Dialogando com a Fé Bahá"í


 O objetivo da série é ouvir o que essas pessoas têm a dizer e, assim, fomentar o debate

O CONIC está fazendo uma série de entrevistas com autoridades religiosas e pessoas engajadas no mundo ecumênico/religioso. Os temas abordados nessas entrevistas versarão sobre pluralismo religioso, a importância do diálogo, interação entre as religiões e assuntos afins.

O objetivo da série é ouvir o que essas pessoas têm a dizer e, assim, fomentar o debate. Nossa quarta entrevistada é com o representante da Comunidade Bahá’í do Brasil, Iradj Roberto Eghrari. Confira:

1) Em contramão com o que vemos ocorrer em muitas partes do mundo, o Brasil ainda é um país em que diversas correntes religiosas convivem harmonicamente. Como avalia isso?

É uma harmonia relativa, pois abrange apenas certos grupos de religiões. Onde está o convívio harmônico entre as religiões de matriz africana e cristãs evangélicas? Como acreditar que existe um convívio harmônico se já é possível verificar uma discriminação contra a população islâmica aqui no país?

Da mesma forma que existe o mito da democracia racial, também existe esse mito de que há um convívio harmônico entre as religiões. Há até determinados embates por busca de poder hegemônico entre algumas religiões. Um exemplo nítido é a questão de ensino religioso em escolas e outros espaços para debate do conhecimento e espiritualidade em que algumas religiões buscam uma hegemonia confessional.

A pergunta estimula a reflexão de como alcançar a harmonia religiosa. Um desafio ainda a ser alcançado.

2) Na sua opinião, qual a importância do diálogo entre as religiões?

O diálogo entre as religiões é fundamental. Os bahá’ís advogam o princípio essencial da unidade do fenômeno religioso. Acreditamos que as religiões nascem de um mesmo Criador, de um mesmo Pai, de um mesmo Deus e que todas têm um fio condutor único, ou seja, não existem religiões no plural - existe uma única religião que é a mensagem que Deus transmite aos seres humanos de tempos em tempos, trazendo guia, orientação e um acolher divino que nos dá sentido a vida.

O diálogo inter-religioso estimula os seguidores das religiões a perceber que o Bhagavad Gitá, o Alcorão, os Vedas, a Bíblia, a Torá, o Zend Avesta, Mahabharata, Kitáb-i-Aqdas todos eles são iguais. Não poderia ser diferente se todos provêm do mesmo Criador, de um único Deus. É impossível que sejam contraditórios.

O diálogo inter-religioso deve acontecer em dois níveis: pelos representantes das lideranças religiosas (o maior desafio, onde acontecem mais desentendimento) e os seguidores das religiões (que acabam copiando o padrão de comportamento da liderança religiosa). É fundamental promover o diálogo com o intuito de desmitificar a ideia de que as religiões são conflitantes, contraditórias e que há mais de um Deus.

3) Em alguns países, os bahá’ís são duramente perseguidos. Na sua análise, levando em consideração fatores como a Primavera Árabe, essa perseguição tende a diminuir ou aumentar nos próximos anos?

Por meio de movimentos como da Primavera Árabe, em que a sociedade civil buscou a liberdade de expressão, de crença, de pensamento, de ir e vir, de escolha, de associação, países experimentam novas possibilidades de integração e de convívio entre os diferentes; finalmente nesses países pode-se falar de diferenças, em uma sociedade que busca escutar de todos qual a contribuição que cada um tem a dar pela transformação do mundo.

Então de um lado sim, os bahá"ís começam a ter maiores possibilidades. No Egito, depois de praticamente 50 anos de banimento oficial que os bahá"ís sofreram pela lei egípcia, ainda hoje, depois da mudança do regime os bahá"ís continuam banidos, porém, a população pode expressar-se de forma livre e espontânea o seu desejo de conhecer mais sobre os bahá"ís. E os bahá"ís podem dar a sua parcela de contribuição para a construção de uma nova sociedade.

O problema está no segundo aspecto que é político, institucional, de governança nesta nova etapa pelos países da Primavera Árabe. Se o governo do Egito, Tunísia, Síria e tantos outros países continuarem com a adoção de padrões antidemocráticos, a população continuará refém de uma espécie de ditadura, na qual existem severas violações de direitos humanos. Se as lideranças dos países não se sensibilizarem em perceberem o diferente e buscarem contribuir no processo de transformação da sociedade, trazendo o direito de ser e existir destas populações, tal primavera logo adentrará no seu velho e conhecido inverno.

