Estado Laico não dá direitos políticos só a ateus e agnósticos
Há uma profunda confusão dos que,
sem terem valores religiosos, defendem a tese de que no Estado laico todo
cidadão que acredita nesses valores religiosos não tem o direito de
manifestar-se, devendo prevalecer os valores dos ateus e agnósticos.
Nessa equivocada visão, a
esmagadora maioria da população, que acredita em Deus e professa tais valores,
deveria silenciar-se sobre suas crenças, pois estas poderiam ter reflexos
políticos. Em outras palavras, como disse um líder de não crentes, defender
famílias múltiplas, abortos, uniões de pares do mesmo sexo é ideologia e não se
confunde com religião.
No Estado laico a ideologia é
perfeitamente admitida, mas defender fidelidade conjugal, a vida humana desde a
concepção, casamento entre homem e mulher é defender posições religiosas, que
não se compaginam com o Estado laico. Todos os que embarcam nesta
incorreta concepção de Estado Laico brasileiro sequer leram o prólogo da
Constituição de 1988, que diz:
“Nós, representantes do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República
Federativa o Brasil”.
Ora, todo o Poder Executivo, todo
o Poder Legislativo, todo o Poder Judiciário, todo o Estado brasileiro, todos
os direitos fundamentais reconhecidos foram promulgados sob a proteção de Deus.
O Estado laico brasileiro,
portanto, é um Estado democrático de direito constituído sob a proteção de
Deus. Todos os poderes dados pela Constituição a presidente, governadores,
prefeitos, senadores, deputados, vereadores, ministros, desembargadores,
juízes, membros do Ministério Público e advogados foram dados sob a proteção de
Deus.
Para tais cidadãos, de rigor, o
único caminho, a meu ver, é criar uma nova Assembleia Constituinte para
reformular o preâmbulo da Carta e dizer que a Constituição Brasileira passa a
ser promulgada sem a proteção de deus.
Vale a pena, todavia, de forma didática esclarecer o que é Estado laico. Trata-se de Estado em que as instituições religiosas não devem interferir nas instituições políticas. São instituições que cuidam de aspectos diferentes da vida humana. Estado laico não é aquele em que só ateus e agnósticos possuem direitos políticos. No Estado laico, ateus, agnósticos, que são a esmagadora minoria, e os que professam alguma crença religiosa têm os mesmos direitos de cidadania.
Ora, se têm os mesmos direitos, têm o direito de defender suas posições, de votar em quem acredita nos mesmos valores. E, como na democracia as decisões são tomadas pela maioria, respeitado os direitos da minoria, tem direito de fazer prevalecer seus valores de ética, princípios morais, defesa de direitos fundamentais da dignidade humana na conformação das leis. As leis devem ser feitas pela maioria, com respeito ao direito das minorias, pois é ela que representa a maior parte da população.
O cidadão que acredita em Deus
não é um castrado político, mas um cidadão com todos os direitos das minorias
ateia ou agnóstica. Nada mais legítimo que representantes
da maioria rezem um “Pai Nosso” na Câmara dos Deputados, numa demonstração de
respeito aos seus valores. Da mesma forma que a minoria sempre prestigiou os
seus, inclusive através de representantes da homossexualidade, de defensores do
aborto, exercendo o direito de manifestar-se e até mesmo levar seus cartazes às
sessões da Câmara ou do Senado.
Felizmente, o Brasil é uma plena democracia, onde as instituições religiosas não influenciam as instituições políticas e onde tanto a maioria que acredita em Deus, como a minoria que não acredita tem o pleno direito de defender, através de seus representantes, suas ideias, perante os poderes constituídos. Nossa democracia é tão extraordinária que os ateus e agnósticos têm o pleno direito de participar de todas as instituições Políticas instituídas sob a proteção de Deus. Exercem, pois, seus direitos sob a proteção de Deus.
Dr. Ives Gandra Martins - Professor
Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de
Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do
Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária
– CEU – ceu@ceu.org.br e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo
Lusíada.
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