Europa se afasta da tradição cristã
Paralelamente à mais importante
missa do ano litúrgico católico, uma partida internacional de futebol está
sendo apitada em Berlim neste sábado. Para o jornalista Felix Steiner, nada mais
é sagrado na Europa cristã.
O medo de muitos alemães diante
da "islamização" do país não começou somente depois do início da
crise migratória no segundo semestre do ano passado. Ou, como dizem de forma
mais elegante e exata os institutos de pesquisa de opinião: eles temem um
aumento da influência do islã na Alemanha.
Já no início de setembro, a
chanceler federal alemã, Angela Merkel, deu a resposta certa a esse tipo de
preocupações. Durante visita à Universidade de Berna, na Suíça, onde recebeu o
título de doutora Honoris Causa, ela respondeu a uma questão semelhante com a
observação de que não se poderiam recriminar os muçulmanos por eles praticarem
e vivenciar sua fé. E recomendou aos cristãos preocupados para que voltem a
lidar mais intensamente com sua religião e suas tradições.
A pouca ressonância que o apelo
de Merkel provocou na Alemanha pode ser vista, neste fim de semana, de forma
mais clara do que nunca: na noite deste sábado (26/03), quando os católicos se
reúnem em suas igrejas para a Vigília Pascal, o culto mais importante do ano, e
lembram a ressurreição de Cristo, está sendo apitada no Estádio Olímpico de
Berlim a partida internacional Alemanha x Inglaterra.
É bem verdade: em nenhum país
muçulmano seria concebível tal conflito de programação, ali a religião teria
claramente prevalência sobre o esporte. Mas também é certo: o presidente da
Federação Alemã de Futebol não é muçulmano.
Ou seja, não se trata da
provocação de um islã ávido pela supremacia. Num futebol europeu totalmente
comercializado, deve ter sido fácil, provavelmente, não encontrar nenhuma outra
data para o amistoso sem grande importância esportiva. Nos grandes negócios que
envolvem os direitos de transmissão e patrocínios, sentimentos religiosos têm
que ficar para trás. Além disso: quem ainda hoje vai a missa?
Por volta de cinco por cento dos
protestantes e pouco mais de dez por cento dos católicos, essa é a triste
realidade. Por motivos financeiros não deve ser: na Alemanha, "os cofres
estão cheios e as igrejas, cada vez mais vazias", reclamou o arcebispo e
secretário papal, Georg Gänswein, na semana passada em entrevista à DW.
Engajar-se pela fé ou pelos
interesses da Igreja saiu completamente de moda na Alemanha, até nos mais altos
círculos eclesiásticos. O que, por exemplo, se nota no fato de, também por parte
da Igreja, ninguém, nem os bispos nem a organização laica Comitê Central dos
Católicos Alemães, que normalmente emite nota de imprensa para tudo, tenha se
manifestado sobre o jogo de futebol na noite da Santa Vigília Pascal.
As conclusões são claras: a
Alemanha se distância sozinha e por iniciativa própria cada vez mais de suas
raízes cristãs. A tradição religiosa pode esperar uma aceitação irrestrita
somente onde se perseguem também os interesses comerciais, da distribuição de
presentes no Natal a ovos de Páscoa.
Onde, por outro lado, o
calendário cristão demanda a dispensa do consumo, por exemplo, durante a
Quaresma ou com a proibição de dança e entretenimento no Dia de Finados em
Novembro, os fiéis são logo vistos como um grupo à parte.
Uma minoria que não deve, de
forma alguma, estipular regras de comportamento para uma maioria secular de
longa data.
Nesse ponto, pode-se ousar a
previsão: em algum momento, nos próximos 25 anos, as lojas estarão abertas
também na Sexta-Feira Santa na Alemanha. A razão, certamente, não estará na
crescente influência dos atuais cinco por cento de muçulmanos na Alemanha. Mas
na falta de respeito de uma parcela crescente e não religiosa da população
diante da cultura e das tradições sociais de cunho cristão na Europa.
Provavelmente, algum lojista vai
recorrer à Justiça e lançar a pergunta de por que os parques de diversões podem
abrir no dia da morte de Jesus, tradicionalmente um dia "quieto", mas
a venda de calças e celulares não deve ser permitida.
E os juízes irão concordar com
ele, pois se trata, por um lado, de dinheiro e também implicaria uma
discriminação dos vendedores de calças. E quase ninguém irá se importar com
isso. Porque na Europa cristã, quase nada mais é sagrado.
Fonte: http://noticias.terra.com.br
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