Evangélicos na política - Por Magali do Nascimento Cunha
O texto a seguir foi elaborado a
partir de uma proposta de entrevista feita pelo professor José Faro, meu colega
no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de
São Paulo, sobre o caso “religião na campanha de Russomanno à Prefeitura de São
Paulo”.
Ele desejava publicar a entrevista como complemento a outra que dei ao
Instituto Humanitas, IHU, da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), no seu
blog “História, Cultura e Comunicação”.
Meu entusiasmo com a reflexão me fez
produzir um artigo, que Faro publicou na íntegra. Partilho aqui o conteúdo do
artigo, que pode ser reproduzido, mas sob a condição de se registrar que é
fruto do meu diálogo com o professor José Faro e que foi originalmente
publicado no blog “História, Cultura e Comunicação“.
A campanha para as eleições
municipais 2012 na cidade de São Paulo foi apimentada pela destacada ascensão
do candidato a prefeito Celso Russomanno (PRB) à liderança isolada na disputa
no mês de setembro.
Russomanno, que demonstrava bons índices antes do início da
campanha pelo horário eleitoral gratuito no rádio e na TV, apareceu como líder
isolado na pesquisa Datafolha divulgada no final de agosto com 31% das
intenções de voto, contra 22% de José Serra (PSDB) e 14% de Fernando Haddad
(PT).
A consolidação destes números
durante a primeira quinzena de setembro transformou a polarização frequente em
eleições em São Paulo – PT vs. PSDB (ou seus respectivos aliados) – para
Russomanno vs. Serra/Haddad, que passaram a atacar o seu novo principal
opositor.
E foi neste processo de ataques que emergiu a questão da religião na
política como algo a se combater. Russomanno passou a ser apresentado como “o”
candidato da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com compromissos com
esse grupo. Isso porque o PRB (Partido Republicano Brasileiro), partido ao qual
Russomanno se filiou em 2011 para disputar a Prefeitura de São Paulo depois de
deixar o Partido Progressista (o PP, de Paulo Maluf), é conhecido como o
“Partido da IURD”.
Tendo sido fundado em 2003, por partidários do
ex-vice-presidente do Brasil José de Alencar, o PRB já tinha parceria firmada
com a IURD: todos os deputados ligados a essa igreja migraram para o partido
desde o credenciamento e levou à eleição, em 2008, do bispo Marcelo Crivella
(PRB/RJ) como o seu primeiro senador. O PRB ficou conhecido como o braço
político da IURD.
Guerra religiosa?
Sob esta “acusação”, dada a má
imagem da IURD construída socialmente, em especial pelas mídias, por conta dos
escândalos que tratam do enriquecimento ilícito do líder maior da igreja, o
bispo Edir Macedo, o PRB sempre tentou descolar sua imagem da religião, mas o
fato é que a cada eleição os seus quadros são ampliados com novos pastores e
bispos ligados à IURD.
O próprio presidente do partido, Marcos Pereira, é bispo
licenciado, se apresenta como leigo, advogado, mas é membro da IURD e foi
vice-presidente da Rede Record, pertencente à igreja.
José Serra e Fernando Haddad
viram nesta trajetória do PRB e nas controvérsias da IURD uma possibilidade de
neutralizar o concorrente ameaçador. Até aqui, uma estratégia que em nada
surpreende. Nas eleições nacionais de 2010, religião foi tema recorrente para
ataques e defesas, em especial em relação a Dilma Rousseff, mas também a Marina
Silva. A surpresa nos desdobramentos dos debates em torno da ascensão de
Russomanno foi a entrada da Igreja Católica (Arquidiocese de São Paulo) no
bombardeio ao candidato.
A Arquidiocese publicou uma nota, em 13 de setembro,
repudiando um artigo do presidente do PRB Marcos Pereira. O texto, publicado no
blog do político há mais de um ano, maio de 2011, criticava o então ministro da
Educação Fernando Haddad e seu antigo e derrotado projeto do “kit
anti-homofobia” (que ficou conhecido como “kit gay”) e também recriminava a
Igreja Católica por ter apoiado tal projeto e por influenciar o ensino público.
O artigo voltou a circular pela internet neste tempo de campanha eleitoral.
Daí
a na nota de setembro de 2012, em que a Igreja Católica, que declarou só agora
conhecer o texto, acusa Pereira de promover intolerância religiosa e acrescenta
a acusação de ser o PRB “manifestadamente” ligado à IURD.
Marcos Pereira se defendeu
alegando que a produção do artigo em seu blog tem relação com a “liberdade de
expressão e livre pensamento, sem qualquer conotação política ou eleitoral” e
criticou o fato de o texto ter sido usado um ano e quatro meses depois “de
maneira indevida, às vésperas da eleição para a Prefeitura de São Paulo”.
