Há cristãos a viver a fé clandestinamente no mundo árabe
Numa região do mundo em que
abandonar o islão pode levar à morte os bispos têm de ser muito cautelosos
quando um muçulmano lhes pede para ser baptizado.
Na Jordânia, em pleno ano 2016,
há pessoas a viver a sua fé tal como os cristãos dos primeiros séculos, que
praticavam a fé na clandestinidade, por ser proibida pelo Império Romano.
O vigário-patriarcal da Jordânia,
que representa no país o patriarca latino de Jerusalém e tem, por isso,
jurisdição sobre todos os católicos de rito latino, explica à Renascença os
perigos e as dificuldades que enfrentam tanto a Igreja como os fiéis que querem
abandonar o islão e converter-se ao cristianismo.
Na maioria dos países árabes a
prática do cristianismo é permitida para as comunidades historicamente cristãs,
e para imigrantes, mas a conversão, sobretudo do islão para o cristianismo ou
qualquer outra religião, é proibida e duramente castigada. Quando alguém vem
pedir o baptismo, o primeiro passo é julgar a sua sinceridade.
“Temos muita cautela, em primeiro
lugar, para ter a certeza das boas intenções de quem diz que se quer converter.
Porque podem ser enviados pelas forças de segurança para testar a nossa boa
vontade. Por isso dei ordens aos meus padres de que se algum muçulmano vem
dizer que se quer converter, enviem-no ao bispo e eu tenho a primeira conversa
com ele. Muitos deles, quando ouvem falar no bispo, já não voltam mais”, diz
Maroun Lahham.
Para os que insistem, contudo, há
que explicar de forma bem clara as dificuldades que irão enfrentar.
“A primeira coisa que faço é
explicar-lhes as dificuldades que enfrentarão, socialmente, a nível familiar,
em termos religiosos, para o casamento, para os filhos que têm de permanecer
muçulmanos”.
Os que resistem após este rol de
avisos são encaminhados para começar um processo de catequese.
“Quando temos a certeza das suas
boas intenções, digo a um ou dois padres para começar com eles um processo de
catequese, que pode levar entre um e dois anos. Digo-lhes sempre que se querem
ser baptizados e ficar na Jordânia, terão de viver a fé como os primeiros
cristãos, escondidos”.
“Outros arranjam vistos para a
Alemanha ou outros países europeus e vão para lá, onde têm liberdade de culto.
Alguns, se há dificuldade em baptizá-los na Jordânia, enviamo-los para o
Líbano, onde há mais liberdade. Por isso não é fácil, mas o princípio é que não
se pode recusar alguém que seja sincero”.
Até Jesus tentou converter os judeus, mas não conseguiu
Em Portugal para participar numa
série de conferência em Sintra, Lahham comentou ainda um documento recente da
Comissão do Vaticano para as Relações Religiosas com os Judeus que diz que os
cristãos não devem procurar converter os judeus ao cristianismo, uma vez que a
Antiga Aliança entre Deus e Israel é irrevogável, segundo a Carta de São Paulo
aos Romanos.
O bispo jordano começa por dizer,
rindo, que o Patriarcado de Jerusalém não tem qualquer missão directamente
dirigida aos judeus uma vez que “é muito difícil convertê-los. Jesus tentou e
não conseguiu”, mas mostra depois que o argumento da comissão não o convence.
“Nesse famoso documento eles
repetem mais de 100 vezes que a aliança de Deus é irrevogável. O facto de o
repetirem mais de 100 vezes mostra que não acreditam nisso. Quando temos de
insistir numa coisa tantas vezes é porque alguma coisa está mal”.
Trata-se, diz, de uma teologia
afectada por circunstâncias externas. “Eu compreendo que o Ocidente queira
reparar a história má que tem com os judeus, mas não se pode usar a Bíblia como
um instrumento para assuntos políticos ou históricos. Se formos à Bíblia, essa
frase está lá, mas há muitas outras que dizem o contrário”.
“É um tipo de teologia ocidental,
baseada em eventos históricos e políticos e complexos psicológicos. A teologia,
para ser verdadeira, tem de ser livre, como o Espírito Santo, de pressões. Para
mim, isto não é verdadeira teologia”, conclui.
Fonte: http://rr.sapo.pt
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