Uma incômoda pitada de magia - Por Carlos Haag
Não é fácil abalar a fleuma
britânica. Daí a sintomática reação de Keith Moore, diretor dos arquivos da
Royal Society, ao ser questionado sobre a importância do achado das
pesquisadoras Ana Maria Goldfarb e Márcia Ferraz, do Centro Simão Mathias da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Cesima PUC-SP). Com a
sobrancelha levantada e cauteloso, Moore respondeu: “Estava debaixo de nossos
narizes, mas em 350 anos ninguém encontrou”.
Trata-se de uma pitada de pó
amarelado e com odor pungente embalada num pequeno envelope colado em uma carta
de 1675 endereçada ao primeiro-secretário da Royal Society, Henri Oldenburg
(1515-1677), vinda da Antuérpia e enviada por um apotecário e alquimista
chamado Augustin Boutens. Embora não chame a atenção, é uma valiosa e concreta
amostra do alkahest, famigerado solvente universal, que foi alvo de buscas que
movimentaram gerações de alquimistas e mesmo filósofos naturais como Robert
Boyle e Isaac Newton.
Após revelar, em 2010, num
Projeto Temático apoiado pela FAPESP, a única receita completa do alkahest (“A
agenda secreta da química”, Pesquisa FAPESP n˚ 154), de 1661, a dupla encontrou
agora, afirmam, “uma primeira amostra real de Luduscomposto, um alkahest, de
que se tem notícia desde o século XVII”. O que é o pó?
Certamente, a Royal Society quer
que a amostra seja analisada por um de seus fellows, provavelmente Martyn
Poliakoff, vice-presidente da instituição.
“Apesar da curiosidade pessoal, como pesquisadoras em história da ciência, não
pretendemos ir ao laboratório para procurar saber o que seria pelos moldes de
hoje o tal pó”, fala Márcia.
“O que importa é a descoberta de
mais uma evidência forte de que uma boa porção das ciências antigas, como a
alquimia, persiste mesmo após o surgimento de uma nova visão de ciência (e até
fizeram parte na formação desta), mantendo-se na agenda das figuras que
supostamente promoveram a revolução científica que originou a química moderna.
Há uma história pouco conhecida que conta que essa passagem foi mais suave e
coerente e só se encerrou no século XIX”, afirma Ana.
Acima de tudo, confirma o credo
das pesquisadoras que fazer a história da ciência é arregaçar as mangas e
enfrentar a poeira secular dos documentos originais para dar vida a eles.
Prova
disso, para surpresa de Moore, é que o documento passou pelas mãos da
historiadora Marie Boas, responsável, nos anos 1960, pela catalogação da
correspondência de Oldenburg, por 15 anos o “faz-tudo” da Royal Society. Diante
do pequeno envelope, Marie apenas anotou: “Amostra do que parece ser pirita,
anexada ao texto”.
Fonte: http://agencia.fapesp.br
Comentários