Igreja acusa Governo (Portugal) de agravar desigualdades e amputar o país da liberdade - Por António Marujo
A Comissão Nacional Justiça e Paz
(CNJP), organismo oficial da Igreja Católica para intervir nas questões sociais
e políticas, acusa o Governo de “total aceitação dos ditames da troika”, de
amputar o país de vários graus de liberdade, de “submissão aos governantes de
países mais poderosos”, de agravar as desigualdades, de ter um pensamento
económico desadequado à realidade, de “desonestidade intelectual” na
argumentação, de enfraquecer o Estado de Direito e de “desconhecer a realidade”
do país.
Na sequência de uma reunião, quarta-feira
à noite, a CNJP divulgou um comunicado em que faz críticas muito duras à acção
e às decisões do Governo.
Começa por recordar que as última medidas anunciadas,
na sequência da última avaliação dos credores internacionais, apontam “para um
ano de 2013 mais austero, contrariamente aos anúncios anteriores do Governo”.
E
nota que “a tónica de crítica generalizada dos comentários transmitidos pelos
media é inédita, expressiva e preocupante”.
Ainda na sequência da última
avaliação da troika, a CNJP acusa o Governo de ter um “discurso determinista e
fatalista, do ‘caminho único’ e do ‘não há outra via’, quando o mais verdadeiro
e humilde seria o de dizer ‘eu não conheço outro caminho’, ou ‘eu não sou capaz
de seguir outra orientação’. Ao aceitar os “ditames” das entidades
internacionais, “em nome de uma ‘credibilidade externa’”, o Governo “amputou o
país de uns quantos graus de liberdade”, acusa a comissão católica.
A CNJP, presidida por Alfredo
Bruto da Costa, ex-presidente do Conselho Económico e Social, diz que o Governo
esqueceu, com esse comportamento, “que os credores não são um grupo qualquer de
agiotas, mas instituições internacionais de que Portugal é membro, com deveres
e direitos”. O que exigiria “um comportamento civilizado, justo e solidário
entre todas as partes”.
Na Europa, acrescenta o
documento, a atitude do Governo foi mesmo a de uma “submissão aos governantes
de países mais poderosos, que bem depressa esqueceram a sua própria história no
contexto europeu da segunda metade do século XX”.
O comunicado da Comissão Justiça
e Paz reconhece os “efeitos positivos que podem advir da revisão dos défices
públicos a respeitar em 2012, 2013 e 2014, bem como a decisão do BCE
respeitante ao financiamento das dívidas soberanas”.
Mas acrescenta que o
Governo mostra acreditar “num pensamento económico que o falhanço do défice
orçamental do corrente ano deveria, no mínimo, levar a considerar como
discutível”. E pergunta: “Porque se insiste em continuar a aplicá-lo, como
base, no orçamento de Estado para 2013? As profundas alterações das previsões
para 2013 deveriam ser mais do que suficientes para considerar seriamente
outros rumos possíveis.”
Este pensamento, acrescenta a
comissão, denota uma “preocupante desadequação” em relação “à realidade económica
do país”, atitude quanto mais grave quanto se exige “de quem governa, agora
como sempre, mais atenção à realidade e menos enfeudamento a ideias
pré-concebidas”.
Uma outra acusação grave é quando
a CNJP diz que “o Governo nunca foi capaz de demonstrar que os sacrifícios
exigidos aos portugueses estavam distribuídos com equidade”.
E explicita:
“Apesar de frases sonantes nesse sentido, a política pública não tem combatido
eficazmente as disparidades na distribuição do rendimento e outras formas de
desigualdade na sociedade portuguesa, havendo mesmo indícios de agravamento
destas desigualdades nos últimos anos.”
A comissão católica recorda que
“só agora se ouviu o anúncio de que seriam sujeitos a impostos novos alguns
tipos de bens e de rendimentos de capital” mas nota que “o contraste entre o
pormenor das medidas que atingem os rendimentos do trabalho e o carácter vago e
brando de algumas que irão afectar, no futuro, a riqueza e os rendimentos de
capital é significativo”.
Acerca das desigualdades, a CNJP
é particularmente dura – recorde-se que Bruto da Costa é, com a economista
Manuela Silva, o pioneiro dos estudos sobre a pobreza em Portugal.
O comunicado
acrescenta: “O desnível das condições de vida sofrido pelas pessoas e famílias
por força da crise e das políticas públicas revela um quadro socioeconómico
gritantemente desigual.”
O documento aponta ainda que
“enquanto a uns falta pão, casa, água e luz, outros mantêm um nível de vida
praticamente igual, se não mais elevado, do que aquele que tinham antes da
crise”. Este é “um critério fundamental de equidade: não basta
proporcionalidade no que se retira (por via fiscal ou outra); também é preciso
que exista equidade no que resta depois disso (rendimento disponível).”
E a
comissão diz que “esta é a medida em que as pessoas e as famílias são afectadas
pela crise e medidas conexas, que deve ser aplicada “não apenas aos rendimentos
do capital, mas também a certos estratos de rendimentos do trabalho, como são
os de alguns dirigentes de empresas”.
A CNJP acusa o Governo de revelar
o desconhecimento da realidade quando afirma que os mais pobres, os mais
vulneráveis e mais desfavorecidos têm sido protegidos.
“Ocorre perguntar a que
país se referia o ministro da Finanças quando pronunciou aquelas palavras.
Bastará interrogar os serviços sociais, públicos e privados, para concluir que
‘o nosso modo de vida, em geral, e, em particular, os mais pobres, mais
vulneráveis e mais desfavorecidos’ está desprotegido.” A comissão acrescenta
que as instituições de solidariedade “vêm testemunhando essa situação de
desprotecção e o seu persistente agravamento”.
Tudo somado, a Comissão Justiça e
Paz verifica que “o Estado de Direito vai-se enfraquecendo”. E concretiza: “A
garantia dos direitos dos cidadãos vai-se fragilizando, nomeadamente no que se
refere à parte contratual contributiva da Segurança Social (valor das pensões
da reforma, por exemplo), e ao valor dos salários contratados. As alterações
das condições contratuais por decisão unilateral prejudicam o sentimento de
estabilidade e segurança que qualquer Estado de Direito deve garantir aos
cidadãos.”
A CNJP recorda ainda a nota do
conselho permanente dos bispos, de segunda-feira passada, na qual se falava de
uma necessária “renovação cultural".
Tal renovação, diz agora a comissão,
“requer uma revisitação de alguns valores fundamentais” como sejam “a dignidade
da pessoa humana, enquanto ser individual e social; o reconhecimento de que a
liberdade exige as condições existenciais para o seu exercício; o sentido do
bem comum como dimensão indispensável da realização pessoal”.
Fonte: http://economia.publico.pt
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