Religião na pauta
As críticas a Celso Russomanno,
como candidato da IURD e por trabalhar por ela, se intensificaram. Indo além do
debate entre políticos, o candidato reclamou publicamente, de acordo com
matéria do portal Terra (19/09/2012), estar sendo atacado pela Igreja Católica
e que o arcebispo de São Paulo, D. Odilo Scherer, teria orientado padres a
recomendarem aos fiéis nas paróquias a não votarem no candidato.
Fato muito interessante em todo
este processo é que nova pesquisa Datafolha divulgada em 20 de setembro mostra
que os ataques a Russomanno não fizeram efeito: ele segue estável com 35% de
intenções de voto, com Serra com 21% e Haddad com 15%.
Todo este acirramento em torno da
questão religiosa tem chamado a atenção de pesquisadores da política e da
religião e revela como o fenômeno religioso hoje no Brasil, assim como as
transformações experimentadas nesse campo, se coloca cada vez mais na pauta da
dinâmica sociocultural.
Cenário complexo
Importa observar três elementos:
1 – O lugar da IURD nesse
processo e seu poder no quadro de hegemonia do pentecostalismo entre os
evangélicos na atualidade como império midiático e na força política, com o
quadro de deputados e senadores que elege e se amplia a cada eleição. Força
política é elemento significativo aqui, pois a IURD aparece como a igreja que
se estabeleceu com um nítido projeto de presença na política nacional como
parte do seu jeito de ser igreja e sua consolidação como força social. Não que
religião na política seja fato novo, mas a novidade reside no fato de uma
igreja estabelecer um projeto, metas, e até mesmo trabalhar na criação de um
partido que lhe servisse de braço político. Os últimos números do censo 2010
sobre religião mostram uma queda no número de adeptos da IURD, o que tem gerado
uma série de novas avaliações, mas a posição dessa igreja como poder midiático
e poder político no país se mostra imutável.
2 – O fato de a Igreja Católica
romana entrar nos embates da campanha à Prefeitura de São Paulo é indício de
que este poder da IURD está tão forte como sempre se manifestou. E mais: a
Igreja Católica traz para o embate uma aliada poderosa que também se vê
ameaçada pela aliança PRB-Universal-Record: a Rede Globo. Desde que a Igreja
Católica entrou na disputa, o programa SPTV, por meio do jornalista Cesar
Tralli, tem pautado o tema do “uso da religião na campanha”. Já foram várias
inserções no telejornal sobre tema, com entrevistas aos candidatos, inclusive
Russomanno, que se declara católico e se defende, em resposta ao jornalista:
“Não existe guerra religiosa nem vai haver.” Esta defesa responde ao tom dos
ataques.
3 – É fato que a relação
Russomanno-PRB-IURD existe e tem história: Russomanno é jornalista e advogado e
tem presença na mídia desde 1986, tendo passado por várias emissoras, com
identidade nas abordagens sobre direitos do consumidor. Em 2011, Russomanno foi
contratado pela Rede Record, tendo quadro sobre defesa do consumidor em programa
jornalístico e em outros de variedades. Deixou a emissora em 2012 para se
candidatar à Prefeitura de São Paulo. Suas posições como deputado federal, em
especial aquelas contrárias à ampliação de direitos de homossexuais e de
direito ao aborto, o aproximaram dos grupos religiosos conservadores, entre
eles os parlamentares da Frente Evangélica. Aqui encontramos explicação para a
aproximação de outros grupos de evangélicos a Russomanno: já declararam oficial
apoio à candidatura as lideranças da igreja Renascer em Cristo e a Assembleia
de Deus – Ministério Santo Amaro. Em entrevista à Folha de S.Paulo em junho de
2012, o ministro da Pesca, ex-senador pelo PRB-RJ Marcelo Crivella, afirmou que
Russomanno é o candidato mais próximo do eleitor evangélico por conta de sua
atuação no Congresso Nacional “em defesa da família e da vida”.
Espaço maior
Ocorre que esta afirmação de
Crivella não é regra: um dos ramos mais fortes da Assembleia de Deus, o
Ministério de Belém, liderado pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa,
declarou apoio a José Serra, da mesma forma que a Igreja Mundial do Poder de
Deus, hoje em conflito com a IURD.
Já o Ministério do Brás (ligado ao
Ministério Madureira, das Assembleias de Deus, a segunda das mais fortes
vertentes, liderado pelo deputado e pastor Manoel Moreira), apoia Gabriel
Chalita (PMDB).
Ou seja, as igrejas midiáticas, como a IURD e a Renascer em
Cristo, e as de força numérica, como as Assembleias de Deus, fazem opções
distintas tentando medir força e ganhar status social e espaço no campo
religioso com seus apoios, mas apresentam um elemento em comum: apoiam
candidatos cujas posturas e discursos se colocam na posição de centro-direita,
próxima das posturas ideológicas dessas lideranças evangélicas que vêm de uma
tradição de leitura sociocultural conservadora, em especial nas questões
voltadas à moralidade.
