A “Teologia” do dinheiro – Por José Vicente Ferreira
A Declaração de Independência dos
Estados Unidos, de 4 de Julho de 1776, refere:
“Consideramos estas verdades como
evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo
Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a
liberdade e a procura da felicidade…”.
Nestes tempos, que são os nossos,
parece que muita coisa está posta em causa e que a criatura desfigura e nega o
Criador. O mundo está bastante esquisito e cada vez mais difícil de entender.
O
desrespeito pela vida, pela liberdade e pela procura da felicidade são aspectos
tristes e bem marcantes no actual estado do mundo. A ânsia de dinheiro e de
poder aí estão a impor um jogo perigoso porque não conhece regras. De facto, o
dinheiro saltou para primeiro plano e parece que, para além deste fenómeno,
nada mais existe. Tudo gira à volta do vil metal, cada vez mais vil, pois
destrói tudo o que lhe passa pela frente.
Dinheiro, dinheiro, lucro e mais
lucro sem limites, obviamente sem qualquer preocupação ética ou humana, ditam a
lei do mais forte. O diabo anda à solta e diverte-se com a estupidez humana
transformada em ganância. A criatura nega o Criador e o homem transforma-se em
lobo do próprio homem.
Tudo vale e tudo tem sido
permitido por Estados fracos e pessoas sem escrúpulos. Pessoas sem qualquer
sentido ético comportam-se como corsários, porque a partilha dos interesses
instalados assim o permite. Ora, em muitas situações recentes, a história
continua a ser recriada pois anda por aí gente que faz do corso a sua forma de
vida.
Alguns devem possuir mesmo a
chamada “carta de corso” que traduz um modo de vida, que foi muito praticada
por povos nómadas, que sobreviviam daquilo que roubavam, por onde passavam.
Sabiam viver das conjunturas e, enquanto estas fossem propícias, facturavam sem
olhar a meios. Adaptando-se aos novos tempos, a arte de sacar passou a ter
nomes mais modernos como favores maquiavélicos, salários e pagamentos obscenos,
branqueamentos, corrupção, cambão,… num capitalismo de rapina muito informal e
obviamente clandestino.
A moda dos corsários aí está bem
visível em tudo o que seja dinheiro ou finança, com ou sem autorização dos
governos. Tudo simples mas, mais sofisticado, e feito no recato dos corredores
dos vários poderes instalados. E assim vamos vivendo falando de transparência,
mas longe dela. É um mundo reservado onde os eleitos vão vivendo sustentados
numa novíssima corte de vassalos.
Na sociedade portuguesa continuam
a gerar-se novas classes senhoriais que se sucedem umas às outras e enquanto
duram são suficientemente influentes na lógica do poder e das benesses que lhes
está associada. Manipulam números, pessoas e conhecimentos, sem ética. O único
critério são eles próprios, quais senhores omnipotentes. São pessoas de
raciocínio rápido, frio e feio. Nos tempos actuais, em que o crime parece
compensar, é necessário que as autoridades se assumam com credibilidade pois só
assim será possível recuperar o clima de confiança e de tranquilidade para o
cidadão comum que vive do seu trabalho.
Desculpas e sucessivas
justificações sobre a crise financeira internacional apenas demonstram que os
“Alibabás” do sistema financeiro se dão ao luxo de dizerem e fazerem o que lhes
apetece porque nada acontece na teia de interesses instalados. Governos e
autoridades, mostram as suas próprias debilidades, ao permitirem que estes
esquemas lhes passem ao lado.
Entre nós, pequena economia
aberta em fase de marasmo, o problema financeiro está a tranformar-se em crise
económica que atinge o dia a dia das pessoas. A crise social mostra, com
intensidade, os seus sinais preocupantes de mais desemprego, maior
empobrecimento e mais dificuldades para cumprir os compromissos assumidos.
Cada vez mais o mês parece ter
mais dias. É urgente travar o facilitismo do consumo e os “encostos” que todos
os dias os donos do dinheiro nos propõem com arte, manha e juros elevadíssimos.
E claro, cuidado com esse intruso “familiar” chamado cartão de crédito, que
todos os meses, tão simpaticamente, nos coloca à disposição mais um salário que
terá que ser pago e bem pago.
Se o deus do mundo é o dinheiro o
resultado só pode ser ganância, egoísmo e miséria humana. Talvez muitas das
nossas contas bancárias, a prazo ou à ordem, mostrem alguns dos nossos pecados
ocultos. O dinheiro tem destas coisas e denuncia a consciência do homem.
Torna-se demasiado evidente que “Não podemos servir a Deus e ao dinheiro”.
Afinal, a velha, mas sempre
actual, questão da existência de Deus aí está bem presente, porque se “tudo nos
é permitido, nem tudo nos convém”.
Fonte: http://tvl.pt
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