Interferência religiosa no Estado afasta fiéis/Rússia – Por Maria Fedoríchina
Pesquisa revela mudança radical
de atitude em relação à Igreja Ortodoxa Russa ao longo dos últimos 25 anos.
Influência religiosa em questões administrativas e profusão de templos em
Moscou geram insatisfação e críticas entre os cidadãos. Uma pesquisa divulgada
em julho pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinião Pública (VTsIOM) revelou
que apenas 36% dos russos aprovam a disseminação de convicções religiosas, ao
passo que, em 1990, esse índice ultrapassava a marca dos 60%.
“A Igreja está interferindo cada
vez mais na vida privada”, critica a líder do movimento “São Petersburgo,
Capital Espiritual”, Elena Bábitch. “Não existe diálogo com a sociedade, e isso
está deixando as pessoas apreensivas e preocupadas". O mesmo levantamento também apontou
que 23% dos entrevistados veem a propagação da fé como “prejudicial para a
sociedade”, enquanto, há 25 anos, essa opinião não era sustentada por mais de
5% dos russos.
“Hoje a Igreja está mais
preocupada em fazer negócio do que em trabalhar com a população, ela tem mais
interesse por projetos financiados pelo Estado”, justifica Bábitch. Pela Constituição Federal, a
Rússia é um país laico. Há alguns dias, porém, a Câmara de Auditoria e a Igreja
Ortodoxa Russa assinaram um acordo de cooperação no combate à corrupção.
Recentemente, a Província
Eclesiástica de São Petersburgo também pediu às autoridades municipais que a
Catedral de Santo Isaac passe a ser de usufruto livre e ilimitado da Igreja
Ortodoxa Russa.
O pedido recebeu uma enxurrada de
críticas de defensores do patrimônio público e cidadãos, que temem que um dos
principais símbolos da cidade venha a ter acesso restrito.
“Ela nunca pertenceu à Igreja,
foi sempre propriedade do Estado, construída com dinheiro público. Temos medo
de perdê-la como museu, como atração turística”, diz Bábitch.
Templo vs Parque
Moscou possui, entre igrejas e
capelas, mais de 1.000 templos. Grande parte das novas construções se deve ao
programa “200 igrejas”, que tem por objetivo garantir locais de culto a curta
distância para toda a população da capital.
Porém, segundo o estudo do
VTsIOM, 18% dos russos se opõem à construção de uma igreja da fé que professam
perto de casa e 43% são contra o aparecimento de templos de outras religiões na
vizinhança.
“Estamos assistindo a uma
construção desenfreada de igrejas, e as pessoas não concordam com isso”,
critica Bábitch. “Tomam o espaço de parques e locais de lazer, embora a cidade
já tenha muitas igrejas. Mesmo agora, ficam meio às moscas, com pouquíssimas
pessoas nos cultos”.
O moscovita Anton Vassiliev conta
que em frente à sua casa, nas imediações do metrô Bábuchkinskaia, havia um
parque com uma lagoa. “Era o único lugar onde dava para passear com os filhos
e, no inverno, costumávamos descer as colinas do parque de trenó. Agora
cercaram a área toda e vão construir uma igreja ali”, diz.
Segundo Vassiliev, os moradores
da região chegaram a registrar uma reclamação junto à prefeitura, mas não houve
resposta. “Eu sou um homem de fé e não vejo problema em andar 15 minutos para
chegar à igreja mais próxima, não entendo por que construir um bem no parque”.
Fé sem Igreja
Apesar de os russos terem
começado a separar o conceito de Igreja e fé nos últimos anos, isso não
significa que as pessoas deixaram de crer em valores religiosos.
Ainda segundo o levantamento do
VTsIOM, 55% dos entrevistados acreditam que a fé os ajuda na vida. Já em 1990,
apenas 23% dos russos compartilhavam dessa opinião. “São muito mais as pessoas de fé,
que acreditam em Deus, do que aquelas que frequentam as igrejas e cumprem os
preceitos canônicos”, sugere a psicóloga Elena Galítskaia.
“A fé está dentro das pessoas, no
coração, e as regras da Igreja são atributos externos. Por isso as pessoas não
sentem qualquer contradição em ver fiéis se opondo à Igreja ou à sua gestão”.
Fonte: http://br.rbth.com
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