Da mesma forma, para além das
questões da moralidade sexual/familiar, os grupos evangélicos não revelam ter
posicionamentos contundentes quanto às questões nacionais (economia/finanças,
trabalho, cultura, meio-ambiente, a própria política).
Suas preocupações são
estreitas e pragmáticas: visam, por meio de suas ações na política (apoios ou
campanhas para seus próprios candidatos), a obter benefícios para a própria
subsistência como igrejas. Por isso, apoiam candidatos que prometem assegurar
direitos das igrejas e assistência a causas bem específicas.
O pastor
presidente das Assembleias de Deus – Ministério Santo, Amaro Marcos Galdino,
por exemplo, justifica o apoio a Russomanno, pois ele diz que vai regularizar a
situação de igrejas que, como o Ministério em Santo Amaro, são alvo de
processos administrativos da Prefeitura, conforme depoimento ao Estado de S.
Paulo em 7 de setembro. Candidatos conhecem bem esta característica do jeito
evangélico de fazer política e negociam a partir daí.
Nesse sentido, é possível
concluir que evangélicos que dão visibilidade aos seus apoios políticos se
lançam num embate que revela suas próprias disputas por poder nesse campo
religioso tão diverso. Basta ver o caso das Assembleias de Deus e suas
divisões: cada ministério apoia um candidato. Ou o caso da IURD vs. Igreja
Mundial do Poder de Deus: apoiam candidatos distintos. Quem vencer, alcança
apoio para seus próprios interesses e maior espaço no campo religioso em
disputa e ainda ganha pontos no reconhecimento pelas defesas da moral social e
da família.
E os fieis?
E os fieis? São fieis também no
atendimento ao apelo dos líderes por votos? A fórmula pastor manda = fiel
obedece não é tão automaticamente aplicável. Em pesquisas, significativo número
de evangélicos responde que “talvez” obedeça ao pastor.
Isso porque há fatores
mais fortes, relacionados à dinâmica social, que determinam a decisão do voto:
fatores econômicos e fatores culturais, muito especialmente. O grande exemplo
foi a eleição de Dilma Rousseff em 2010, cuja campanha foi bombardeada por
lideranças evangélicas conservadoras, antidireitos homossexuais e antiampliação
do direito ao aborto. Dilma foi eleita com expressivo voto de evangélicos.
Nesse caso, o reconhecimento das políticas sociais de Lula que teriam
continuidade falou mais forte.
Uma pesquisa Datafolha de 14 de
setembro, no calor das acusações contra Russomanno por estar “usando” a
religião na sua campanha, revela que o engajamento de líderes evangélicos na
campanha dele e na de José Serra não tem surtido benefícios numéricos. Diz a
matéria de Ricardo Mendonça:
“Desde março, quem cresce de
forma constante junto aos evangélicos é Fernando Haddad (PT), o único dos três
primeiros que não ostenta apoio explícito de pastores. Em março, Haddad tinha
4% das intenções de voto entre os pentecostais. Saltou para 13% em agosto e, na
última pesquisa, obteve 15%. Entre os não-pentecostais, foi ainda melhor.
Atingiu 22%. Filiado à sigla comandada por membros da Igreja Universal,
Russomanno caiu 17 pontos entre os não-pentecostais na última rodada, sua maior
queda em todos os segmentos. Entre os pentecostais, oscilou três para baixo. Já
Serra, que tem feito visitas frequentes a cultos, caiu 12 pontos entre os
pentecostais desde março. E apesar de ter subido de 14% para 24% entre os
não-pentecostais na última rodada, ainda está dez pontos abaixo do que já teve.
Serra é apoiado pelo maior ramo da Assembleia de Deus, por igrejas menores, e
foi abençoado por Valdomiro Santiago, da Igreja Mundial. Ainda assim, tem 50%
de rejeição entre pentecostais e 47% entre não-pentecostais” (FSP, 14/09/2012,
online).
Portanto, tratar o tema
evangélicos na política, ou o caso Russomanno, é tratar tema complexo que não
passa tão só pela questão religiosa, pelo poder que líderes religiosos se
atribuem ou pela obediência de fieis a esses líderes.
É dinâmica complexa que inclui
disputas por poder e hegemonia no campo religioso, ambição dos políticos que
veem no pragmatismo dos evangélicos fonte para suas barganhas de campanha,
concorrência de grupos que competem por poder sociopolítico e econômico como as
empresas de mídia. No meio disto tudo está a fé, a crença, a religião, sonhos e
esperanças de muita gente que ainda acredita haver um Deus no meio disto tudo.
Se houvesse, e Ele declarasse o seu voto, provavelmente seria nulo.
***
[Magali do Nascimento Cunha é
jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora da Universidade
Metodista de São Paulo e autora do livro A Explosão Gospel. Um Olhar das
Ciências Humanas sobre o cenário evangélico contemporâneo (Ed. Mauad)]
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