Devotos atestam poder curativo da fé - Por Luiz Beltramin


Aos olhos de quem precisa mais do que avanços da medicina para alcançar a cura, enxergar um alento fora dos limites humanos, em alguns casos, é obrigatório. 

Após quase sofrer um acidente na estrada pelo fato de, justamente, não ter enxergado um veículo que vinha na direção contrária, o eletricitário aposentado Dirceu de Almeida Ramalho, de 68 anos, teve o sinal de que algo estava errado com a visão. 

Após passar pelo oftalmologista, Dirceu, que é voluntário do albergue noturno mantido pelo Centro Espírita Amor e Caridade (Ceac), em Bauru, teve diagnosticado o corte da irrigação sanguínea em algumas veias oculares. “Eu via uma mancha preta e o médico me disse que não tinha mais jeito”, recorda. 

Dirceu então decidiu recorrer aos espíritos curadores. Numa cirurgia espiritual, que, segundo ele, foi realizada em outro centro, sem relação com a instituição na qual é voluntário na alimentação de pessoas sem teto, Ramalho diz ter encontrado a cura. “O médico ficou de boca aberta”, comenta. 

Morador de Santa Isabel, distrito do município de Arealva, além da cirurgia espiritual, sem a necessidade de incisão, o médium recomendou um tratamento à base de um colírio, distribuído no próprio centro espírita. 


Cirurgia cardíaca

Seguir à risca as instruções dos “cirurgiões espirituais”, dizem os fiéis, é fundamental. Ex-evangélica, a assistente social D.C. (pediu para ter a identidade preservada) conta também ter passado por uma cirurgia espiritual em Bauru. Acometida por um sério problema cardíaco, ela teria de ser submetida à implantação de um marcapasso. Temerosa em ser obrigada a conviver com o equipamento (que estimula os batimentos) ela superou o medo de contrariar a religião que seguia na época e, aconselhada pelo pai, foi ao centro espírita. 

A assistente social recorda que, inicialmente, foi instruída a voltar para casa, onde, no dia da operação espiritual, deveria estar de banho tomado e com as roupas de cama impecavelmente limpas. Porém, o procedimento só foi concluído na sede da instituição: “Questão de vibrações”, diz ela, reproduzindo alegação da equipe mediúnica. 

No centro espírita, narra, ela deitou numa espécie de mesa cirúrgica, onde o médium simplesmente colocou as mãos sobre seu corpo, sem tocá-la. “Senti como se um corte fosse feito, não chegava a ser uma dor, mas incomodava”, descreve. 

Após a cirurgia, D. conta que, entre as prescrições, estava evitar qualquer esforço ou movimento brusco. “Era como se eu estivesse ‘pós-operada’ fisicamente mesmo. Haviam inserido em meu corpo uma espécie de cateter espiritual”, compara. 

Passados alguns dias, a assistente social teria de retornar ao centro espírita, onde o “instrumento” seria retirado e o procedimento, finalmente, concluído. 

Contudo, ela não retornou. A mãe, evangélica, descobriu, relata D. e, para não contrariar novamente a religião de berço, optou por cessar a experiência espiritual e superou o medo de implantar o marcapasso. 

E foi justamente o segmento religioso que a impediu de concluir a cirurgia espiritual o responsável, segundo ela, pela segunda experiência que teve com o inexplicável pela ciência. 

Durante uma faxina pesada em casa, D. recorda que o equipamento instalado no peito foi deslocado por um esforço em demasia. “A ponta do aparelho podia ser vista através da pele. As dores eram horríveis”, narra. 

Como estava com o equipamento havia poucos dias, o plano de saúde, atribui, não custearia uma nova cirurgia, ao menos em tão curto prazo. 

Sem recursos para bancar uma nova cirurgia, a única esperança foi depositada numa corrente de sete dias empreendida por uma igreja evangélica. 

Uma semana depois, atesta, o imponderável se tornou plausível. “Sempre que acordava sabia que o problema estava ali, por causa das dores. Mas teve uma manhã em que acordei sem sentir nada. Fui ao espelho e vi que não havia mais marcas do aparelho. O marcapasso voltou ao lugar, sozinho”, garante D., que diz ter estarrecido o cardiologista. “O médico perguntou: ‘ como você fez isso?’ Respondi: não fui eu, foi Deus”, louva. 


Vertentes atreladas

Seguir as recomendações médicas à risca não significa abdicar da fé religiosa. Muito pelo contrário. Para a funcionária pública estadual Eloísa Aparecida Cisneiro de Antônio, de 53 anos, a ciência e religiosidade se completam. 

Durante exames de rotina, no ano passado, ela conta que teve detectado um tumor maligno num dos seios. Católica atuante, com participação ativa nas iniciativas da paróquia de São Cristóvão, em Bauru, ela acredita que todos os exames, cirurgia e procedimentos médicos ocorrem com o mínimo de transtorno possível graças à intervenção divina. 

“Quando o mastologista me perguntou: ‘perdeu seu chão’, ao me passar o diagnóstico, disse a ele: ‘não, o que não quero é perder tempo’”, lembra. “Queria saber do que precisava para caminhar. Fiz tudo o que tinha que fazer e sigo firme. Ontem já passou, amanhã, só Deus sabe. Vamos viver hoje”, ensina ela, devota da Santíssima Trindade e Nossa Senhora Aparecida. 

Eloísa prossegue: “Ela tem me aberto todos os caminhos”, confia Eloísa, que, passada a fase de quimioterapia entra na etapa final do tratamento, com radioterapia. “Nossa fé resolve aquilo que somos incapazes de resolver”, acredita. A opinião é compartilhada por religiosos de outras crenças. “Foi o próprio Deus quem concebeu ao homem toda a sabedoria da medicina”, observa o pastor evangélico Carlos Cordeiro.

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