O pós-moderno, a igreja e a verdade absoluta - Por Jonathan Menezes
Um dos temas prediletos dos
tribunais teológicos nos últimos tempos se chama “pós-modernidade”.
Para muitos
ela inspira ou representa quase sempre algo ruim, um tremendo desafio ao testemunho
cristão, a besta do Apocalipse. No livro: A igreja do outro lado (Editora
Palavra, 2008), Brian D. McLaren critica algumas das críticas cristãs, para
ele, distorcidas à pós-modernidade, que são papagaiadas exatamente por quem
provavelmente nunca leu um livro sequer de um pós-moderno (que não proponha
vale-tudismos), ou leu “alguma coisa” e pensa que, por ela, leu o todo, mais ou
menos como quem acha que sabe tudo sobre a Teologia da Libertação tendo lido
apenas “o livrinho introdutório dos irmãos Boff”, como vi um teólogo dizer
recentemente.
Entre as críticas mais requentadas, sobre a qual gostaria de
falar nesse texto, está a de que “cristianismo e pós-modernidade são
incompatíveis porque os pós-modernos não creem na verdade absoluta”. A resposta
de McLaren, com a qual concordo inteiramente, é a seguinte:
Bem, é claro que há uma verdade absoluta lá fora. Não duvido disso. Apenas duvido de sua habilidade, ou na minha própria, de apreender essa verdade e de compreendê-la, lembrá-la, codificá-la numa determinada linguagem e comunicá-la a outros e fazê-la compreendida de uma maneira absolutamente exata. (...) aquilo que as pessoas pós-modernas tendem a rejeitar não é a verdade absoluta, mas o conhecimento absoluto (p. 234).
Ora, isso é quase uma obviedade, poderia dizer alguém, pois quem seria obtuso o bastante para ainda crer e dizer que pode codificar a verdade ou compreendê-la de maneira “absolutamente exata”? Também não entendo que haja um grande número de pessoas que faça isso assim, tão explicitamente.
Bem, é claro que há uma verdade absoluta lá fora. Não duvido disso. Apenas duvido de sua habilidade, ou na minha própria, de apreender essa verdade e de compreendê-la, lembrá-la, codificá-la numa determinada linguagem e comunicá-la a outros e fazê-la compreendida de uma maneira absolutamente exata. (...) aquilo que as pessoas pós-modernas tendem a rejeitar não é a verdade absoluta, mas o conhecimento absoluto (p. 234).
Ora, isso é quase uma obviedade, poderia dizer alguém, pois quem seria obtuso o bastante para ainda crer e dizer que pode codificar a verdade ou compreendê-la de maneira “absolutamente exata”? Também não entendo que haja um grande número de pessoas que faça isso assim, tão explicitamente.
Mas no campo das ciências
humanas e no da religião, por exemplo, ainda temos muitos/as "Dom
Quixotes" da verdade que resistem em admitir os limites do saber e, mais
ainda, da expressão desse saber. Então, prosseguem, usando aqui outra expressão
de McLaren, “batendo o tambor da verdade absoluta” por aí, por mais ridículo e
desesperado que isso pareça, quem sabe esperando que a chuva caia do céu e
esses pós-modernos irresponsáveis finalmente se convençam de que não podemos
jogar todos os valores, sobretudo os morais, na lata do lixo. Mas quem disse
que o pós-moderno se caracteriza pela completa destruição de todos os valores?
Talvez estejamos lidando aqui com mais um preconceito. Lembrando a famosa definição de François Lyotard, o pós-moderno se caracteriza, num plano geral, pela “desconfiança em relação às metanarrativas”, isto é, as grandes narrativas, aquelas que se colocam em letras maiúsculas, que pretendem oferecer explicações últimas ou definitivas para uma determinada realidade nos termos de uma determinada forma de pensamento ou linguagem.
Talvez estejamos lidando aqui com mais um preconceito. Lembrando a famosa definição de François Lyotard, o pós-moderno se caracteriza, num plano geral, pela “desconfiança em relação às metanarrativas”, isto é, as grandes narrativas, aquelas que se colocam em letras maiúsculas, que pretendem oferecer explicações últimas ou definitivas para uma determinada realidade nos termos de uma determinada forma de pensamento ou linguagem.
