Contra extremismo, monarquia de Marrocos controla religião – Por Diogo Bercito
Afetado, como os vizinhos, por
movimentos extremistas e pela ameaça do terrorismo, Marrocos tem reagido com
medidas que incluem um controle cada vez mais rígido das instituições
religiosas.
Hoje, o Estado abraça o discurso
islâmico e se promove como defensor do que considera o "islã real".
Assim, tenta usar seu aparato burocrático para impedir a expansão de
interpretações violentas, como a adotada pela facção terrorista Estado
Islâmico.
"Fizemos uma reforma do
setor religioso para que ele não estivesse nas mãos dos extremistas", diz
em entrevista à Folha a embaixadora itinerante Assia Alaoui,
conselheira do rei marroquino, Mohammed 6º, em assuntos externos.
"Protegemos o islã."
"Reformamos os ensinamentos
dos imãs, introduzindo filosofia, história e história comparada das
religiões", afirma Alaoui, referindo-se aos líderes religiosos do islã
que, em Marrocos, são vigiados de perto pelo governo.
A monarquia também desembarga os
tradicionais discursos de sexta, em cujo conteúdo interfere. "No resto da
região, é uma selva. Extremistas podem pregar", diz Alaoui.
A Tunísia está tomando medidas
semelhantes depois do atentado ao balneário de Sousse, em Junho. Mesquitas
foram inspecionadas e fechadas. Em ambos os países há a ideia de que, sem o
controle do Estado, extremistas podem expandir seu discurso.
Conflito
Alaoui participou, em Marrakech,
do ciclo de conferências "Atlantic Dialogues", centrado na cooperação
entre países da bacia Atlântica. Ela falou, em Outubro, num painel sobre desafios da segurança em tempos de crise.
Quando o debate foi aberto às
perguntas da plateia, espectadores questionaram Alaoui e outros participantes
sobre um "choque entre civilizações", dando a entender que o islã é a
raiz do terror.
A embaixadora itinerante virou os
olhos e criticou a ideia de uma "democracia liberal" oposta ao islã.
"Sinto dizer-lhe que as democracias liberais não estão cuidando de seus
próprios cidadãos, e muito menos dos imigrantes. Há discriminação contra 'ser
um Mohammed' na Europa."
A discussão sobre as origens do
terrorismo não tem, porém, um consenso. Durante o painel, várias razões foram
citadas, em especial a desigualdade socioeconômica.
À reportagem Alaoui definiu o EI
como "federação de todos os descontentes". "Eles concentram toda
a indignação e a rebelião, por diferentes razões. Um brasileiro que se une ao
EI pode estar revoltado, por exemplo, com a queda na qualidade de vida."
A embaixadora itinerante também
enxerga entre militantes jovens uma "dimensão romântica" que,
critica, costuma estar ausente das explicações dos especialistas. Com esses jovens no alvo é que a
monarquia marroquina, diz ela, elaborou reformas socioeconômicas na sequência
da Primavera Árabe.
Marrocos, ao contrário de Tunísia
e Egito, não passou por uma mudança de regime, e críticos afirmam que as
transformações promovidas ali foram só cosméticas. O poder continua com Mohammed 6º,
cuja dinastia governa desde o século 17. Com controle do rentável mercado de
fosfato, ele é um dos monarcas mais ricos do mundo.
O jornalista Diogo
Bercito viajou a convite dos "Atlantic Dialogues".
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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