Para além do espírito do Império - Lançamento
Nem toda política é autoritária
nem toda ditadura é imperial, a menos que tenha a força para fazê-lo.
Isso é
necessário levar em consideração para não confundir o particular modo que
chamamos Império com outras formas de domínio político ou econômico, de
imposições culturais ou construções ideológicas.
As relações humanas como as
conhecemos e vivemos historicamente estão marcadas por certo nível de
iniquidade, que se dá já no seio da família, no clã primitivo, na horda de
buscadores de comida que marcam seu território.
Iniquidades e injustiças,
conflitos subjacentes ou explícitos que aninham nesses germes de sociedade e
que se projetam em formas práticas e simbólicas de violência, que se tornam
complexas e assumem distintas formas políticas conforme as sociedades se
expandem e crescem.
No entanto, seria uma simplificação muito própria de
algumas teologias encerrar todas essas formas com um mesmo diagnóstico (o ser
humano é um pecador) e tudo se resolver nessa afirmação.
Ao contrário, poder identificar
as marcas próprias de cada uma das formas de injustiça e opressão é o que
permite confrontá-las. Ainda que assim não eliminemos "o pecado humano”, é
possível buscar a forma de limitar suas consequências, de aliviar os
sofrimentos.
Isso significa o reconhecimento de nossos limites, a necessidade
de um mútuo controle e complementaridade, a existência de uma pluralidade de
maneiras de ver e viver a vida humana e seu lugar no planeta, que é o que o
Império destrói ao buscar unificar tudo sob um mesmo modo de gerir, sob seu
controle.
Reconhecer a capacidade destrutiva do ser humano, sobre si mesmo,
sobre o meio ambiente que o sustenta, sobre outros seres humanos, é aceitar que
se deve fixar limites e normas que também permitam que se mostrem as
potencialidades criativas de todo ser humano, suas possibilidades de
solidariedade e amor, a expressão de sua dignidade.
Por isso nossa proposta
passa por ver o efeito desse espírito imperial sobre os espíritos humanos,
especialmente daqueles que ficam mais expostos às iniquidades e injustiças que
geram a relação imperial.
Neles está não nossa esperança de "redenção”,
que carregaria sobre suas já debilitadas costas também a responsabilidade
política de modificar a realidade e transformar os sistemas, mas o efeito mais
visível das consequências da soberba dos Impérios. Como também lhes assiste a
capacidade de expressar, em reações de resistência e antecipação, sua luta por
ser reconhecidos, e essa luta não é só própria, mas de todos os que nos
conformamos como povos.
Nesse sentido nossa proposta é uma busca
"demo-crática”, que enxergue todas as dimensões e também os limites de toda
e qualquer proposta de poder, que reconheça a presença dos mais prejudicados em
cada sistema social, e mostre-se com sua contínua necessidade de transformação.
Nesse sentido nossa teologia quer
recuperar o lugar do transcendente, de algo que sempre está além do que o
Império contém e quer encerrar. Apenas se situando nesse espaço do
transcendente, que o Império não pode conter, permite-nos sua crítica radical,
a qual nunca poderá ser feita a partir dos mesmos postulados que o Império
consagra em sua imanência.
Essa transcendência, porém, não é concebida a partir
de uma onipotência, nem a partir da justificação do poder imanente, e sim a
partir de uma presença no crucificado que ressuscita, no sofredor que levanta
sua voz, no pobre que não se resigna, nas vítimas do preconceito étnico, racial
ou sexista que reivindicam sua condição de humano total, não excluído, que
marca ainda seu lugar no povo.
Nessa compreensão acreditamos que é possível
superar o Império, antecipar em nós a esperança de outro mundo possível, um
mundo onde caibam todos os mundos, um Reino messiânico, que possivelmente nunca
alcancemos em nossa história, mas que constituirá a visão que nos alente,
sustente, e na qual empenhamos nossas vidas.
[Trecho final da introdução do
livro de N. Míguez, J. Rieger, J.M. Sung "Para além do espírito do
Império: novas perspectivas em política e religião”. São Paulo: Paulinas, 2012,
pp. 12-14].
Fonte: http://www.adital.com.br
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