A teologia, por exemplo,
torna-se uma metanarrativa quando, num ímpeto semelhante ao dos “amigos de Jó”, abandona sua vocação metafórica, e passa a querer explicar e abarcar aquilo
que não pode ser contido em vasos, odres ou caixas. Que podemos falar sobre o
“radicalmente outro”? Ora, só uma teologia que, por natureza, também só pode
ser “radicalmente outra” em relação a Deus, é capaz de dizer algo dentro de
suas limitadas possibilidades, reconhecendo que só se pode conhecer em parte,
como o próprio Paulo o fez (cf. 1Co 13.12).
E isso não tem nada a ver com “acabar com o absoluto”, porque essa é uma impossibilidade. O absoluto é o que está alheio a tudo: é o Totalmente Outro, o Eterno, o Incondicional.
E isso não tem nada a ver com “acabar com o absoluto”, porque essa é uma impossibilidade. O absoluto é o que está alheio a tudo: é o Totalmente Outro, o Eterno, o Incondicional.
Não há razão para se precaver tanto contra a
relativização em questão, pois ela não tem em vista o absoluto em si, uma vez
que esse não é passível de ser relativizado, tampouco de ser supra-absolutizado, ficar repetido, em alto e bom som, a Deus que Ele é absoluto ou todo-poderoso
é tão inútil quanto tentar explicar a um peixe que este sabe nadar.
Somente o
relativo pode e deve ser relativizado, sobretudo quando nutre pretensões ao
status de absoluto, ou de ilusões de equivalência. No fim das contas, a supra-absolutização
do absoluto ou a tentativa de guardá-lo “a sete chaves” é apenas mais um dos
efeitos do desejo por poder que ocupa o interior da religião e da teologia há
bastante tempo.
Nomear ou conceituar um aspecto do Reino de Deus, por exemplo, e então dizer “isso É o Reino”, é o mesmo que pretensamente conferir a tal conceito a mesma natureza absoluta do reino.
Nomear ou conceituar um aspecto do Reino de Deus, por exemplo, e então dizer “isso É o Reino”, é o mesmo que pretensamente conferir a tal conceito a mesma natureza absoluta do reino.
Por isso, a “teologia” de Jesus era metafórica,
pois, ao se referir ao reino nas parábolas de Mateus, capítulo 13, por exemplo,
ele nunca disse o que o reino é, e sim com o que se assemelha: “O reino de
Deus é semelhante a...” um homem que semeou a boa semente no campo
(v. 24); um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou em seu campo
(v. 31); um fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de
farinha (v. 33); um tesouro escondido no campo (v. 44); um que
negocia e procura boas pérolas (v. 45); uma rede, que lançada no mar
colhe peixes de toda espécie (v. 47).
Diante das acusações de que gente pós-moderna não se importa com a verdade, McLaren então parte da ideia, talvez um pouco romântica, e quem sabe se referindo a uma parcela dos pós-modernos (são tantos, então penso que sim), de que “as pessoas pós-modernas se importam tanto com a verdade que não querem fingir que uma opinião subjetiva ou ‘vista de um ponto’ seja mais do que ela realmente é. E se importam tanto com a verdade que questionam a habilidade da linguagem de comunicá-la suficientemente” (p. 235).
Mas isso ainda pode nos colocar diante de um impasse ético, do tipo: bem, se a verdade não nos é acessível, como distingui-la da mentira? Como justificar, do ponto de vista hermenêutico, o sincero escândalo que nos provocam tantos políticos e outras pessoas que mentem? Ou seja, ao se dizer adeus à verdade como conhecimento absoluto sobre algo, como reconhecer e denunciar a mentira nociva ao bem individual ou comum? Coadunar-se-á com a descarada mentira?
Diante das acusações de que gente pós-moderna não se importa com a verdade, McLaren então parte da ideia, talvez um pouco romântica, e quem sabe se referindo a uma parcela dos pós-modernos (são tantos, então penso que sim), de que “as pessoas pós-modernas se importam tanto com a verdade que não querem fingir que uma opinião subjetiva ou ‘vista de um ponto’ seja mais do que ela realmente é. E se importam tanto com a verdade que questionam a habilidade da linguagem de comunicá-la suficientemente” (p. 235).
