Sentidos do Império - Por Alex Sander Alcântara
A produção atual da historiografia brasileira vem revendo e, em muitos aspectos, revalorizando o passado colonial. Alguns historiadores se centram nas dimensões administrativas e políticas enquanto outros revelam aspectos culturais do período. A análise do Brasil Colônia traz em comum a necessidade de se reavaliar o assunto, mas o tema abarca também visões, em alguns casos, tão distintas quanto discordantes. As conclusões são do livro: O governo dos povos: relações de poder no mundo ibérico da Época Moderna, que acaba de ser lançado.
A obra reúne artigos de autores de várias universidades brasileiras e é resultado do simpósio com o tema: “Formas de Governar”, realizado em Paraty em 2005. O trabalho se refere ao primeiro ano do Projeto Temático “Dimensões do Império Português”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Laura de Mello e Souza, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).
“Nesse primeiro simpósio o objetivo foi convidar pesquisadores com posições não apenas semelhantes mas também divergentes, de diferentes universidades brasileiras, para discutir o problema do Império português no Atlântico Sul”, disse Laura, uma das organizadoras do livro, à Agência FAPESP – as outras organizadoras são Júnia Ferreira Furtado, professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais, e Maria Fernanda Bicalho, professora adjunta da Universidade Federal Fluminense. Posteriormente, foram realizados outros três simpósios. Em 2006, o tema foi “Escrita do Império”. No ano seguinte, “Religião e Evangelização”. O quarto simpósio, em 2008, abordou o tema “Economia e Sociedade". Para cada tema, será publicado um livro. O primeiro volume, que também recebeu apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, reúne diferentes tendências e pontos de vista. Segundo Laura, não há unicidade nem ortodoxia, mas uma multiplicidade de temas tratados sobre o Império português.
“Houve uma revivência dos estudos sobre a administração no período colonial. O processo de digitalização dos documentos de fontes administrativas referentes ao Império português no Atlântico Sul tem permitido que um grande número de pesquisadores tenha acesso a esses documentos antigos”, explicou. Segundo ela, durante muito tempo o estudo da administração portuguesa no Brasil colonial foi relegado a um segundo plano pouco honroso. “Esse aspecto era visto de maneira mais conservadora, mais voltada para a exaltação da administração portuguesa, do talento português de governar.” Os novos pesquisadores têm contribuido com uma abordagem diferente. “A visão dessa nova geração de estudiosos começou a ir em outro sentido. Eu, particularmente, estudei mais a cultura política e as trajetórias de governadores, mas não me preocupei com o funcionamento das instituições”, disse.
Dimensões do Império
O livro é composto de seis capítulos (Historiografia, Representações, Crenças e Saberes, Localismos, Trajetórias e Poderes do Centro). As análises incorporam novas perspectivas e revisam criticamente aquelas que marcaram uma tradição historiográfica centrada principalmente nos “mecanismos da dominação colonial”.
É na primeira parte que se concentram, principalmente, as posições mais distintas. Ao discutir a feição do Estado moderno português – se é muito ou pouco centralizador – ou tratar das relações entre Reino e suas possessões como império, império colonial ou português ou antigo sistema colonial, as vozes não são uníssonas. No artigo Política e administração colonial: problemas e perspectivas, Laura relativiza o “alcance explicativo” da noção de antigo regime no período colonial. Ela aponta características do antigo regime que estão presentes na sociedade europeia e outras inexistentes, como a dependência e a escravidão. “Por outro lado, não acho que existiu uma ‘nobreza’ do ponto de vista sociológico. Nesse ponto, há divergência com outros estudiosos. Há um simulacro, mas as condições sociológicas e históricas que possibilitaram a formação da nobreza no império nem sempre estão presentes na situação colonial”, apontou.
A preocupação não é com as noções, mas com as situações históricas. “As situações históricas são muito mais ricas. Elas trazem algo de novo, portanto muito diferente daquilo que existia no antigo regime. No fundo, postulo uma posição que valorize o dado empírico e a especificidade histórica”, disse. “No livro, tentamos ver até que ponto é possível compatibilizar uma perspectiva que valorize mais a ideia de império, como sendo uma totalidade que amarra, com uma perspectiva que agregue a noção do antigo sistema colonial como uma das expressões do antigo regime”, destacou. A professora da USP explica que O governo dos povos é um braço do Projeto Temático coordenado por ela e destaca o trabalho de digitalização de mapas antigos realizado pelo Laboratório de Estudos de Cartografia Histórica (Lech) e pelo Centro de Documentação do Atlântico (Cenda), ambos abrigados na USP.
O projeto trabalha com a formação do imaginário imperial português, a partir dos mapas. De acordo com Laura, o grupo que digitaliza os mapas “costuram as atividades das quatro vertentes do Temático”. “Eles são um dos produtos mais importantes do projeto porque são laboratórios que vão continuar no site da universidade, sendo constantemente realimentados”, disse, ao destacar que o projeto reúne pesquisadores da USP, da Universidade Estadual de Campinas, da Universidade Federal de São Paulo e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. “É um projeto que se encerrará em abril de 2010 com grande sucesso, com projeção nacional e internacional. Contribuiu muito na formação de pesquisadores, além de várias teses concluídas, quatro livros e dois laboratórios”, salientou.
Livro: O governo dos povos: relações de poder no mundo ibérico da Época Moderna
Organizadores: Laura de Mello e Souza, Júnia Ferreira Furtado e Maria Fernanda Bicalho
Ano: 2009
Mais informações: http://www.alamedaeditorial.com.br/
Fonte: http://www.agencia.fapesp.br
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