Se ainda é cedo para demarcar Brasília como a capital do livro, a Bienal tem se distinguido como anfitriã de grandes escritores.
A programação desta quarta reserva atrações variadas. Fabrício Carpinejar, Nicolas Behr e Martha Medeiros discorrem sobre a arte de transformar a matéria cotidiana em poesia.
O jornalista José Louzeiro fala sobre o romance-reportagem, enquanto o ativista paquistanês Tariq Ali e o teólogo Leonardo Boff se aproveitam dos tempos de fanatismo da fé para falar do abandono da espiritualidade.
O debate entre a jornalista Cora Rónai, precursora do jornalismo de tecnologia, e o especialista em recursos digitais Daniel Pinsky também figura entre os mais aguardados do dia. Eles fecham a programação da tarde com o tema: “Novas tecnologias: ferramentas de difusão do livro e estímulo à leitura”, às 17h, no Auditório Nelson Rodrigues.
A escritora Martha Medeiros conversa sobre o tema: “Um olhar sobre o cotidiano e a vida”, às 18h, no Café Literário do Espaço Bienal. A palestra, na verdade, toma ares de entrevista ao vivo, uma espécie de talk-show, como sugere a escritora. “Sou uma colunista de jornal que aborda relações humanas, sem tom de sabe tudo, aprendendo junto”, comenta Martha.
Autora do que se passa entre quatro paredes, cronista do dia a dia, Martha Medeiros escreveu livros que ganharam os palcos, as séries de tevê e até as salas de cinema, tais como Divã, nacionalmente conhecido após a interpretação da atriz Lilia Cabral. “Sou apaixonada pela realidade. Acho que não há nada mais fascinante do que as coisas que a gente vive: ao mesmo tempo, simples e complexas”, observa.
Para este ano, planeja dois livros inéditos. O primeiro, uma ficção muito curtinha, “praticamente um conto”, integra a coleção 64 páginas da editora LP&M. Já no segundo semestre, pretende lançar um livro só sobre relatos de viagens. Martha Medeiros tem pelo menos 20 obras publicadas, prestigiadas pelo público e pela crítica.
A escritora, que confessa não gostar da profusão de textos na internet, é também uma das mais compartilhadas nas redes sociais. “É uma terra de ninguém, tem muita coisa adulterada e mexida, virou uma Babilônia”, incomoda-se.
Fronteira virtual
O outro lado da moeda é representado pelo escritor e poeta gaúcho Fabrício Carpinejar. Filho dos poetas Carlos Nejar e Maria Carpi, juntou os dois e virou Carpinejar, nome que já rompeu as fronteiras do virtual — ele tem mais de 150 mil seguidores no Twitter — para ganhar as mesas de bar, discussões de relação e milhares de leitores por todo o Brasil.
Carpinejar pretende trazer à baila “todo esse mergulho poético que é o Twitter”, como define, “onde a brevidade não colabora para a mentira”. De acordo com o autor, as redes sociais têm o papel de sacudir as convenções, movimentar as linguagens e não deixar que elas pereçam no lugar-comum. “A gente não tem como enganar no Twitter. Quando mente, logo depois vem uma frase para dizer a verdade”, polemiza.
Carpinejar divide sua fala com o poeta brasiliense de coração e profissão Nicolas Behr, durante o debate Espaço da Poesia nas Mídias Brasileiras, às 20h30, no Café Literário do Espaço Bienal. O encontro será mediado pelo jornalista e poeta José Carlos Vieira.
Garimpeiro do cotidiano de Brasília, Nicolas Behr pretende transitar pela relação entre mídia e jornalismo, com dicas práticas para quem aspira ser poeta da atualidade. “O poeta de hoje tem que ter o livro, uma minibiografia, as fotos, a capa dos livros e um release”, relaciona.
Apesar da observação, ressalva que o investimento na autopromoção não assegura a permanência de uma obra. “O que garante a permanência da obra é a própria obra”, avalia. Durante o debate, o poeta lerá poemas inéditos, como A lenda do menino lambari, sobre sua infância; um livro de poesia erótica, Meio seio, além de Brasífra-me, enigmas sobre ícones da cidade, como o Catetinho, Renato Russo, as tesourinhas e as faixas de pedestres.
Debate do horário nobre
O horário de 20h reserva duas atrações. Uma é A reportagem na literatura, palestra de José Louzeiro, um dos jornalistas mais prolíficos da imprensa brasileira, no Auditório Jorge Amado. Ele aproveitou a sua larga experiência profissional para construir narrativas que se situam no limiar do jornalismo e da literatura. A mediação será de Paulo Paniago, professor do Departamento de Comunicação da UnB.
Enquanto isso, no Auditório Nelson Rodrigues, o teólogo Leonardo Boff debate o polêmico tema do fundamentalismo e da espiritualidade, dividindo o espaço com o escritor paquistanês Tariq Ali, no painel “Krisis — Religião”. Ali é colaborador do jornal britânico The Guardian e autor de críticas contundentes às políticas econômicas neoliberais.
Ardoroso defensor da causa dos direitos humanos, Leonardo Boff combate a tendência global de opressão e desigualdade entre os povos. De acordo com o teólogo, o atual papado é símbolo de uma religião enfraquecida pelo fundamentalismo. “Ele conflitou com muçulmanos, judeus, mulheres. É um papa que cria várias frentes de combate, todas nascidas dessa doença, o fanatismo”, critica.
O fundamentalismo, argumenta Boff, não é patrimônio exclusivo das religiões. “A coisa mais perigosa do mundo de hoje é a arrogância do Ocidente. Globalização não é assim, isso é a ocidentalização do mundo e, de forma ainda mais pejorativa, a hamburguerização do mundo”, espicaça o teólogo e pensador, que renunciou à atividade de padre, em 1992, para “mudar de trincheira, mas continuar a mesma luta”, como costuma dizer.
Fonte: http://divirta-se.correioweb.com.br
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