Mas isso ainda pode nos colocar diante de um impasse ético, do tipo: bem, se a verdade não nos é acessível, como distingui-la da mentira? Como justificar, do ponto de vista hermenêutico, o sincero escândalo que nos provocam tantos políticos e outras pessoas que mentem? Ou seja, ao se dizer adeus à verdade como conhecimento absoluto sobre algo, como reconhecer e denunciar a mentira nociva ao bem individual ou comum? Coadunar-se-á com a descarada mentira?
Ou,
indo adiante, sem o parâmetro da verdade, como é possível se definir e
diferenciar coisas tais como “mentira” e “bem comum”, como certo ou errado? Se
a verdade absoluta é “mais um perigo que um valor”, como declarou Gianni
Vattimo, que valores ainda podem ser nutridos sem que resultem no mesmo perigo ora
rechaçado: o de absolutizar aquilo que é apenas particular?
A proposta que Vattimo oferece em seu livro: Adios a la verdad (Editorial Gedisa, 2010), parece ser uma solução aberta e provisória ao problema: se é passível que tal conflito não possa ser vencido pela pretensão de se chegar à verdade das coisas, uma vez que o produto sempre será diferente da verdade mesma, resulta que não mais se busque a verdade universal, mas a verdade comunitariamente válida ao grupo numa situação histórica dada.
A proposta que Vattimo oferece em seu livro: Adios a la verdad (Editorial Gedisa, 2010), parece ser uma solução aberta e provisória ao problema: se é passível que tal conflito não possa ser vencido pela pretensão de se chegar à verdade das coisas, uma vez que o produto sempre será diferente da verdade mesma, resulta que não mais se busque a verdade universal, mas a verdade comunitariamente válida ao grupo numa situação histórica dada.
No “adeus à
verdade” suspende-se a pretensão a uma validade universal de pressupostos, e se
dá boas-vindas a “verdades particulares” com validade relativa e temporária.
Assim, não se trata de um total abandono da tarefa de distinguir práticas ou
discursos que sejam verdadeiros ou falsos, mas de reconhecer que “a diferença
entre verdadeiro e falso é sempre uma diferença que surge de interpretações
mais ou menos aceitáveis e compartilhadas”, como produto não do autoritarismo
da visão de uns sobre os outros, mas de consensos solidariamente possíveis.
Não
que o papel do diálogo seja, necessariamente, o de produzir consenso, nem que o
do intelectual não possa ser o de persuadir seus pares de sua posição. A
diferença, para Vattimo, está na palavra interpretação, de modo que: “A
filosofia não é expressão da época, é uma interpretação que com certeza se
esforça por ser persuasiva, mas que reconhece sua própria contingência,
liberdade e riscos” (p. 61).
A filosofia (e/ou a teologia) que emerge, então, dessa abertura para a pluralidade de visões e interpretações diferentes, é carente de princípios últimos ou, por assim dizer, pós-fundacionalista. Mas, se ela é débil de fundamentos e de uma origem, como pode falar racionalmente e/ou não descambar para um irracionalismo puro e simples do tipo vale-tudo?
A filosofia (e/ou a teologia) que emerge, então, dessa abertura para a pluralidade de visões e interpretações diferentes, é carente de princípios últimos ou, por assim dizer, pós-fundacionalista. Mas, se ela é débil de fundamentos e de uma origem, como pode falar racionalmente e/ou não descambar para um irracionalismo puro e simples do tipo vale-tudo?
Na perspectiva desse autor, ela o faz a
partir de “eleições responsáveis” ou pontos de partida explícitos (não neutros,
nem universalizantes), que surgem de necessidades plantadas não pelo olho de
Deus subjacente a toda moral, mas pelo contexto e suas situações específicas.
Vattimo parece propor, assim, a troca de uma ética universal (com imperativos
categóricos) por uma ética situacional (com imperativos contextuais, forjados a
partir de uma pertença comunitária e, assim, relativos a um lugar). A isto ele
chama de ética da finitude: “aquela que tenta se manter fiel ao
descobrimento da situação, sempre insuperavelmente finita, da própria
procedência, sem esquecer-se das implicações pluralistas de tal descobrimento”
(p. 110).
