Matrizes Africana e Indígena contradizem o Espírito do Capital - Por Ivan da Silva Poli
Ivan da Silva Poli é autor de um
Mestrado sobre: “A importância do estudo das mitologias e gêneros literários da
oralidade africana e afro-brasileira no contexto educacional brasileiro: a
relevância da Lei 10639/03″.
Seu ponto de vista é polêmico:
coloca as tradições africanas e indígenas como frontalmente antípodas ao
espírito do Capital. E aqui estamos invocando o “espírito” de Max Weber, um
mestre da sociologia moderna, ocidental.
Uma das principais motivações que
me levaram a escrever a obra: “Antropologia dos Orixás” foi justamente o fato de
a maior parte das obras sobre os mitos africanos tratá-los somente no aspecto
religioso, sendo que segundo o mitólogo Joseph Campbell o mito tem mais três
funções além da mística (religiosa) que são a cosmológica (explica uma ordem
universal), a sociológica (cria corpos sociais) e a pedagógica (cria arquétipos
que imitamos e legitima comportamentos).
Atualmente as tradições de matriz
africana sofrem ataques e agressões em vários níveis e a principal razão disso
não se enquadra exatamente em razões religiosas em si mas sim em conflitos de
valores civilizatórios entre a cultura do capital ocidental e as culturas
tradicionais tanto de matriz africana quanto indígena.
Segundo Max Weber o Espírito do
Capital (que muito a grosso modo é a disposição de acumular capital como uma
finalidade em si mesma) vem da ética das primeiras seitas protestantes assim
como o conceito de vocação profissional dentre outras coisas do conceito
de Vocação de Lutero, e este comportamento dentro do Espírito do Capital
interessam sobremaneira aos detentores dos meios de produção, razão pela qual
muitos deles financiam (inclusive do capital estrangeiro) a evangelização de comunidades
tradicionais.
Segundo o Antropólogo Georges
Balandier em seus estudos sobre as comunidades tradicionais na África
Subsaariana, estas em geral tem a tendência de condenar a morte social aqueles
que acumulam capital ou riquezas de forma a ameaçar a sustentabilidade de suas
sociedades e no caso de nossas sociedades tradicionais tanto de matriz africana
quanto indígena esta influência está presente o que contrasta com o que Weber
define como o Espírito do Capital.
Outro valor civilizatório das tradições
de matriz africana que vai contra o Espírito do Capital em si é o conceito de
ancestralidade e senioridade, pois ancestralidade é memória e memória é
resistência e este valor da ancestralidade vai contra a cultura de consumo.
Da mesma forma as comunidades
tradicionais de matriz africana baseadas na ancestralidade e senioridade incitam
a adoção das dinâmicas sociais africanas tradicionais que só aceitam o novo se
ele for ressignificado a partir do tradicional e dificilmente aceita o novo
pelo novo, o que se converte também em um valor civilizatório que contrasta com
a cultura de consumo e o Espírito do Capital.
Neste sentido o próprio Max Weber
afirmava que o Espírito do Capital prevaleceria na América Latina quando esta
fosse predominantemente Protestante (e em consequência menos
católica e exterminasse as religiões tradicionais de Matriz Africana e Indígena).
Para entendermos melhor o que
isso significa basta que nos atentemos ao que representaram os quilombos no
período colonial no que se refere a resistência ao Capitalismo Mercantilista, e
ainda hoje estas comunidades quilombolas e indígenas que mantém suas tradições
representam a este atual Espírito do Capital , motivo pelo qual se faz
grande prioridade evangelizá-las.
Desta forma fica bem claro que
mais do que valores de dogmas ou religiosos o que faz com que as tradições de
matriz africana sofram agressões é o conflito de valores civilizatórios e como
única saída para que possam sobreviver a esta onda conservadora de agressões
que passam é que nossas casas de Matriz Africana se tornem pontos de Cultura e
propagadoras destes valores civilizatórios patrimônio cultural de todos brasileiros e que assim possam gozar da proteção do Estado (pois o Estado não
pode defender valores religiosos ou dogmas, contudo tem o dever de defender
valores civilizatórios que são nosso Patrimônio Cultural.
Neste sentido desenvolvi os
livros Antropologia dos Orixás e Pedagogia dos Orixás, para defender estes
valores civilizatórios tanto no meio acadêmico quanto para que sirvam de
material de formação sobre estes valores civilizatórios em ambientes
educacionais e comunidades tradicionais, para servir assim em sua defesa
institucional.
O pai (muitas vezes protestante e
negro) que não se importa que seu filho veja como herói os mitos nórdicos de
suas comunidades tradicionais no passado como Thor (que na Escandinávia nenhum
pai protestante contesta que seja um mito que traz importantes valores
civilizatórios a suas identidades nacionais), tem que reconhecer nos mitos
africanos como Ogum, Oxóssi, Yansã, Oxum e todos Orixás estes valores
civilizatórios fundadores de nossa nação.
É necessário que
independentemente das religiões se admita que o Reino do Ketu tem muito mais a
ver com nosso processo civilizatório brasileiro que o Reino de Odin ou mesmo o
Olimpo Grego em muitos aspectos.
Este processo descolonizador é um
dos principais objetivos de minha obra como um todo e nestes específicos em
relação aos valores civilizatórios que herdamos de nossos ancestrais africanos
que muitas vezes são invisíveis em nossa educação mesmo em universidades de
referência de nosso país assim como em nossa mídia hegemônica.
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