Quem são as pessoas que ficarão 7 horas confinadas pelo Enem – Por Talita Abrantes
Para 70,7 mil
inscritos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começa, de fato, só às 19h
deste sábado, sete horas depois que os outros 8 milhões de candidatos abriram o
caderno de perguntas da prova.
Eles são os chamados guardadores
de sábado ou sabatistas, pessoas que, por razões religiosas, não podem fazer
uma prova ou outra atividade produtiva até o pôr-do-sol do sábado. Esse é o
caso dos seguidores da Igreja Adventista do Sétimo Dia e de algumas alas do
Judaísmo, entre outras religiões.
Apesar do exame em horário
alternativo, os sabatistas precisam se apresentar no mesmo horário que os
outros candidatos na escola e encarar uma maratona de cerca de 7 horas de
espera até o início da prova. As regras para os inscritos nessa
situação são as mesmas aplicadas para quem faz a prova no horário convencional:
aparelhos eletrônicos são confiscados, materiais de leitura são proibidos e,
segundo consta no edital do Enem, até conversas não são autorizadas nesse
horário.
“É bem cansativo. Você não faz
absolutamente nada”, conta Abraão Weissenberg, estudante de Medicina de 17
anos, que prestou o Enem no ano passado. Como membro de uma ala ortodoxa
dentro do Judaísmo, Weissenberg não poderia sequer se locomover de carro ou
transporte público até o local da prova durante o shabat, período que se
estende do pôr-do-sol da sexta-feira até o pôr-do-sol do sábado.
“Dentro da comunidade judaica, há
uma pluralidade da observância religiosa do shabat. Os mais observantes são
proibidos de fazer qualquer esforço, qualquer atividade produtiva até o final
do sábado”, explica Sérgio Napchan, diretor-institucional da Confederação
Israelita do Brasil (CONIB).
A solução proposta pelo
Ministério da Educação (MEC) para casos como esse foi sugerir a hospedagem
próxima ao local da prova. Junto com alguns colegas na mesma situação,
Weissenberg, então, se instalou em um hotel perto o suficiente para ir a pé até
a escola.
Cultos e equívocos
Apesar das regras estritas para o
tempo de espera, a maior parte dos estudantes entrevistados pela reportagem
relataram que, na prática, alguns fiscais permitem que eles conversem com
colegas e até realizem manifestações religiosas antes do início da prova.
“É super legal. Os fiscais
ficavam conversando com a gente, conheci várias pessoas novas, tinha culto”,
conta a adventista Gabriela Pita, de 19 anos, que irá prestar o Enem pela
terceira vez neste sábado. O adventista e estudante de
Engenharia Lucas Leung, de 23 anos, conta que a prova do Enem de 2010 rendeu
uma das experiências mais marcantes da vida dele em termos de espiritualidade.
“Quando eu estava andando pelo
corredor para ir ao banheiro, ouvi todas as salas interagindo e fazendo o culto
do pôr-do-sol”, diz o estudante, que na ocasião foi alocado em uma escola
destinada apenas para sabatistas. “É uma reafirmação de fé”. No Rio de Janeiro, a Igreja
Adventista do Sétimo Dia Central lançou até uma campanha para preparar os fiéis
que irão encarar as sete horas de espera.
“É um momento de stress. Eles já
entram em desvantagem”, afirma Jakeline Zandonadi, uma das idealizadoras do
movimento Pausem, que organizou um encontro de adventistas inscritos no Enem na
semana passada. “A ideia é que cada um se apoie no outro”.
Nem todos os inscritos como
guardadores de sábado, contudo, partilham da mesma convicção de fé. É o caso da
estudante Gabriela Carvalho, de 17 anos, que é católica e marcou a opção sabatista
por engano ao se inscrever para a prova.
“Eu soube uns três dias antes que
teria que ficar no Enem o dia inteiro. Fui com intuito de ficar conversando com
a parede, mas acabei conhecendo várias pessoas”, conta.
Enem online ou em dois domingos
Desde que a prova começou a ser
aplicada também aos sábados, em 2009, as comunidades judaica e adventista têm
pleiteado junto ao governo um novo método que atenda às necessidades dos
inscritos que guardam o sábado, como provas em dois domingos ou pela internet.
“A ordem do governo e do
ministério é inclusão. Mas, com a troca de ministros, vamos ter que começar as
conversas praticamente do zero”, afirma Vanderlei José Vianna, advogado da
Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Durante sua curta passagem pelo
ministério da Educação, o ex-ministro Cid Gomes propôs a criação de um Enem
online. A ideia seria criar um banco virtual com mais de 32 mil questões do
exame.
No momento da prova, realizada em salas credenciadas pelo MEC, as
perguntas seriam sorteadas para cada candidato. A medida agrada os representantes
da Igreja Adventista e da Confederação Israelita do Brasil (CONIB) que estão
dialogando com a pasta. Nesta sexta-feira, Aloisio Mercadante, recém-empossado
ministro da Educação, admitiu que a proposta deve sair do papel no próximo ano.
Até lá, sabatistas (e inscritos
de maneira errada) devem rumar hoje munidos até de casacos mais macios para
tirar uma soneca durante o (longo) tempo de espera.
Fonte: http://exame.abril.com.br
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