Isso se estende também ao que chamamos de “verdades” ou da “ética” do cristianismo. O cristão pode se manter fiel aos princípios nos quais acredita sem ter a pretensão de que eles sejam adotados irrestritamente por todas as pessoas, especialmente no âmbito público e civil.
Isso se estende também ao que chamamos de “verdades” ou da “ética” do cristianismo. O cristão pode se manter fiel aos princípios nos quais acredita sem ter a pretensão de que eles sejam adotados irrestritamente por todas as pessoas, especialmente no âmbito público e civil.
A ideia de que “precisamos
implantar os valores cristãos na sociedade” tende a perder sua preeminência,
não para que o relativismo, como parece ser o temor de tantos, tome seu lugar
e se instaure o regime da desordem, numa espécie de anarquismo ético, e sim
para que esses “consensos solidários”, sobre os quais Vattimo fala, sejam
possíveis ou pelo menos pensáveis por um grupo mais significativo de pessoas,
levando em conta os direitos humanos básicos, que os cristãos deveriam ser os
primeiros a abraçar, se é que são tão “éticos” quanto pensam e se é que sua
ética transpassa o âmbito dos “princípios morais individuais” do “eu” não faço
isso ou aquilo e não o que “a igreja”, ou “um governo cristão”, ou uma
“bancada evangélica” quer determinar como regra para todos.
Se os cristãos não se colocam como uma voz no coro de múltiplas vozes que se fazem ouvir na sociedade, talvez seja melhor que se calem; se não se podem contentar no papel de cooperadores, e não paladinos ou detentores, com o evangelho, talvez seja melhor não atrapalhar o processo; caso prossigam sendo teimosos em não se abrir para o diálogo, mais por medo que por convicção, provavelmente prosseguirão falando apenas de si para si mesmos numa congratulação universal dos que se colocam como os fiéis defensores da verdade.
Se os cristãos não se colocam como uma voz no coro de múltiplas vozes que se fazem ouvir na sociedade, talvez seja melhor que se calem; se não se podem contentar no papel de cooperadores, e não paladinos ou detentores, com o evangelho, talvez seja melhor não atrapalhar o processo; caso prossigam sendo teimosos em não se abrir para o diálogo, mais por medo que por convicção, provavelmente prosseguirão falando apenas de si para si mesmos numa congratulação universal dos que se colocam como os fiéis defensores da verdade.
Os “demais cristãos”, marginais por natureza, que não pensam assim, devem ser
exilados sob a pecha de “liberais”, “hereges” ou “apóstatas”, quando não
“anticristos”, porque tanto sua forma de pensar quanto de ser não estão de
acordo com o que “a Bíblia diz”. “Compare com o que a Bíblia diz”, afirmam
alguns desses fiéis (mais retos que a lei), “e verás que estás fora da
verdade!”.
Para esses, a equação é muito simples: “a Bíblia diz” é igual a
“Deus diz”. Se eu repito, fielmente (ou seja, de modo literal), o que a
escritura está dizendo, então a minha palavra corresponde à Palavra de Deus.
Logo, se alguém contradiz a minha palavra, contradiz a Palavra de Deus e,
portanto, é um herege. Isso é um exemplo tosco de como se pode perder de vista
a lição de Jesus nas parábolas do Reino: só podemos comparar linguagem com
linguagem e não linguagem com “o fato”, “a realidade”, “o ser”, “a essência”,
“a verdade”, e assim por diante.
O que preocupa aos cristãos em geral é uma coisa chamada “critério de decisão”. Qual é o critério que devemos adotar para decidir sobre questões de cunho moral (já que entramos no assunto)? Richard Rorty, em Contingência, ironia e solidariedade (Martins Fontes, 2007), tem muito a ensinar aos cristãos nesse sentido.
O que preocupa aos cristãos em geral é uma coisa chamada “critério de decisão”. Qual é o critério que devemos adotar para decidir sobre questões de cunho moral (já que entramos no assunto)? Richard Rorty, em Contingência, ironia e solidariedade (Martins Fontes, 2007), tem muito a ensinar aos cristãos nesse sentido.
