Debate sobre circuncisão na Europa reflete tensões mais profundas - Por Jack Ewing
O rabino David Goldberg, 64, se
tornou internacionalmente conhecido após quatro cidadãos alemães prestaram
queixas criminais contra ele junto ao promotor local. Seu suposto crime foi
realizar um ritual de circuncisão
Esta cidade tranquila não
distante da fronteira tcheca, em um canto montanhoso da Baviera católica, é um
local improvável para encontrar uma sinagoga ativa, e um ponto ainda mais
improvável para uma controvérsia que alguns veem como uma ameaça à tolerância
religiosa na Europa e até mesmo para o lugar dos judeus na Alemanha.
O rabino David Goldberg, um
israelense jovial de 64 anos que serve a uma comunidade de cerca de 400 judeus
em Hof, se tornou internacionalmente célebre depois que quatro cidadãos alemães
prestaram queixas criminais contra ele junto ao promotor local. Seu suposto
crime, que ganhou manchetes em Israel e em outros lugares, foi realizar um
ritual de circuncisão.
A disputa reflete a secularização
cada vez mais profunda da vida europeia que, aos olhos de alguns líderes
religiosos, se transformou em uma forma de intolerância.
Esse conflito entre
valores seculares e religiosos com maior frequência envolve o Islã, com
proibições a minaretes na Suíça e véus que cobrem os rostos das mulheres na
França, sem contar o recente vídeo anti-islâmico que provocou manifestações
violentas antiamericanas.
E as sensibilidades foram ainda mais inflamadas na
quarta-feira (19), com a publicação em uma revista francesa de caricaturas nada
lisonjeiras do profeta Maomé, várias delas o exibindo nu.
Goldberg parece mais perplexo do
que alarmado. Qualquer pessoa pode prestar queixa contra qualquer um na
Alemanha, sem resultar em uma acusação formal. Goldberg não contratou um
advogado e recusou a oferta de um que estava disposto a cuidar do caso de graça.
A ameaça mais séria, aos olhos de
Goldberg e muitos judeus, muçulmanos e cristãos na Europa, vem do que
consideram como sendo um ataque pela sociedade secular contra o ritual
religioso, contra a própria fé.
Uma decisão aparentemente insignificante de um
tribunal de instância inferior em Colônia, contra um médico que realizou uma
circuncisão em um menino muçulmano, alimentou rapidamente uma pressão para
criminalização de uma prática que está no centro da crença judaica e muçulmana.
A separação entre Igreja e Estado
é diferente na Alemanha do que nos Estados Unidos. A chanceler Angela Merkel
lidera o Partido Democrata Cristão e é filha de um pastor protestante. Mas,
diferente das manifestações de devoção esperadas dos políticos americanos, ela
raramente menciona religião ou é fotografada indo à igreja.
Todavia, Merkel está buscando uma
legislação que permita que a circuncisão continue e recebeu elogios dos líderes
judeus. E Goldberg disse que algumas das cartas mais fervorosas de apoio que
recebeu vieram de cristãos religiosos.
“Eles conhecem a Bíblia”, ele
disse, falando em um prédio escolar reformado em um bairro residencial
tranquilo em Hof, que serve como sinagoga, centro comunitário e residência para
ele e sua família. “Eles também temem por sua religião.”
Para os mais de 100 mil judeus
que vivem na Alemanha, o tom do debate da circuncisão foi um choque, minando a
confiança de que tinham um lugar seguro na sociedade, após os horrores do
Holocausto. Há apenas poucos meses, essa confiança parecia justificada, quando
os eleitores em Frankfurt escolheram seu primeiro prefeito judeu desde 1933.
Mas agora, dizem alguns líderes
judeus, o debate da circuncisão expôs quão ignorantes são muitos alemães a
respeito das crenças judaicas.
“Essa discussão mostra que somos
estrangeiros em nosso próprio país, fazendo algo que alemães supostamente não
deveriam fazer”, disse Stephan J. Kramer, o secretário-geral do Conselho
Central dos Judeus na Alemanha. “Nós somos acusados de torturar nossos próprios
filhos.”
Os muçulmanos expressam
sentimentos semelhantes. “Não são poucas as pessoas que têm algo contra
muçulmanos e judeus e estão tirando proveito disso”, disse Aiman A. Mazyek,
presidente do Comitê Central dos Muçulmanos na Alemanha. “Eles podem se
esconder atrás dessa discussão. Eles podem dizer o que sempre quiseram dizer.”
