Filme tenta mudar forma como Ocidente vê o islã
Longa sobre Maomé, orçado em US$
40 milhões, busca mostrar imagem positiva do islamismo e oferecer contraponto
às interpretações religiosas extremistas. Um esforço corajoso do aclamado
cineasta iraniano Majid Majidi.
"Quanto mais filmes forem
feitos sobre a vida do profeta, melhor", afirma Majid Majidi, diretor do
filme: Muhammad: The Messenger of God (Maomé: o mensageiro de Deus, na tradução
livre).
A primeira parte de uma planejada trilogia, exibida desde o dia 27 de Agosto em salas lotadas no Irã, remete ao período anterior ao nascimento do profeta e
à sua infância, há mais de 1.400 anos.
O diretor iraniano, famoso pelo
filme: Filhos do Paraíso, indicado ao Oscar em 1999, diz que resolveu tomar as
dores da religião e mostrar "uma imagem mais justa do islã",
atualmente prejudicada pela ação de jihadistas. O longa de 171 minutos, que
teve sua estreia no Irã e internacional na semana passada, custou 40 milhões de
dólares e sete anos de trabalho duro.
"Decidi fazer este filme
para lutar contra a nova onda de islamofobia no Ocidente. A interpretação
ocidental do islã é cheia de violência e terrorismo", disse Majidi à
revista iraniana conservadora Hezbollah Line.
Os idealizadores do filme
deixaram claro que a intenção é mudar a narrativa global dominante sobre o
profeta do islã, particularmente no Ocidente. A religião costuma ser associada
a grupos terroristas como a Al Qaeda, o "Estado Islâmico" (EI) e o
Talibã e a ideias de intolerância e extremismo.
A lembrança do ataque jihadista
ao semanário satírico francês Charlie Hebdo, que matou 12 pessoas, incluindo
editores da publicação, ainda está bastante presente no Ocidente.
O fato de o
Charlie Hebdo ter sido alvo de extremistas por publicar charges
"desrespeitosas" sobre o profeta Maomé levou muitas pessoas a
defenderem que os muçulmanos não acreditam num discurso racional.
Através da arte, Majidi quer
convencer não muçulmanos de que o islã é uma religião de paz. O diretor
pretende ressaltar que o massacre na redação do Charlie Hebdo, a queima de
efígies e o vandalismo em propriedades públicas em reação ao filmes
anti-islâmicos, como: A Inocência dos Muçulmanos, somente reforçam uma impressão
de que os adeptos da religião acreditam em violência.
Sensibilidade
Comentários negativos e sátiras
do islã ou de Maomé irritam os muçulmanos pelo mundo. Qualquer representação
pictórica do profeta é considerada não islâmica e uma blasfêmia, principalmente
pela maioria sunita.
Em 1989, o ex-então líder supremo
do Irã, o aiatolá Khomeini, emitiu uma fatwa, decreto emitido por autoridade
religiosa muçulmana, incitando a morte do escritor britânico Salman Rushdie,
por escrever o controverso romance: Os versos satânicos. Para muitos muçulmanos,
o livro denigre o profeta Maomé.
Em 1993, o autor Taslima Nasreen,
de Bangladesh, escreveu o romance: Lajja, que provocou a ira dos muçulmanos da
região, sendo considerado ofensivo. A autora teve de se esconder na Índia por
causa de ameaças de morte de grupos muçulmanos do seu país.
Muçulmanos também protestaram em
2005, quando o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou charges satíricas de
autoria do artista dinamarquês Kurt Westergaard, retratando o profeta do islã.
Esforço corajoso
Independente de como o Ocidente
vai receber o filme e se ele vai mudar as percepções sobre o islã, o esforço de
Majidi é corajoso, mesmo se considerando que o Irã xiita é mais tolerante com
representações.
Por esse motivo, o filme também
trata do conflito interno do islã sobre razão e racionalidade. Muitos
acadêmicos defendem a proibição do filme.
"Já há um consenso sobre
essa questão. A sharia proíbe a personificação do profeta", diz Abdel
Fattah Alawari, reitor da faculdade de teologia islâmica da Universidade de
Al-Azhar, no Egito.
"Isso não é admissível no islã [porque um ator] tem
papéis contraditórios e conflitantes, às vezes nós o vemos como um cego bêbado,
outras vezes como um mulherengo. E então ele incorpora um profeta. Isso não é
admissível."
O crítico iraniano Masoud
Ferasati também avaliou negativamente o filme. "É ambíguo e
inquietante", define ele, acrescentando que hábitos, artistas e cenários
não combinam com a época representada no longa.
Mas o pesquisador de história
religiosa Dwayne Ryan Menezes, da Universidade de Cambridge, tem uma abordagem
diferente sobre a repercussão desse tipo de filme.
"A abordagem que os
religiosos escolheram para lidar com esses tipos de filme é mais relacionada
com a força e maturidade de seus credos do que com a 'agressão retributiva'.
Uma abordagem muito melhor seria tratar isso com indulgência e divulgar
bastante o trabalho que promove o caminho correto de suas religiões, servindo e
ajudando a causa da harmonia interreligiosa", diz Menezes.
No entanto, o poeta e pesquisador
Iftikhar Arif acredita que a maioria dos religiosos, sejam muçulmanos, cristãos
ou de qualquer outra religião, são sensíveis quanto a sua fé.
"A reação
não é exclusiva dos muçulmanos. Quando Martin Scorsese fez A última tentação de
Cristo, muitos grupos de cristãos extremistas protestaram ", lembra Arif.
À frente no debate
Aparentemente os iranianos
tomaram à frente na ideia de promover uma "imagem mais leve" do islã
para o mundo. A mensagem, filme de 1976 dirigido pelo sírio-americano Mustafá
Akkad, foi um grande sucesso entre os iranianos xiitas. Segundo a mídia
iraniana, o filme de Majidi também tem excelente desempenhos de bilheteria e
vendeu todos os ingressos antes do lançamento.
"Eu acho que esse filme pode
ser um ponto de partida para aquelas pessoas que não conhecem pesquisarem mais
sobre o islã", diz Abolfazl Fatehi, de 21 anos, que viu o filme em Teerã.
O funcionário de um cinema, Mehdi
Azar, de 25 anos, diz que o filme é longo e parece meio desinteressante no
início, mas é atraente o suficiente para chamar o público. "É visualmente
muito atraente", afirma.
Apesar dos elogios ao filme, a
questão permanece sendo se ele pode desafiar a percepção e o discurso dominante
sobre o profeta e sua religião. Enquanto a mídia continuar inundada de matérias
sobre decapitações e ataques suicidas de jihadistas tanto em países muçulmanos
como ocidentais, um ou dois filmes não devem ser capazes de mudar a opinião
sobre o islã.
Fonte: http://diversao.terra.com.br
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