O problema, para ele, não é a busca por critérios em si, mas a
busca deles no mundo (ou em Deus) na expectativa de que ele “fale”, ou melhor,
dite o que é ou tem de ser. Essa tentação de buscar critérios no mundo é devida
a tendência de pensar no mundo, ou no próprio ser humano, como possuidor de uma
“natureza intrínseca”, uma “essência”.
Como não alcançamos essa essência
(apenas pretendemos), o resultado é a “tentação de privilegiar uma dentre as
muitas linguagens com que habitualmente descrevemos o mundo ou nós mesmos”, e a
consequente criação de “vocabulários-como-totalidades” (p. 31), ou, diria eu,
de vocabulários-deuses.
Evitar essa tentação é minha proposta aqui, destinada particularmente aos próximos da fé, e é também a proposta de pós-modernos como Rorty e Vattimo. Para isso é necessário um sacrifício: não o sacrifício da verdade, mas o sacrifício pela verdade, se é que ainda nos importamos com ela, e não apenas estamos interessados no poder ou status que a pretensão de possuí-la, ou que sua posse efetiva como efeito do “abuso espiritual” ou religioso, nos confere.
Evitar essa tentação é minha proposta aqui, destinada particularmente aos próximos da fé, e é também a proposta de pós-modernos como Rorty e Vattimo. Para isso é necessário um sacrifício: não o sacrifício da verdade, mas o sacrifício pela verdade, se é que ainda nos importamos com ela, e não apenas estamos interessados no poder ou status que a pretensão de possuí-la, ou que sua posse efetiva como efeito do “abuso espiritual” ou religioso, nos confere.
O sacrifício “da verdade” acontece sempre que alguém
alega tê-la encontrado, em seu estado absoluto, e a codificado em uma
linguagem; já o sacrifício “pela verdade” é um sacrifício de si mesmo e da
visão de que minha linguagem e teologia correspondem ao modo como as coisas
(Deus, sua Palavra) realmente são.
O sacrifício pela verdade é uma imitação do
sacrifício de Jesus, o caminho, a verdade e a vida, que como Ser-Verdade se sacrificou
por amor, ao contrário de muitos dos que dizem seus seguidores, que continuam,
em nome de uma versão tremendamente distorcida dele, sacrificando o amor ao
próximo em nome da apologia da verdade: que mata, trucida e exclui.
Por fim, como destaca Rorty, “dizer que devemos abandonar a ideia da verdade como algo que está aí, à espera de ser descoberto, não é dizer que descobrimos que não existe verdade alguma” (p. 33). Igualmente, dizer que não podemos mais aceitar critérios absolutos, porque supostamente atribuídos pela “natureza intrínseca” de algo, não é dizer que a partir de agora vivemos a partir de critério algum ou do “critério que me der na telha”.
Por fim, como destaca Rorty, “dizer que devemos abandonar a ideia da verdade como algo que está aí, à espera de ser descoberto, não é dizer que descobrimos que não existe verdade alguma” (p. 33). Igualmente, dizer que não podemos mais aceitar critérios absolutos, porque supostamente atribuídos pela “natureza intrínseca” de algo, não é dizer que a partir de agora vivemos a partir de critério algum ou do “critério que me der na telha”.
Apenas admitimos que são
nossos critérios, que podem e devem ser colocados no mesmo patamar e em diálogo
com outros critérios, em busca não de que um se estabeleça ou prevaleça sobre
outro, mas de que encontremos aqueles “consensos solidários possíveis”, para
construção de uma sociedade democrática e de direitos, na qual os
marginalizados pelo sistema também tenham voz, e não de uma sociedade regida
por parâmetros da minha religião.
“Mas eles precisam saber que Cristo é a Verdade!”, pode bradar alguém. Concordo, mas pergunto: como é que alguém “sabe” que Cristo é “a verdade”? Será por meio do convencimento proveniente de uma lógica teológica ou apologética qualquer?
“Mas eles precisam saber que Cristo é a Verdade!”, pode bradar alguém. Concordo, mas pergunto: como é que alguém “sabe” que Cristo é “a verdade”? Será por meio do convencimento proveniente de uma lógica teológica ou apologética qualquer?
