Padres, bispos e pastores ainda influenciam no voto, diz sociólogo
A capacidade de padres, bispos e
pastores de influírem no voto de seus fiéis caiu sensivelmente nos últimos
anos, mas não a ponto de os candidatos a cargos majoritários poderem dispensar
aparições ao lado de líderes religiosos e declarações públicas de apoio destes
– aproximação na qual, dias atrás, o petista Fernando Haddad (PT) afirmou ver
"risco de fundamentalismo".
O diagnóstico é do professor
sênior do departamento de sociologia da USP Reginaldo Prandi, 66, que estuda
religiões. Segundo ele, com a modernização dos cultos, o controle sobre as
escolhas dos devotos se afrouxou. Para ganhar uma eleição, entretanto,
prossegue o professor, ainda é preciso "responder ao jogo de pressões e
fazer acordos".
"[As igrejas] Vão querer
saber que compromissos o candidato assumirá com a religião", diz Prandi,
referindo-se à defesa do afastamento entre política e fé feita em público por
Haddad.
Prandi vê o líder das pesquisas
em São Paulo, Celso Russomanno (PRB), "com os pés em duas, três
canoas", por ter de acenar tanto para o eleitor da entidade que sustenta
seu partido, a Igreja Universal, quanto para o de denominações rompidas com
esta e para o de fora do segmento evangélico.
Leia abaixo trechos da entrevista
de Reginaldo Prandi à Folha de S. Paulo:
Folha - Que poder líderes
religiosos cortejados por candidatos têm de efetivamente pautar o voto dos
fiéis?
Reginaldo Prandi - Os deputados
federais evangélicos são 73, o que significa 15% do total. Na população, os
evangélicos somam 20%, 22%. Ou seja, estão subrepresentados no Congresso. Se
você seguisse rigorosamente a ideia de que o eleitor sempre vota com a igreja
dele, seriam mais.
Mesmo as religiões voltadas a
temáticas mais tradicionais se modernizam, liberalizam-se para atender as
demandas da sociedade. [O controle] Vai ficando mais frouxo. É possível que,
dentro de uma igreja, haja segmentos que sigam o que as lideranças dizem. Mas
não todos mais. E cada vez menos.
Em meio a declarações de apoio de
religiosos a oponentes de Haddad, o petista disse que pedir votos em igrejas
não era "compatível". Pode-se prescindir do endosso de padres e
pastores?
Ele não pode dizer o que vai
fazer ou não [a esta altura]. Não sabe que perguntas o eleitor vai fazer. Como
candidato, para ganhar, tem de responder a esse jogo de pressões e fazer
acordos. Vão querer saber que compromissos ele assumirá com a religião.
Se temas como fé e aborto
ficassem de fora [do debate eleitoral], as religiões não saberiam o que dizer.
Vão fazer uma proposta de nova sociedade, de novo homem?
Não têm essa
capacidade. Vão trabalhar naquilo que sabem e que a sociedade lhes permitiu,
que é a intimidade, a moralidade.
Justamente um "tema da
moralidade", o aborto, foi tido como decisivo para que houvesse um segundo
turno em 2010. Por que assuntos dessa rubrica influem tanto em quadros
eleitorais?
Há uma parte da população
sensível a isso. Para muita gente, pensar nesse tema como objeto de decisão
pessoal é complicado. Implica em ter mais segurança a respeito de si mesmo, do
outro, dos valores. E aí as religiões se apropriam
dessa dificuldade e aprisionam mentes em caixas fechadas, de modalidade estreita,
reacionária, mas, ao mesmo tempo, fácil: não pode, e ponto final.
Russomanno tenta se desvincular
da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem forte ascendência sobre o partido
dele, o PRB. Mas já prometeu regularizar igrejas e disse que gostaria que
houvesse uma por quarteirão. Ao oscilar entre distanciamento e aproximação da
religião, não confunde o eleitor?
Isso vem da própria condição
dele, de vir de um partido controlado pela Universal. No campo evangélico, há
muitas igrejas que se opõem a ela, mesmo entre as que nasceram dela. Além
disso, ele sabe que precisa do voto católico. E por isso diz que ªgostaria que
houvesse uma igreja por quarteirão, sem especificar qual. Mas também busca o
não religioso. Enfim, está no centro de uma teia de contradições, com os pés em
duas, três canoas.
Gabriel Chalita (PMDB) está em
encruzilhada parecida?
Para os católicos, ele representa
um candidato carismático, associado a outros líderes carismáticos [como o padre
Fábio Melo, com quem lançou livro]. É fruto de um processo de negação do
interesse da Igreja Católica pelos grandes problemas ligados a justiça e
distribuição de renda. Mas também procura mostrar a face do pedagogo, de
secretário da Educação [de Geraldo Alckmin]. Sabe que, para ampliar seu eleitorado,
tem de expandir sua fonte institucional de origem.
O prefeito Gilberto Kassab (PSD)
regularizou templos evangélicos e revisou planejamentos viários para viabilizar
novas edificações ligadas a grupos religiosos. Até que ponto essas medidas
podem alavancar as intenções de voto em José Serra (PSDB)?
Isso é o que as igrejas querem.
Esperam isso de um governante: que aumente a sua liberdade, que dê a elas
prerrogativas e direitos que a Igreja Católica sempre teve. Do ponto de vista
do Kassab, não chega a comprometer [sua gestão], porque é de se esperar que o
Estado não interfira nas religiões.
Mas o fato de essas ações se
concentrarem num período pré-eleitoral não dá a elas um caráter de moeda de
troca?
Sim. Mas isso não acontece só em
relação às igrejas. Por exemplo, as pessoas depredam muito as placas de
sinalização pela cidade. Como o trabalho é caro, só alguns meses antes da
eleição elas são trocadas. O momento ideal é aquele em que se deseja que as pessoas
sintam que suas demandas foram atendidas.
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