O dia de ano-novo nem sempre foi 1º de janeiro – Por Joelza Ester Domingues
27 de Dezembro de 2015 Réveillon
significa, em francês, “véspera”, e vem do verbo réveiller, “acordar”, isto é,
a “véspera do despertar do ano”.
A palavra surgiu no século XVII
para denominar eventos populares entre os nobres franceses: jantares longos e
chiques, que iam até depois da meia-noite, nas vésperas de datas importantes.
Esses festejos gastronômicos noturnos eram realizados várias vezes ao ano, mas
com o tempo foram se reduzindo até se limitarem a Ano-Novo mesmo.
No século XIX, o Réveillon virou
moda nas colônias e áreas de influência da França, que eram muitas, já que ela
era a superpotência cultural da época. No Brasil, os primeiros Réveillons foram
realizados na corte de dom Pedro II, no Rio de Janeiro, e logo copiados pelas
elites paulistas. Mas alguns detalhes foram incorporados depois, recheando o
jantar francês com um sincretismo bem brasileiro. A comemoração do Ano-Novo é
muito mais antiga e remonta à época dos romanos. Mas dessa época até nossos
dias a data do Ano-Novo passou por muitas alterações.
Ano-Novo no Império Romano
Foi Júlio César, em 46 a.C., que
fixou o 1º de Janeiro como o primeiro dia do Ano-Novo ao implantar um novo
calendário. Até então, o Ano-Novo era celebrado no dia 1º de Março. No dia 1º
de Janeiro, os romanos presenteavam-se: os clientes aos seus patrícios e os
cidadãos ao Imperador. O calendário juliano estabelecia doze meses que somavam
365 dias distribuídos em uma sequência de 31, 30, 31, 30… de Januarius a
Decembris, com exceção de Februarius que ficou com 29 dias (mas, a cada três
anos, teria 30 dias).
Posteriormente, o imperador
Otávio Augusto, em 8 a.C., determinou que os anos bissextos ocorressem de
quatro em quatro anos e que Februarius tivesse 28 ou 29 dias. Janeiro, o
primeiro mês, era dedicado a Jano um dos mais antigos deuses de Roma e sem
equivalente na mitologia grega. Em sua honra, eram celebradas as januálias no
começo de janeiro. Todo dia primeiro de cada mês era-lhe, também, dedicado.
Banquete romano. Mosaico, séc. II. Jano, o deus de Janeiro. Jano presidia os
começos: o início do ano, de uma empresa, negócio ou obra. Intervinha nas ações
dos deuses e dos homens. Era o deus das decisões e das escolhas.
Mas todo
começo contêm, em si, o fim e por isso Jano era representado com duas faces
contrapostas: uma envelhecida com barba e outra jovem. Elas simbolizavam,
respectivamente, o passado e o futuro. Podia ser representado, também, com uma
face masculina e outra feminina, provavelmente simbolizando o Sol e a Lua. Jano
era o deus das transformações e das passagens, marcando a transição e a mudança
de um estágio a outro. Dia 1º de Janeiro, “a porta que abre o ano”, continha o
ano velho que se encerrou e o ano novo com todos segredos do futuro.
Jano era responsável por abrir as
portas ao ano que se iniciava. Seu templo ficava aberto durante a guerra, a fim
de que o deus pudesse sair e ajudar o exército romano, e fechado em tempo de
paz, para impedir que ele abandonasse a cidade.
A dupla face de Jano simbolizava,
também, a capacidade de avaliar os prós e os contra, a direita e a esquerda,
aquilo que se mostra e aquilo que se esconde, o interior e o exterior, a frente
e as costas.
Neste sentido, Jano é o senhor da
sabedoria. É significativo lembrar que Freud, pai da psicanálise, possuía em
seu escritório uma cabeça de Jano, de origem romana.
Uma analogia às duas faces do ser
humano, atormentado pela dualidade entre o inconsciente e o consciente, suas
forças interiores, intuitivas e instintivas e suas forças exteriores comandadas
por crenças, valores e padrões sociais. Hoje, quando nos entusiasmamos com as
novidades e o sucesso, Jano nos mostra que tudo tem duas faces e que nada é
permanente e imutável.
O Ano-Novo na Idade Média
O calendário juliano continuou
sendo usado na Idade Média, mas o tempo passou a ser marcado pelas grandes
festas religiosas: Natal, Páscoa e Pentecostes. A comemoração do Ano-Novo, no
dia 1º de Janeiro, foi considerada pagã pela Igreja que escolheu o de 25 de Março, dia da Anunciação, como o primeiro dia do ano.
