"Se não fizermos nada, incentivamos a islamofobia", diz muçulmano brasileiro – Por Marcelo Freire e Vinícius Boreki
Um simples véu cobrindo a cabeça, chamado hijab, é ao mesmo tempo um símbolo da
fé e da preocupação das muçulmanas brasileiras, especialmente após os atentados
em Paris que deixaram 130 mortos.
Isso porque o hijab, em tese, as identificam
como adeptas do islamismo, o que, segundo o pensamento de algumas pessoas que
buscam alvos para espalhar ódio e intolerância, é sinônimo de terrorismo.
Na última segunda-feira (23/11),
Luciana Schmidt Velloso e Paula Zahra relataram ter sido vítimas,
respectivamente, de uma pedrada e uma cusparada nas ruas de Curitiba (PR),
por serem muçulmanas. Isso sem contar os xingamentos comuns, relatados pela
comunidade há algum tempo e intensificados após os ataques ao jornal francês
"Charlie Hebdo", em Janeiro.
A orientação geral das entidades
islâmicas do Brasil é que as vítimas do preconceito não deixem de relatar os
casos à polícia, Ministério Público ou outro órgão competente. "É
dolorido, mas necessário. Se não fizermos nada, estaremos incentivando a
islamofobia",
afirma Gamal Oumairi, diretor-religioso da Sociedade
Beneficente Muçulmana do Paraná e membro do Conselho Estadual de Promoção da
Igualdade Racial.
"Dizemos aos adeptos que sempre reajam da melhor maneira
possível e, se a outra pessoa persistir, prestar queixa, frisando que é crime
de intolerância religiosa, não injúria ou outro crime",
diz Sami Isbelle, da Sociedade Beneficente Muçulmana do RJ.
Por outro lado, segundo o
xeque Rodrigo Oliveira Rodrigues, da Mesquita do Pari, de São Paulo (SP),
existe uma atenção constante para que se detecte qualquer indício de extremismo
no discurso ou no comportamento dos fiéis brasileiros. "Somos contra
qualquer discurso de violência, inclusive feito por muçulmanos. Se soubermos de
alguém com essa linguagem, denunciaremos à polícia imediatamente."
Medo e preconceito
Uma população cujo número de
adeptos no Brasil ainda é incerto, o Censo de 2010 registra cerca de 30 mil
muçulmanos no país, mas a Federação das Associações Muçulmanas já a estipula em
mais de 1 milhão, se une agora para denunciar crimes cometidos contra os fiéis,
esclarecer pontos relacionados ao islamismo e, repetidamente, se dissociar de
grupos como o autodenominado Estado Islâmico, que utilizam a religião para
justificar atos terroristas.
"Infelizmente, após esse
tipo de atentado, algumas pessoas que não têm muito conhecimento associam isso
ao Islã. A mídia também tem dado destaque à palavra Estado Islâmico, e isso
acaba ficando no subconsciente dessas pessoas, que nos agridem de forma verbal
ou até física", diz Sami Isbelle.
"Não é nem Estado, é uma
organização terrorista e nem Islâmico, pois vai contra os princípios do
islamismo", acrescenta o xeque Rodrigues. "As pessoas acabam
achando que o grupo representa o Islã e que todos os muçulmanos são recrutas.
Pagamos uma culpa por algo que repudiamos. Somos vítimas também. O Estado
Islâmico ataca mesquitas da Arábia Saudita, do Iêmen, Iraque, Turquia, Tunísia,
no Líbano, mas não é tão notícia como quando acontece com os europeus",
diz o xeque.
"É como culpar o católico pela Inquisição"
Segundo o xeque Rodrigues, o
olhar desconfiado das pessoas com os islâmicos se tornou rotineiro. "O
pessoal sai da fila do supermercado, se afasta, seguranças às vezes nos
perseguem, cria-se esse sentimento de medo. Há relatos de pedras atiradas, ofensas,
principalmente contra as mulheres, porque as pessoas acham que o Estado
Islâmico faz o que a religião prega. Mas é o mesmo que culpar um católico pela
Inquisição [grupo da Igreja Católica que, na era Medieval, combatia os
hereges]."
Uma das duas agredidas em
Curitiba, Paula Zahra evita pegar o ônibus em Curitiba por medo de agressões.
"Quando pego, procuro ficar perto do motorista. E, normalmente, não pego o
'expresso' [que circula pelas faixas exclusivas] para evitar problemas",
conta. Seu filho, de 9 anos, não foi à aula nos últimos dias devido a esses
problemas. "Seus colegas dizem que a mãe dele é uma mulher-bomba",
relata.
Oumairi, da Sociedade Beneficente
Muçulmana do Paraná, relata que o preconceito também está nas situações
burocráticas do dia a dia. "Nesta semana, uma irmã teve que brigar para
fazer a foto de sua carteira de habilitação com o véu. Essa é uma conquista que
tivemos há dois anos no Paraná, mas ainda é preciso justificar."
Esclarecimento e solidariedade
A segunda frente em que as instituições
islâmicas trabalham é no esclarecimento sobre a religião, se dissociando dos
radicais que pregam a violência contra os não muçulmanos, no caso do Estado
Islâmico, por exemplo, contra todos que não sejam sunitas ou não sigam as
regras de conduta determinadas pelo grupo.
"Esse grupo é composto por
mercenários, fanáticos, cuja orientação não está fundamentada no sagrado
Alcorão. É realmente importante conhecer mais sobre o Islã, pois não se pode
criticar sem conhecer profundamente os preceitos, o que o livro sagrado
ensina", diz Nasser Fares, presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana e
representante da Mesquita Brasil, que fica no bairro paulistano do Cambuci.
"Estamos proporcionando o
acesso às informações corretas para que as pessoas tirem suas dúvidas e
compreendam mais sobre a religião. Também ficamos perplexos. Não sabemos quem
criou o Estado Islâmico, quem o financia, quem o apoia. É preciso pesquisar a
origem para entender quais os reais interesses para dar um basta a tudo
isso", afirma Fares.
Essa busca das pessoas para
conhecer o islamismo, por outro lado, tem se transformado em um dos fatores que
estimulam a conversão para a religião, segundo Fares, o que é motivado também
pelo ambiente de tolerância religiosa que é visto no Brasil, apesar desses
casos de islamofobia. "Aqui todas as religiões encontram espaço e podem se
manifestar livremente. Este ambiente de tolerância prevalece sobre qualquer
opinião ou manifestação negativa", diz.
"As pessoas começam a querer
ir para a mesquita para entender se esse tipo de violência tem a ver com o
Islã. E elas recebem material de leitura que mostram que esses atos não
correspondem aos princípios islâmicos", afirma Sami Isbelle, que também
relata o número de mensagens de solidariedade de não muçulmanos que criticam a
islamofobia e o ataque à religião.
"É um fator novo e está
dando um conforto para nós. As pessoas ligam, mandam mensagens e até vão para a
mesquita dizer que sabem que não temos nada a ver com terrorista. Quando essas
vozes começarem a se destacar em relação às que atacam, a islamofobia vai
diminuir. Até porque o brasileiro é um povo que não gosta de injustiça e tem
como característica a solidariedade. A gente sempre conviveu bem nesse sentido",
finaliza Isbelle.
Fonte: http://noticias.uol.com.br
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