Será por ter sido testemunha ocular do poder de Deus? Vamos supor que
um descrente X chegue a ser convencido, pelos crentes A e B, de que “Cristo é a
Verdade”. Convenceram-no de que a verdade do cristianismo é plausível, e de que
é absoluta, ou seja, de que está acima e, portanto, torna mentirosa qualquer
outra forma de saber, religioso ou não, que reivindique ser verdade.
Seria
possível inferir pela situação descrita que: já que X foi convencido por A e B
de que Cristo é a verdade, logo X é cristão? Mais do que isso: imaginemos que X
tenha também presenciado um milagre, como a cura de um paralítico, que A e B
obviamente atribuíram a Deus. Isso deve, necessariamente, levar-nos a crer que X
agora se tornou uma pessoa de fé? Pode ser que sim, pode ser que não; mas não
há garantias cósmicas, nem provas cabais de que seja ou tenha de ser assim.
Afinal de contas, a vida humana, seus encontros e desencontros com Deus e consigo mesma, tem uma dimensão de mistério, de inexplicável; Deus, por sua vez, tem seus próprios meios de se fazer conhecido, com ou sem nossa “santa ajuda”, e não é absolutizando nossos meios (nossa linguagem) que garantiremos que alguém venha a conhecer ou aceitar Deus.
Afinal de contas, a vida humana, seus encontros e desencontros com Deus e consigo mesma, tem uma dimensão de mistério, de inexplicável; Deus, por sua vez, tem seus próprios meios de se fazer conhecido, com ou sem nossa “santa ajuda”, e não é absolutizando nossos meios (nossa linguagem) que garantiremos que alguém venha a conhecer ou aceitar Deus.
Estou convencido de que meu papel,
ou melhor, meu modo de ser é ser testemunha, por palavras e ações (e, no
contexto em que estou inserido, mais por ações que palavras) do Cristo que,
pela graça, me fez e me faz ser quem sou, ou seja, do Deus que “É”, apesar de eu
não ser, e que, parafraseando Tillich, me dá a “coragem de ser” apesar de não
ser. O “convencimento” é papel de Deus; a salvação também. Nesse sentido,
finalizo com as palavras de Michel Quoist em Construir o homem e o mundo (Duas
Cidades, 1878):
Qualquer pessoa pode mudar de opinião, e algumas vezes bastante rapidamente. Mas, raramente acontece que alguém mude de opinião pelos argumentos de um outro que decidiu convencê-lo.
Qualquer pessoa pode mudar de opinião, e algumas vezes bastante rapidamente. Mas, raramente acontece que alguém mude de opinião pelos argumentos de um outro que decidiu convencê-lo.
Assim, se, por uma verdadeira preocupação de difundir
a verdade você resolveu fazer alguém evoluir, não diga: vou demonstrar-lhe que
está errado, mas, vou ajudá-lo a descobrir a verdade por si mesmo. Muitas vezes
o outro estaria pronto para aceitar “a” verdade e não a “sua” verdade. Por que
você monopoliza a verdade? Ela existe independentemente de você.
Em noventa por
cento dos casos, quando você a açambarca, você a turva. Se você quiser ser
bem-sucedido em suas discussões, esqueça-se e respeite o outro. Não seja o rico
que dá uma esmola ao pobre, mas o amigo que corre em direção ao amigo para se
unir a ele, e com ele descobrir a verdade.
Trata-se de uma verdade religiosa?
Então nunca se esqueça de que o cristianismo não se demonstra por meio de
raciocínios ou de ideias [sic.], pois antes de ser uma doutrina, o cristianismo
é uma pessoa. A verdade é Cristo. E não se discute Cristo, acolhe-se Cristo.
“Discutir religião” é, antes de tudo, dar testemunho e ajudar o outro a
encontrar Cristo (p. 163).
Jonathan Menezes - Professor da
Faculdade Teológica Sul Americana, Londrina-PR. Doutorando em História e
Sociedade pela UNESP, Assis-SP. Mestre em História Social pela UEL. Autor de Humanos,
graças a Deus, pela Editora Novos Diálogos. Casado com Cibele, pai de Cauã.
Fonte: http://www.novosdialogos.com
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