direitos reprodutivos, drogas, eutanásia, dentre outros assuntos passíveis de questionamento moral.

No Brasil, a Teologia do Domínio não recebeu trato mais elaborado nem sistematização teórica. No geral, muitas das crenças teológicas entre evangélicos neopentecostais carecem de sistematização, sendo transmitidas de modo oral, havendo variações específicas de igreja para igreja.

Muitas vezes baseados no verso 13 do capítulo 28 do livro de Deuteronômio[1], Brasil afora a partir da década de 90, é possível ouvir, mais amplamente nas igrejas evangélicas, discursos justificando a presença de líderes religiosos na política, incentivando seus fiéis a se envolverem ativamente nos mais diversos ambientes da sociedade a fim de que pudessem influenciá-la por meio da propagação/imposição de seus valores.

Uma vez que ainda não constituíam (e ainda não são) maioria quantitativa no país, tornaram-se obstinados por formar ao menos uma “maioria moral”[2], isto é, uma maioria ligada por valores conservadores ainda que não exatamente pela mesma crença religiosa. 

Sustentam, assim, que não fazem outra coisa senão empunhar ideias e valores aos quais a população em geral adere. Neste sentido, atuam com um populismo sensacionalista que, não raras vezes, demonstra sua opção por atuarem valendo-se do medo como afeto político.

Característica típica de grupos fundamentalistas, os políticos da frente evangélica e seus aliados assumem postura belicosa diante de seus adversários. Nesse caso, porém, estariam no front disputando uma “guerra cultural”[3].

A conjuntura atual da política brasileira, por sua vez, favorece essa tese. Desde a chegada de Eduardo Cunha à presidência da Câmara, ele mesmo fez questão de explicitar que determinadas pautas, muito caras a setores progressistas, não seriam levadas à votação ou não teria sucesso enquanto estivessem sob sua responsabilidade. 

Por outro lado, pautas conservadoras ganharam tremenda celeridade, como a redução da maioridade penal e o trabalho terceirizado, por exemplo. Além de receber firme apoio da bancada evangélica, o texto do projeto que defende esta primeira é todo fundamentado em trechos da Bíblia.

Diante de um cenário em ebulição, ainda é cedo para falar dos impactos que a presença evangélica com tal configuração, hoje com um poder de negociação política talvez jamais obtido por esse grupo, gerará para o cenário político nacional. Não obstante, pode-se suspeitar de um perigoso regresso em temas ligados aos Direitos Humanos. Parafraseando o ex-presidente Lula, “nunca antes na história desse país” foi tão importante dar atenção à atuação desse grupo na política institucional.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que os evangélicos constituem 22% da população nacional, no Congresso sua representatividade é de 14%. A cada nova pesquisa, a cada aumento do contingente numérico desse grupo, pastores e personalidades influentes de seu universo religioso vaticinam que no futuro o Brasil será evangélico. 

Se com os números em questão eles já comprometem relevantes pautas progressistas, provocam polêmicos embates e conseguem exercer significativa influência nos rumos políticos do país, o que se poderia esperar caso cheguem ao menos a 50% da população? 

Independente de números, o discurso de crescimento, ocupação de postos na sociedade, enfim, de domínio, segue sendo importante fator na atuação política desse segmento religioso.

Notas:

[1] “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir. ”

[2] Algo muito parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos logo após os movimentos derivados da revolução cultural hippie, quando religiosos conservadores se embrenharam numa jornada em favor do agrupamento de forças reacionárias de todo o país a fim despertar uma suposta maioria conservadora a resistir ao que entendiam como a degradação dos valores fundantes da sociedade americana.

[3] À semelhança do fundamentalismo norteamericano, no Brasil os político evangélicos e outros grupos conservadores aliados a eles atuam como que estando em um campo de batalha, no qual o que se está em disputa é a manutenção dos valores, assim o dizem, da família. Obviamente, atendendo a um conceito tradicionalista de família (homem, mulher, brancos, heterossexuais, e filhos). Nesse sentido, o a política institucional, partidária, tornou-se um dos principais campos em que esta batalha acontece.

Humberto Ramos de Oliveira Jr - Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, na área de concentração Religião, Sociedade e Cultura, linha de pesquisa Religião e Dinâmicas Socioculturais. Possui interesse de pesquisa nas áreas relacionadas a religião, política e laicidade. Tem atuado profissionalmente como coordenador de Abordagem Social no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Limeira/São Paulo.






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