"Qualquer intervenção militar ocidental deverá ser consequente e considerar o statebuilding" - Por Leonídio Paulo Ferreira
Entrevista a Felipe Pathé Duarte,
cientista político e vice-presidente do Observatório de Segurança,
Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT)
No livro Jihadismo Global fala de competição entre o Estado Islâmico,
ou DAESH como diz, e a Al-Qaeda. Competição em vez de cooperação, porquê?
Competição profunda. Veja-se que
o DAESH começa como a ramificação da Al-Qaeda [AQ] no Iraque. Em 2013 tentam
aumentar o seu espaço tomando de assalto a Jabhat Al-Nusra, a filiação qaedista
na Síria. Desta fusão, deveria nascer um "Estado Islâmico da Síria e do
Iraque". A intenção foi tomada como hostil e prontamente limitada pela AQ.
Mas al-Baghdadi permaneceu na sua intenção, pondo em causa a legitimidade de
al-Zawahiri. Em 2014 o DAESH separa-se formalmente da AQ e entram em disputa e
confronto.
Quando distingue islão e jihadismo não está a ser politicamente
correto? Não porque todo o islão seja jihadista, mas porque este tipo de terror
com inspiração religiosa vem sobretudo do campo muçulmano?
De todo. É uma questão de
interpretação e análise do pensamento estratégico jihadista que, na sua
essência, é secular e geopolítico. Basta ler os textos fundadores. Veja que o
ódio antiocidental não é uma característica religiosa nem étnica - é política,
social...e ocidental. As motivações que levam um jovem que viva nos subúrbios
de Londres a entrar para o DAESH têm mais que ver com contexto social do que
com a religião. Basta ver o perfil dos jihadistas portugueses, por exemplo. O
jihadismo não deixa de ser uma machadada secular no islão, tal como foi, de
formas diferentes, a laicização de Atatürk ou a teocracia constitucional de
Khomeini. Note que esta posição não se trata de uma defesa do islão, cuja
passividade em relação ao que se passa até sugere uma certa anuência. O que é
preciso é separar as águas e dizer que não há guerras religiosas ou
civilizacionais.
Existe uma vontade de revanche do mundo árabo-muçulmano contra o
Ocidente que explica o sucesso da mensagem jihadista?
Não creio. Isso é uma leitura que
sugere que houve uma falha da outrora grande civilização islâmica,
pré-iluminista, perante o confronto com a modernidade ocidental, a partir do
século XVIII. Nesta linha, há também quem veja esta situação como uma espécie
de terceira fase da luta anticolonial: houve a política, a económica, agora é a
identitária e cultural - uma espécie de produto e revanche da globalização.
Cai-se muitas vezes no erro da generalização. Tanto o islão como o mundo árabe
não são monolíticos. Por isso, não vejo o fenómeno como uma especificidade
religiosa ou étnica que reage. É o resultado de um movimento social, em
contextos específicos, com uma ideologia comum. É importante não cair no
estereótipo - isso convém à narrativa jihadista, que justifica a ação violenta
perante o suposto ataque do Ocidente ao islão.
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