Pesquisadora da Globo afirma que “crescimento dos evangélicos no Brasil representa mudança de visão da sociedade”
Os dados relativos à religião
divulgados pelo IBGE no relatório do Censo 2010 continuam sob debate na
sociedade brasileira.
O crescimento marcante dos evangélicos, superior a 60%,
foi tema de um artigo da escritora e pesquisadora Yvonne Maggie em sua
coluna no G1, da Globo, ela é professora titular do Departamento de
Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
Maggie traçou uma análise sob os
aspectos culturais e econômicos, e relaciona o crescimento do protestantismo no
Brasil ao sucesso da política econômica do plano Real, que completa 18 anos em
2012. Maggie porém não determina qual dos fatos foi influenciador e qual
resultado de influência.
Para a pesquisadora, os dados do
IBGE apresentaram “um Brasil bem diverso daquele que prevalecia até o último
decênio do século XX”. Segundo ela, “o crescimento da população evangélica
parece ser uma das maiores mudanças em termos de visão de mundo ocorridas nos
últimos vinte anos no Brasil”.
Perguntas que talvez levem muito
tempo para serem respondidas são colocadas por Yvonne Maggie como essenciais em
seu artigo, publicado no G1: “O que muda quando 20% de uma população majoritariamente
católica passa a se declarar protestante? Em segundo, qual a relação deste fato
com o que vem sendo chamado de intolerância religiosa?”, questiona a
professora.
Para Maggie, “o Brasil do real e
do controle da hiperinflação, que completou 18 anos este ano, foi acompanhado
pelo crescimento de uma nova classe média – milhares de pessoas deixaram de
viver abaixo da linha da pobreza – e de uma ética centrada na responsabilidade
individual, com o crescimento paralelo do número de protestantes”.
A professora e pesquisadora
afirma que o sucesso do Plano Real demonstra uma mudança de comportamento da
sociedade, coerente com a cosmovisão do protestantismo:
“O crescimento
espantoso do número de evangélicos no País talvez seja sinal de que as regras
morais e os valores indispensáveis ao surgimento do ‘espírito do capitalismo’
são, de fato, complementares às mudanças econômicas e à maior racionalidade na
vida cotidiana [...]Não penso ser absurdo admitir que no Brasil do século XXI
uma ideologia mais voltada para o indivíduo e para o trabalho tenha sido
concomitante à obra dos economistas que planejaram e executaram a estratégia de
controle da inflação. A luta contra o clientelismo, ao qual sempre esteve
ligada a Igreja católica, faz parte da nova ética necessária à implantação de
forma mais racional e menos emocional de gerir a vida cotidiana e, é claro, a
vida pública”, observa.
Outras perguntas sobre o tema são
feitas por Yvonne Maggie em seu artigo, visando a compreensão da sociedade
atual:
“Por que tantas pessoas têm abandonado suas pertenças religiosas para
aderir à fé protestante? Será possível que mais de 20% de adeptos do
protestantismo sejam apenas pessoas ingênuas e manipuladas por falsos pastores
que só desejam o seu dízimo?”, interroga.
Maggie pontua que a postura
protestante que marca um rompimento da postura de ambiguidade mantida pelo
catolicismo com as religiões afro-brasileiras é simbólica:
“Os protestantes
rompem também com a aliança centenária da Igreja católica com as religiões
afro-brasileiras, que ao mesmo tempo as atacava e mantinha uma relação ambígua.
Romper os laços com a Igreja católica e com a crença no feitiço representa uma
virada radical no cenário cosmológico da vida social brasileira”.
Confira abaixo, a
íntegra do artigo “O Brasil não é mais um país apenas católico?”, da professora
Yvonne Maggie:
O Censo de 2010 revelou o
crescimento significativo da população evangélica no Brasil que passou de 15,4%
em 2000 para 22,2% em 2010. Dos que se declararam evangélicos, 60,0% se
disseram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de missão e 21,8 %,
evangélicos não determinados. Segundo este mesmo censo, diminuiu o número dos
que se designaram católicos ao longo da última década e aumentou o número dos
que dizem não ter religião.
Estes números apresentam um Brasil bem diverso
daquele que prevalecia até o último decênio do século XX. O crescimento
da população evangélica parece ser uma das maiores mudanças em termos de visão
de mundo ocorridas nos últimos vinte anos no Brasil. É difícil pensar sobre
esse tema sem cair no debate acalorado de posições extremadas. O que significa
esse florescimento? O Brasil deixou de ser um país católico?
Dentre as muitas questões que
devem ser pensadas sobre o aumento do protestantismo destaco duas que,
evidentemente, não esgotam o problema. Em primeiro lugar, o que muda quando 20%
de uma população majoritariamente católica passa a se declarar protestante? Em
segundo, qual a relação deste fato com o que vem sendo chamado de intolerância
religiosa?
