Trump, o Papa e o Cristianismo na Política - Por Rodrigo Franklin de Sousa
O Papa Francisco chamou a atenção
mais uma vez nessa semana, ao sugerir que Donald Trump não seria
verdadeiramente cristão.
Como era de se esperar, Trump não ficou calado: sua
reação foi dar uma das mais fortes declarações de um aspirante a Presidente dos
EUA contra um Papa. Ao mesmo tempo, a resposta foi excepcionalmente comedida
para os padrões que esperamos do polêmico político.
Como a imprensa norte-americana
já aponta, sua reação foi cuidadosamente pensada, com o intuito de alcançar o
maior ganho político possível junto à base eleitoral conservadora, tanto
evangélica quanto católica. Muitos segmentos evangélicos já se opõem à igreja
católica em princípio, e os católicos mais conservadores são incomodados com o
Papa Francisco por sua postura considerada progressista, em muitos tópicos.
Com cuidado na análise, a
discussão nos revela pontos importantes sobre a relação entre religião e
política. Um dos argumentos de Trump apontou que Francisco não deveria se posicionar
contra ele, diante da possibilidade de um ataque do Estado Islâmico ao
Vaticano. Trump insistiu na afirmação que, sendo presidente dos EUA, ele
eliminará completamente o EI.
Embora qualquer pessoa, com
mínima boa vontade, sonhe com a eliminação do EI, as aspirações messiânicas e
ufanistas da declaração só podem ser levadas a sério pelas mentes mais ingênuas
ou megalomaníacas. Além disso, não está claro como ela serve de resposta ao
desafio do Papa, a menos que alguém siga a lógica, que parece ser a de muitos
conservadores americanos, de que combater o EI é um sinal ou prerrogativa do
cristianismo.
Outro argumento foi o de que o
Papa teria sido levado a crer em comentários maldosos que apresentam Trump em
uma luz negativa quando, na realidade, ele é um cara muito legal (“a very nice
guy”) e um Cristão muito bom (e orgulhoso disso, em suas próprias palavras).
Trump aproveitou para afirmar que, como o bom cristão que é, ele não permitirá,
em seu mandato, que o cristianismo seja atacado e enfraquecido, “como acontece
sob o atual governo”. Mais uma vez, ele utilizou habilmente do discurso
religioso para fortalecer seu discurso político.
Antes de mais nada, concordemos
ou não, é bom lembrar que uma das prerrogativas de um líder religioso é,
justamente, a de se pronunciar sobre o que é ou não ser cristão. Mas, o que nos
interessa mesmo, é ver como nessa discussão estão em jogo diferentes noções de
cristianismo.
Ao se declarar cristão, Trump tem
alcançado grande popularidade entre católicos e evangélicos conservadores nos
EUA. Mas é preciso compreender a que ele se refere quando faz esta afirmação. A
religião que Trump tem em mente, parte de uma associação, marcante tanto nos
EUA quanto no Brasil, entre cristianismo e simples conservadorismo político.
Nessa concepção, o que define a religiosidade é o compromisso com certos valores econômicos, com o militarismo e com um tipo específico de ordem social. Ainda, se pensarmos em termos dos elementos religiosos mais fundamentais da doutrina e fé cristã propriamente dita, a identificação de Trump com o cristianismo se torna mais problemática.
Não me refiro simplesmente a sua
atitude arrogante e preconceituosa contra mulheres, minorias e estrangeiros, nem mesmo ao fato de, entre seus muitos empreendimentos, ele ser dono de uma
boate de Strip-Tease, mas, acima de tudo, suas declarações recentes que
sugerem um bom mocismo e que, por isso, nunca precisa pedir perdão a Deus!
Entre todas as suas afirmações, talvez esta seja a que mais revele sua
incompreensão do que significa ser cristão.
A discussão entre Trump e o Papa
nos mostra que existe um abismo entre o conteúdo de fé e prática de uma
religião (no caso o Cristianismo) e a forma como o discurso político se
apropria de seus símbolos e termos para seus próprios fins. Acima de tudo, ela
mostra que a religião é, e continuará sendo, um fator significativo e poderoso
na discussão política.
Rodrigo Franklin - Professor do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana
Mackenzie em São Paulo.
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