A escolha, porém, não foi aceita
por toda cristandade europeia e o início do ano civil teve outras datas,
conforme o reino, a região ou a cidade: 1º de Março (em Veneza, por exemplo),
1º de Setembro (no Império Bizantino) ou 25 de Dezembro (na Inglaterra). Já os astrônomos mantiveram o 1º de Janeiro como início do ano. Para o homem comum da
Idade Média, contudo, o calendário civil não importava: o tempo era marcado
pelas atividades agrícolas e pelas festas religiosas, e o Ano-Novo não era
relevante. O calendário gregoriano
O calendário juliano manteve-se
por mais de mil e seiscentos anos. Todavia, neste tempo, foi-se perdendo a
sincronicidade entre o calendário civil e o astronômico. Consequentemente, as
festas religiosas móveis já não ocorriam nas datas esperadas, como a Páscoa que
deveria ocorrer no primeiro domingo depois da lua cheia da primavera. Para
trazer o equinócio para o dia 21 de Março, o Papa Gregório XIII convocou um
grupo de estudiosos para “acertar” o calendário. A solução foi cortar 10 dias
do calendário juliano.
Ao ser anunciado o novo
calendário, em Outubro de 1582, o Papa ordenou que o dia imediato à quinta-feira, 4 de Outubro, fosse sexta-feira, 15 de Outubro. Manteve-se o dia
da semana, mas eliminaram-se dez dias do mês.
O calendário gregoriano foi
imediatamente adotado nos países católicos: Espanha, Itália, Portugal, Polônia
e França. No resto da cristandade levou três séculos para ser aceito. A
Grã-Bretanha e os países protestantes apenas adotaram o novo calendário no
século XVIII, preferindo, segundo o astrônomo Johannes Kepler a “estar em
desacordo como Sol a estar de acordo com o Papa”. Assim, o uso de diferentes
calendários na Europa, entre os séculos XVI e XVIII torna complicado relacionar
datas e fatos e, muito menos, falar sobre festejos comuns de Ano-Novo. A
respeito dessa confusão, o pesquisador Whitrow cita um exemplo:
“Afirmou-se algumas vezes, por
exemplo, que Cervantes morreu no mesmo dia que Shakespeare. Infelizmente essa
notável coincidência não ocorreu. Cervantes morreu em Madri num sábado, 23 de
abril de 1616, segundo o calendário gregoriano já em uso ali, ao passo que
Shakespeare morreu em Stratford-upon-Avon numa terça-feira, 23 de abril de
1616, segundo o calendário juliano que vigorava no país. A data gregoriana
correspondente a esta é terça-feira, 3 de maio de 1616. Assim, na verdade
Shakespeare sobreviveu a Cervantes por dez dias”. (WHITROW, 1993, P. 137).
Nova confusão de calendários
ocorreu quando, em 1792, a França introduziu um “calendário revolucionário”.
Decretou-se que o Ano I começaria em 22 de Setembro de 1792, o dia da proclamação da República. Até 1806, quando esse calendário foi abolido por
Napoleão, os franceses comemoraram o Ano-Novo no dia 22 de Setembro. Em 1806, o
calendário gregoriano foi restabelecido na França.
Fora da Europa, o calendário
gregoriano demorou ainda mais para ser aceito. O Japão aprovou-o em 1873 e a
China, em 1912 seguindo-se, neste século, a Bulgária, a Rússia (após a
Revolução de Outubro de 1917), a Romênia, a Grécia e a Turquia. As
igrejas ortodoxas do Oriente continuaram a usar o calendário juliano ainda
hoje, mas de acordo com a reforma feita em 1923.
Na Etiópia, por exemplo, o
Ano-Novo é festejado no dia 11 de Setembro. Certidão russa de casamento, de
1907, com duas datas.
Ano-Novo hoje
Atualmente, o dia 1º de Janeiro é
festejado em quase todos os países como o primeiro dia do Ano-Novo, mas isso
não é universal.
Budistas, muçulmanos, hinduístas,
judeus e chineses, só para citar os exemplos mais conhecidos, têm outras datas
de Ano-Novo. Em 1967, o Papa Paulo VI declarou o 1º de Janeiro como Dia Mundial
da Paz. Desde então, os papas têm por costume escolher um tema e escrever uma
mensagem para este dia.
A ONU reconhece esse dia como Dia
da Confraternização Universal, dia do diálogo e da paz entre os povos. Dia
reservado à reflexão de como queremos que o mundo seja no ano que se inicia e
quando trocamos votos de paz, felicidade, saúde e prosperidade. No Brasil, o
dia 1º de Janeiro é feriado nacional desde 1949, conforme lei assinada pelo
então presidente Eurico Gaspar Dutra.
Fontes
BORNEQUE, Henri & MORNET,
Daniel. Roma e os romanos. São Paulo: EPU, 1976. CHEVALIER, Jean &
GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro, 1990. LE GOFF,
Jacques. Tempo. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário
temático do Ocidente Medieval, v.2. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
2002. LURKER, Manfred. Dicionário de Simbologia. São Paulo: Martins Fontes,
2003. SPALDING, Tassilo Orpheu. Dicionário da mitologia latina. São Paulo:
Cultrix, 1993. WHITROW, Gerald James. O tempo na História. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1993.
Fonte: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br
Fonte: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br
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