Diferente dos Estados Unidos, os
bebês do sexo masculino na Alemanha e em outros países europeus não são
rotineiramente circuncidados por motivos de saúde. A Organização Mundial de
Saúde recomenda a circuncisão como forma de reduzir a disseminação da Aids, mas
muitos médicos nos países europeus consideram a prática como prejudicial e até
mesmo bárbara.
Uma associação de pediatria alemã
e um grupo de ajuda a crianças estão ajudando na petição por uma moratória de
dois anos na circuncisão. Para os judeus religiosos, essa moratória seria
catastrófica. A Bíblia diz que o menino precisa ser circuncidado oito dias após
o nascimento, a menos que haja uma razão médica para um adiamento.
Mas os judeus na Europa, não
apenas na Alemanha, dizem que é difícil convencer as pessoas que não são
religiosas de que a circuncisão é considerada um comando de Deus, e que sem
isso um jovem não pode entrar na sociedade judaica.
“É uma sociedade secular. As pessoas
não têm muito senso sobre religião ou muito conhecimento da religião”, disse
Ervin Kohn, um líder judeu em Oslo, onde também está ocorrendo um debate sobre
a circuncisão. Há cerca de 1.500 judeus na Noruega, ele disse, entre uma
população total de 4,7 milhões.
“Quando as pessoas ouvem o debate
sobre circuncisão, elas têm dificuldade em associá-lo à liberdade religiosa”,
disse Kohn. “Quando digo que para nós a circuncisão é uma questão existencial,
elas não entendem dessa forma.”
O catalisador para a controvérsia
e queixas contra Goldberg em Hof foi uma decisão de um tribunal estadual em
Colônia, em maio, que decidiu que um médico cometeu crime de lesão corporal ao
realizar uma circuncisão em um menino muçulmano de 4 anos.
Segundo o sistema legal alemão, a
decisão não tem efeito vinculante sobre outros juízes e promotores, mesmo em
Colônia, disse Jan F. Orth, um juiz do tribunal estadual dali que serve como
seu porta-voz.
Um painel de três juízes, dois
deles semelhantes a cidadãos jurados não advogados, não impôs uma pena ao
médico. Mais de um mês se passou até que a decisão foi noticiada pela imprensa
alemã. A decisão não será apelada e nem irá para uma instância superior, disse
Orth.
Mesmo assim, o caso em Colônia
levou hospitais de lugares tão distantes quanto Zurique a suspenderem as
circuncisões, fortaleceu o movimento anticircuncisão na Alemanha e em países
como a Dinamarca, que até então era pouco notado.
Apesar do caso na Justiça
envolver um menino muçulmano, o debate na Alemanha rapidamente se voltou para a
prática religiosa judaica, e então chegou a Hof, uma cidade de 45 mil
habitantes que foi em grande parte ignorada pelo boom econômico no restante da
Baviera. A população de Hof está em declínio há décadas, mas a população
judaica tem crescido.
Gerhard Schmitt, o promotor-chefe
em Hof, disse que ainda não decidiu se dá início a uma investigação formal
contra Goldberg, ou mesmo se o indiciará.
Durante 15 anos em Hof, disse
Goldberg, ele nunca encontrou antissemitismo. Um punhado de neonazistas
realizou uma marcha em maio, mas os cidadãos locais organizaram uma
contramanifestação muito maior.
Os líderes cristãos locais se
uniram em apoio a Goldberg. O reverendo Guenter Saalfrank, um pastor que
supervisiona as igrejas protestantes em Hof e na região, atribuiu a
controvérsia à ignorância a respeito do judaísmo e é lamentável que o debate
tenha girado em torno de definição de crime de lesão corporal.
“Isso estreita a questão”, ele
disse. “A circuncisão envolve muito mais do que isso. Ela é praticada a
milhares de anos, um ritual totalmente normal.”
Não há muita demanda por
circuncisão em Hof. Mas Goldberg disse que já foi chamado a lugares como Praga
e Budapeste para realizar o ritual, e estima já ter feito uns 4 mil ao longo de
sua carreira. Ele não entende as sugestões de que as circuncisões são
prejudiciais aos bebês.
“No judaísmo, a saúde do bebê é
mais importante do que qualquer outra coisa”, disse Goldberg. O dano ocorreria
se o bebê não fosse circuncidado, ele acrescentou. “Um homem não circuncidado
não pode entender o contexto da Bíblia”, ele disse. “É muito, muito importante".
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