A construção da história pessoal - Por José Tadeu Arantes
“Quem sou eu? Qual o sentido da
existência? Que papel eu desempenho nela?”
Premidas pelas urgências da vida
prática, ou fascinadas pelas distrações que o mundo oferece, as pessoas
costumam colocar essas perguntas de lado em seu atarefado dia a dia.
Simplesmente as descartam ou adiam, à espera de um “depois” que, muitas vezes,
nunca chega.
Foram, no entanto, perguntas
desse tipo que impulsionaram a filosofia desde antes dos gregos. E, diante de
uma grande crise ou de uma imprevista guinada na trajetória existencial, são
elas que irrompem na tela da consciência, cobrando a atenção que merecem.
Tais perguntas são também o ponto
de partida do livro História pessoal e sentido da vida, de Dulce Critelli,
professora titular do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Publicado com apoio da FAPESP, o livro, de poucas
páginas e leitura fluente, mas conteúdo denso e longamente elaborado, apresenta
o fundamento filosófico do método terapêutico-educativo desenvolvido pela
autora, com o nome de “historiobiografia”.
Critelli emprega esse método
tanto em sessões individuais de aconselhamento como em reuniões de grupo nas
quais os participantes são direcionados e instrumentalizados para refletir
sobre suas autobiografias e compreendê-las.
“Descobri que muitos de nossos
problemas decorrem menos de fatores psicológicos do que filosóficos. Não são os
traumas, mas uma incompreensão do sentido da vida que os originam”, afirmou.
“Nessa perspectiva, a filosofia
pode ser uma ferramenta fundamental. Quando pensamos, transformamos nossas
crenças e, consequentemente, nosso modo de viver. A filosofia não é clínica,
mas possui uma inequívoca força terapêutica, que reside naquilo que
propriamente a caracteriza: sua estrutura reflexiva. Toda reflexão é um
exercício de entendimento que retira os eventos de seu ocultamento (que vai do
mero desconhecimento às interpretações corriqueiras) e os lança à luz”, disse.
Essa estrutura reflexiva é o
traço comum de toda atividade filosófica. Mas a autora se pauta por uma escola
filosófica específica, a da chamada “filosofia da existência”, desenvolvida por
Martin Heidegger (1889-1976) e Hannah Arendt (1906-1975). O livro de Critelli é
fortemente calcado no pensamento de Heidegger e, mais ainda, no de Arendt,
profusamente citado ao longo do texto.
Segundo Arendt, os eventos da
vida precisam ser arranjados em uma história para podermos lidar com eles. Como
a pensadora muitas vezes afirmou, citando uma frase da escritora dinamarquesa
Karen Blixen (que escreveu sob o pseudônimo de Isak Dinesen): “Todas as mágoas
são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a
seu respeito”.
É essa ideia que fundamenta a
“historiobiografia” e constitui o leitmotiv de História pessoal e sentido da
vida. “Nossa existência pessoal não é um conjunto desconexo de eventos”,
argumenta a autora.
“Seu sentido se articula nas
histórias que, consciente ou inconscientemente, contamos para nós mesmos. E,
quando percebemos o fio de nossa existência, tornamo-nos muito mais disponíveis
para fazer transformações. Descobrindo o padrão, descobrimos também o potencial
de ação”, falou.
Segundo Critelli, o padrão
existencial se apoia em frases que as pessoas ouvem de outras ou que,
acriticamente, dizem para si mesmas. Ela chama essas frases de “relatos”. São
afirmações curtas e fragmentadas, muitas vezes aprendidas na infância, e
repetidas ao longo da vida. Perpetuando-se pela repetição, perpetuam também,
como se fosse fatalidade, um determinado modo de ser.
Frequentemente os indivíduos se
sentem prisioneiros desses padrões que eles mesmos ajudaram a criar. Quando trazem
tais “relatos” para a luz da consciência e os submetem ao crivo da reflexão
crítica, começam a se libertar de seu poder paralisante. E colocam ou recolocam
suas vidas em movimento.
“Temos a ilusão de que moramos em
um mundo significativo em si e por si mesmo. Mas, em si mesmo, o mundo é pura
coisa. É nossa linguagem que o transforma em um mundo. Habitar o mundo é
habitar a linguagem”, sublinhou Critelli.
Trata-se, então, de substituir os
relatos acríticos e fragmentários que povoam a linguagem vulgar por uma
historia pessoal construída a partir da reflexão. A expectativa é que, ao se
apoderar dessa história, o indivíduo simultaneamente se empodere. E deixe de
ser vítima de uma imaginária fatalidade para se tornar senhor de si mesmo.
História pessoal e sentido da
vida
Editora: Educ – Editora da PUC-SP
Páginas: 104
Mais informações:
www.pucsp.br/educ
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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