Em um post anterior afirmei que o
Brasil do real e do controle da hiperinflação, que completou 18 anos este ano,
foi acompanhado pelo crescimento de uma nova classe média – milhares de pessoas
deixaram de viver abaixo da linha da pobreza – e de uma ética centrada na
responsabilidade individual, com o crescimento paralelo do número de
protestantes. Alguns leitores me perguntaram o que tem a ver o aumento do
protestantismo com o Plano Real. Há muito tempo venho pensando nesse aspecto da
questão. É difícil dizer o que vem antes, o ovo ou a galinha.
O crescimento espantoso do número
de evangélicos no País talvez seja sinal de que as regras morais e os valores
indispensáveis ao surgimento do “espírito do capitalismo” são, de fato,
complementares às mudanças econômicas e à maior racionalidade na vida
cotidiana.
Max Weber, um dos fundadores, e clássico da sociologia, escreveu
sobre isso no século passado. Não penso ser absurdo admitir que no Brasil do
século XXI uma ideologia mais voltada para o indivíduo e para o trabalho tenha
sido concomitante à obra dos economistas que planejaram e executaram a
estratégia de controle da inflação.
A luta contra o clientelismo, ao qual
sempre esteve ligada a Igreja católica, faz parte da nova ética necessária à
implantação de forma mais racional e menos emocional de gerir a vida cotidiana
e, é claro, a vida pública.
A pergunta que sempre me faço é
por que tantas pessoas têm abandonado suas pertenças religiosas para aderir à
fé protestante? Será possível que mais de 20% de adeptos do protestantismo
sejam apenas pessoas ingênuas e manipuladas por falsos pastores que só desejam
o seu dízimo?
Quando afirmo estas minhas ideias
muitos me contradizem dizendo que os protestantes brasileiros não têm a
lógica do calvinismo clássico, europeu, e mostram os alarmantes processos de
intolerância religiosa como o que ocorreu no último dia 17 de julho na cidade
de Olinda, em Pernambuco.
Nessa noite, um grupo de evangélicos empunhando a
Bíblia Sagrada invadiu um terreiro onde se realizava um ritual de candomblé,
gritando que seus adeptos eram enviados do demônio, de satanás, do capiroto.
A intolerância e a violência
devem, é claro, ser combatidas. Não se justificam num país democrático, onde a
Constituição prega a liberdade religiosa. O fato é grave e há leis que devem
ser acionadas em defesa daqueles que sofrem qualquer tipo de perseguição. Mas é
preciso entender o que está em jogo quando pessoas de credos diferentes
se enfrentam, pois o conflito revela mais do que os interesses materiais e
diretos daqueles que estão em combate.
A intolerância religiosa por parte de
alguns evangélicos pode estar vinculada ao fato de almejarem a destruição da
crença de que as pessoas são vítimas de ataques místicos, de olho grande, de
feitiço o que, segundo eles, retira do indivíduo a responsabilidade sobre seus
atos. O caso do “Quebra de xangô” nas Alagoas que narrei em outro post é um
caso paradigmático.
A entrevista feita pelo
Fantástico da TV Globo com Rosane Collor de Mello, ex-primeira-dama do País,
que teve enorme repercussão, talvez seja um bom caso para pensar esta nova
ética. Rosane Collor, convertida ao protestantismo, acusou seu ex-marido,
quando era presidente, de praticar atos de “magia negra” na residência
particular do casal em Brasília.
Na entrevista Rosane Collor também falou da
conversão da mãe-de-santo Maria Cecília que frequentava a casa da família para
realizar rituais de magia negra durante a corrida de Collor para a presidência
e, mesmo depois, para protegê-lo dos ataques místicos de seus inimigos, fazendo
com que o mal que eles lhe desejavam se voltasse contra eles mesmos.
Uma foto
mostrando a mãe-de-santo citada na entrevista, subindo a rampa do Palácio do
Planalto em 1991 ao lado do presidente vestido de branco, revela as ligações
perigosas de Fernando Collor de Mello que possibilitaram as acusações de
bruxaria. Rosane Collor disse que apenas ela e a ex-mãe-de-santo Maria Cecília,
por terem “aceitado Jesus”, se livraram do que ela chamou de “maldição do
Collor”.
Segundo Rosane, só a entrega a Jesus protegeria os indivíduos
das tramas nas quais se enredam aqueles que se dedicam a praticar os rituais de
magia negra. Só Jesus salva da sina ou da maldição que não permite que o
indivíduo se responsabilize pelos seus atos.
É impensável, vinte anos depois
do impeachment de Collor de Mello, uma relação tão estreita entre um presidente
e uma médium. A entrega a Jesus propugnada pelos evangélicos, pode ser
vista como um rompimento com esta cosmologia do feitiço na qual as pessoas
estão sempre tendo de se defender dos ataques místicos e, com isso, dependendo
dos que têm esses poderes para livrá-los do mal.
O feitiço une assim pessoas e
grupos e simboliza o clientelismo na política e na vida social. Os
protestantes rompem também com a aliança centenária da Igreja católica com as
religiões afro-brasileiras, que ao mesmo tempo as atacava e mantinha uma
relação ambígua.
Romper os laços com a Igreja católica e com a crença no
feitiço representa uma virada radical no cenário cosmológico da vida social
brasileira.
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