Para que a governança seja considerada verdadeiramente democrática, é necessário haver um espaço no qual os bahá"ís e outras minorias religiosas possam expressar livremente os ensinamentos de sua religião de acordo com o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que preconiza o direito de cada ser humano mudar de religião, professar a sua religião, escolher a sua religião, expressar da forma que melhor lhe convier os seu sentimento religioso.

Os bahá"ís não constituem um movimento político ou uma base contestadora da autoridade governamental constituída. Por uma questão de princípio, os bahá"ís não se envolvem em nenhum movimento pela derrubada do regime por mais cruel que ele seja, e um exemplo disto é o que acontece no Irã: apesar da acentuada perseguição, os bahá"ís não buscam a violência, não pegam em armas, não se levantam contra a autoridade do governo, e apenas buscam o diálogo e movimento pacífico, buscam alcançar seus direitos. Mesmo assim não os tem de forma ampla nos países islâmicos do Oriente Médio.

4) Um grande canal de TV aberta tem veiculado uma série chamada “Sagrado”, onde líderes de muitas religiões falam sobre sua fé. Iniciativas assim são importantes? Por quê?


A iniciativa da Rede Globo é importante e louvável. Assisto a esse programa e o curto, mesmo às 6h da manhã! Acredito que poderia ser um pouco mais longo e aprofundado. A iniciativa traz à luz a possibilidade que nós, enquanto população brasileira, conheçamos outras realidades religiosas como a budista, islâmica; conheçamos a percepção de denominações religiosas que não são a que nós seguimos, como as religiões de matriz africana como o candomblé ou umbanda. Mesmo sendo católico, eu posso escutar um pastor protestante dizer sobre algo determinada questão.

Os temas apresentados são atuais, e trazem a ideia de que a religião não pode estar dissociada do nosso cotidiano. No entanto, é uma pena que esta emissora não esteja aberta ao pensamento de que a diversidade deveria estar representada e, que tal representatividade não esteja vinculada a quantidade de adeptos no Brasil ou pelo julgamento do diretor do programa. Um exemplo disto é que, embora o número de budistas seja equiparado ao número de bahá"ís no Brasil, a Rede Globo argumentou que “existem poucos bahá"ís no Brasil”. Fica claro que não se trata da quantidade de seguidores bahá"ís, mas a negação reside no desconhecimento, na discriminação de algo que lhe é diferente e desconhecido.

Faço aqui um convite aos dirigentes da área de jornalismo da Rede Globo para que deixem de lado essa falsa premissa de que números é que importam e vejam na verdade a contribuição que cada religião pode trazer. No momento em que o programa Sagrado ganhar uma representação de grupos religiosos mais diversos, a visão da sociedade será ampliada.

5) Um mundo de paz, onde todos respeitam a opção religiosa do outro, é possível?

Não só é possível, como é realizável e inevitável. O mundo alcançará a paz através de horrores inimagináveis – e infelizmente a religião pode estar no cerne desse caos – ou chegará a paz por meio de um movimento de vontade consultiva, a vontade de dialogar oriunda do desejo de todos os povos e raças da terra. Então, é possível sim o entendimento das religiões, é necessário esse diálogo harmônico e essa é uma responsabilidade das lideranças religiosas.

Grandes desafios da humanidade hoje, ainda que não estejam superados, são capazes de sinalizar a possibilidade de uma solução. Nenhuma mente socialmente responsável hoje é capaz de dizer que racismo é algo que tenha sustentação teórica ou prática, e todos condenam o racismo. Há cem anos atrás a maioria da população mundial ainda considerava os negros inferiores aos brancos.

Há 50 anos atrás, o racismo ainda tinha força nos Estados Unidos, onde a segregação racial era um fato. Nota-se que o mundo evoluiu nas organizações de direitos humanos, movimentos pelos direitos civis e das próprias Nações Unidas que impulsionaram o debate através do estabelecimento de uma série de tratados internacionais que favoreceram o estabelecimento de um pensamento novo, diferenciado, audacioso em prol da eliminação do racismo.

Hoje, da mesma forma ninguém é capaz de justificar qualquer discriminação contra a mulher, assim como a manutenção dos extremos de riqueza e pobreza, níveis degradantes de educação e uma série de outras violações a dignidade humana. Porém, o mundo sustenta a contenda religiosa, e não é papel das Nações Unidas e nem dos Estados resolverem o problema: a contenda religiosa só é resolvida através dos próprios líderes religiosos. É possível chegar a um acordo, deixando de lado as diferenças e focando os pontos em comum, que são muitos!

Se quisermos um mundo pacífico, cabe a nós, população mundial exigirmos das lideranças religiosas que mantenham um diálogo no qual essas divergências sejam absolutamente superadas e se possa construir um mundo pacífico.

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