Teologia da Libertação, Max Weber e capitalismo como religião – Por Jung Mo Sung
Max Weber, um dos
"clássicos” das ciências sociais modernas, famoso pela tese de
desencantamento do mundo, escreveu um texto que merece ser retomado com
seriedade hoje. Ele disse: "Tudo se passa, portanto, exatamente como se
passava no mundo antigo, que se encontrava sob o encanto dos deuses e demônios,
mas assume sentido diverso.
Os gregos ofereciam sacrifícios a deus das cidades;
nós continuamos a proceder de maneira semelhante, embora nosso comportamento
haja rompido o encanto e se haja despojado do mito que ainda vive em nós.
[...]
O máximo que podemos compreender é o que o divinosignifica para determinada
sociedade, ou o que esta ou aquela sociedade considera como divino. [...] A
religião tornou-se, em nosso tempo, ‘rotina quotidiana’. Os deuses antigos
abandonam suas tumbas e, sob a forma de poderes impessoais, porque
desencantados, esforçam-se por ganhar poder sobre nossas vidas, reiniciando
suas lutas eternas.” (Ciência e política: duas vocações).
Normalmente se pensa que a
modernidade Ocidental expulsou a religião da esfera pública – secularização – e
a reduziu ao campo do privado. Além disso, acredita-se que a compreensão
religiosa do mundo e a fé foram substituídas pela cosmovisão fundada na ciência
e pela racionalidade moderna que não admite, por ex, a crença nos milagres
relatadas na Bíblia ou na religiosidade popular.
Diante do mundo moderno
compreendido dessa forma, uma boa parte das igrejas cristãs pensam que uma das
tarefas fundamentais da teologia é resignificar os símbolos e ensinamentos
cristãos de tal modo que sejam compatíveis com a cultura moderna. Ou então, se
posicionar contra o mundo moderno e pós-moderno por serem ateus e secularizados
e tentar recuperar o poder das instituições religiosas na sociedade.
Contudo, Weber –que é citado por
muitos para justificar essa visão da modernidade– diz algo bem diferente. Para
ele, não há grande diferença entre cidades gregas que ofereciam sacrifícios aos
seus deuses e o nosso mundo. Os sacrifícios continuam sendo oferecidos, só que
agora não mais a "deuses pessoais”, mas a deuses que se aparecem sob a
forma de "forças impessoais”.
Isso por dois motivos básicos: a) hoje não
se acredita mais que a natureza, por ex., seja prenhe e movida por espíritos
sobrenaturais – o que chamamos de "mundo encantado”–, por isso a concepção
de deuses da sociedade mudou; b) o aumento da complexidade do sistema
socioeconômico criou forças impessoais que regem a dinâmica da vida social.
A diferença de a quem os
sacrifícios são oferecidos não apaga o mais fundamental: a continuidade dos
sacrifícios. Hoje, os sacrifícios de vidas humanas e da própria "natureza”
são exigidos e justificados em nome das "leis do mercado”, essas forças
impessoais que assumiu a função do divino. Isso aparece claramente hoje nas
declarações que justificam os ajustes econômicos que estão sacrificando os
idosos (com corte nas pensões), os enfermos (corte na saúde) e nas crianças e
jovens (corte na educação) nos países europeus em crise. Ajustes para salvar o
sistema financeiro. Assim como foi na América Latina nas décadas de 1980 e
1990.
O que Weber "intuiu” no
início do século XX nos mostra um lado muito "esquecido” ou ocultado da
modernidade: o seu aspecto sacrificial, portanto, religioso. O mundo moderno,
com o seu capitalismo, não é ateu ou secularizado (no sentido de a religião
estar fora da esfera pública), mas é, no discernimento bíblico, idólatra. Isto
é, é um sistema baseado em uma divindade – feita de forças impessoais – que
exige sacrifício de vidas humanas.
Um setor importante da Teologia da
Libertação, na década de 1980, denunciou isso e fez desse tema um dos centrais
da sua reflexão. (Dois livros de referência dessa crítica são "A luta dos
deuses” e "Idolatria do mercado”).
Se não compreendermos bem o
caráter idolátrico, portanto religioso (segundo Weber, religião na forma de "rotina
cotidiana”) do capitalismo global não seremos capazes de ter clareza na missão
do cristianismo no mundo de hoje. Para isso, continua atual o desafio para
teólogos/as da libertação de dialogar com cientistas sociais que continuam
refletindo a partir desta intuição de Weber, da teoria de fetiche em Marx e/ou
da crítica de W. Benjamin ao "capitalismo como religião”.
[Jung Mo Sung - Diretor da
Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, autor,
com J. Rieger e N. Miguez, de "Para além do espírito do império: novas
perspectivas em religião e política”, Paulinas. Twitter: @jungmosung].
Fonte: http://www.adital.com.br
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