Para Gherman, esquerda e direita do Brasil têm imagem errada de Israel – Por Guga Chacra
Hoje convidei o Michel Gherman,
professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e coordenador do Centro de
Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para escrever como
tanto a direita como a esquerda brasileira tem uma imagem equivocada de Israel.
Vale muito a pena ler, de verdade.
Algumas semanas atrás, aconteceu
de novo. Eu participava em uma mesa sobre identidade religiosa no Brasil. Havia
gente de outros cultos e religiões. Na hora das perguntas fui novamente o alvo.
Eu não, o judaísmo. Estou acostumado com essas coisas, em ambientes acadêmicos
e progressistas, com alguma frequência o judaísmo é considerado como de
direita, conservador, elitista.
Aí vem meu drama, tenho formação de esquerda,
cresci em uma família progressista e bastante secular. Não sou, portanto,
conservador, estou longe de ser de direita e nem da elite (cresci e moro na
zona norte do Rio de Janeiro). Nessas horas tento justificar, explicar, conto
minha história e tal, mas, devo confessar, cansa bastante.
Outro fenômeno interessante
ocorre nesses casos. Mesmo quando o tema em debate é outro, mesmo quando se
fala sobre religião, cinema, música ou qualquer outro assunto, não é raro que
surjam perguntas sobre Israel. Mas não qualquer Israel, um Israel muito específico,
quase imaginário. Este Israel é genocida, racista, opressor e, principalmente, monocromático.
Neste Israel, que parece ser o lugar mais quente do Inferno, o mundo é simples:
Judeus (todos) oprimem e árabes (todos) são oprimidos. Neste Israel não há
espaço para contradições, para divergências para minorias, os judeus estão de
um lado e os árabes de outro. Não há esquerda, não há direita, há nós e eles.
Aqui acho que minha situação
ainda é pior. Sou cidadão israelense, aos olhos dessas audiências sou,
portanto, opressor, direitista e racista. Acontece que eu, talvez tanto quanto
meus detratores, sou contrário à ocupação dos territórios palestinos, considero
o atual governo de Israel o “ó”, acho que Bibi e alguns de seus parceiros
estão, de fato, no limite do fascismo. Bibi e seus ministros me consideram
adversário, eu os considero uma tragédia. Apesar disso, sou entendido por
plateias inteiras apenas como judeu, israelense e sionista, ou seja, como
direitista, antidemocrático, imperialista etc.
Aqui cabe uma pergunta: Porque
Israel, os judeus e o sionismo carregam esta carga? Por que, para alguns grupos
seria impossível ser sionista e de esquerda?
Não posso responder, aqui, essa
difícil questão longamente. Pretendo apenas levantar três pontos. Em primeiro
lugar, acredito que no imaginário militante de plateias comprometidas, Israel
ocupa o espaço dos fortes e dos opressores. Nesta narrativa ideal não cabem
quebras ou divergências. Aqui o nacionalismo se presta a propor um quadro dual
e bicolor.
Palestinos são a esquerda e israelenses (e judeus) a direita. Neste
sentido analises mais complexas sobre a plural sociedade israelense só
atrapalham. O fato de haver por lá grupos que se digladiam, partidos (sionistas
ou não) de todas as cores e matizes, verdadeiros inimigos políticos em um
parlamento bastante ativo, apenas atrapalham, mancham uma figura de bem e mal,
de bom e ruim, de nós e eles.
O segundo ponto realimentaria o
primeiro: Há falta de informação. Pouco se sabe, de fato, sobre Israel, os
diversos sionismos e a sociedade israelense como um todo. Aqui, o acesso à
informação rápida e pouco complexa ocupa espaço em uma militância ávida por
militar. Neste sentido, o caso de Israel e da Palestina é ótimo e eficiente. Para
que vão deixar que um sionista pró palestino estrague a festa?
O terceiro ponto é, a meu ver, o
mais polêmico de todos. Acontece que parte da comunidade judaica consome e se
delicia com artigos, matérias e reportagens produzidos por articulistas
conservadores. Me refiro aqui a gente que se define como “pró Israel”,
“filo-semitas” ou mesmo sionistas. Aqui, o problema é o mesmo, só que em
direção oposta. Enquanto uma certa esquerda imagina uma “Israel ideal que
parece um inferno”, parte de uma direita cultiva, justamente, a ideia de que “Israel
ideal seja um paraíso”.
Nesse contexto, o inferno são os outros, no caso
os palestinos e os árabes em geral. Se Israel, para esta direita militante, é o
quadro da diversidade e da riqueza cultural, são os árabes que são
monocromáticos, incivilizados e pouco interessantes.
Aqui, membros da comunidade
judaica, desavisadamente ou não, reproduzem o que fazem com ela, na direção
contrária. Neste quadro, caímos em uma armadilha, onde a divisão entre “eu e
eles” parece estar instaurada definitivamente. Nada mais distante da realidade.
Nesta armadilha, ser sionista (e judeu) ou pró-sionista é ser anti-palestino, é
ser imperialista, é ser de direita. Por outro lado, ser palestino, ou pró-palestino
é se anti-sionista, anti-imperialista, é ser de esquerda.
Nesta situação sionistas pró
palestinos e palestinos que aceitam Israel não cabem, são simplesmente
desconsiderados, ou são considerados traidores ou hipócritas. Quem se beneficia
com isso? Ora conservadores de lá e de cá. Aqui, a outra parte da comunidade judaica,
sionistas de esquerda, progressistas e gente favorável a acordos e diálogos
perdem a voz. Do lado árabe palestino o mesmo ocorre, mas na direção contrária.
Enquanto isso, para o grande
público, uma versão simplificadora e empobrecida é vendida e consumida
avidamente. Nesta versão, ser se resume sionista a ser de direita e ser
palestino é ser de esquerda. Pronto. Nada mais afastado da realidade, nada mais
fora do esquadro. É chegada a hora de sionistas pró palestinos e de palestinos
pró Israel fazerem escutar sua voz, senão…
Guga Chacra, comentarista de
política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova
York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi
correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No
passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires.
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