Conhecimento não é fator determinante para formação de opinião sobre ciência - Por Elton Alisson
As pesquisas sobre percepção
pública da ciência e tecnologia realizadas em diferentes países, incluindo o
Brasil, com o objetivo de avaliar a opinião dos cidadãos sobre temas
científicos e tecnológicos deparam com o desafio de explicar quais fatores
influenciam atitudes, interesse e engajamento em relação a esses assuntos.
Isso porque, do conjunto de
indicadores utilizados nessas pesquisas para analisar quais fatores são mais
relevantes na formação de interesses e atitudes dos cidadãos sobre ciência e
tecnologia, como renda, educação, idade e escolaridade, nenhum deles
consegue explicar minimamente a variabilidade das respostas.
“Tem alguma outra variável que
não estamos medindo que determina o tipo de atitude das pessoas sobre ciência e
tecnologia em geral”, disse Juri Castelfranchi, professor do Departamento de
Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich)
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante conferência sobre os
desafios interpretativos e metodológicos para o estudo da percepção pública da
ciência e tecnologia que proferiu no dia 27 de outubro no 2º Seminário
Internacional Empírika.
Realizado nos dias 26 e 27 de
outubro no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), o evento integrou a programação da Feira Ibero-americana de
Ciência, Tecnologia e Inovação (Empírika).
De acordo com Castelfranchi, um
dos fatores que contribuem para a dificuldade de as pesquisas sobre percepção
pública da ciência e tecnologia determinarem qual ou quais processos contribuem
para a construção da opinião pública sobre o tema é que elas estão “baseadas na
hipótese mal fundada e fundamentada de que as atitudes das pessoas em relação
aos assuntos científicos e tecnológicos são moduladas pelo conhecimento que têm
sobre esses temas”.
Tradicionalmente, segundo
Castelfranchi, a maioria dos estudos realizados sobre o que faz com que as pessoas
aceitem ou rejeitem a realização de uma pesquisa científica ou uma nova
tecnologia focalizou o interesse, o conhecimento e as atitudes dos
entrevistados em relação à ciência e tecnologia, baseado na ideia de que esses
três aspectos estariam relacionados.
Dessa forma, as pessoas não
interessadas teriam baixo nível de informação e tenderiam, em geral, a ter
atitudes mais negativas em relação à ciência e tecnologia. Por outro lado, ao
estimular o interesse dessas pessoas por temas científicos e tecnológicos seria
possível melhorar o nível de conhecimento delas sobre essas áreas e,
consequentemente, suas atitudes em relação à ciência e tecnologia se tornariam
mais positivas.
Entretanto, pesquisas de campo
demonstraram que essas premissas são falsas e que a situação real é muito mais
complexa do que a defendida por esse modelo, que foi derrubado.
Em geral, de acordo com os
resultados de estudos recentes na área, existe um grande interesse de boa parte
da população sobre os temas de ciência e tecnologia, mas que não corresponde à
busca de informação.
“Há grupos de público com baixa
escolaridade, principalmente em países em desenvolvimento, que não conhecem e
não buscam informação sobre ciência e que têm atitudes bastante positivas em
relação à ciência e tecnologia”, disse Castelfranchi.
“Em contrapartida, alguns estudos
detectaram que não é verdade que, ao aumentar o conhecimento, a atitude das
pessoas se torna mais positiva. Em alguns casos ocorre o contrário, elas tendem
a ser mais cautelosas e críticas”, disse.
Paradoxo do conhecimento versus
atitude
Segundo Castelfranchi, um dos
exemplos que ilustram essa suposta contradição, batizada de “paradoxo do
conhecimento versus atitude”, é a questão dos transgênicos na Europa.
O continente, que é um dos que
mais investem em ciência e tecnologia, decretou no início dos anos 2000 uma
moratória contra os alimentos transgênicos após intensos debates entre
segmentos da sociedade favoráveis e outros contrários à tecnologia, baseados no
apelo emocional e argumentos mais de cunho econômico e político do que
científico.
Uma pesquisa realizada em 1998 e
replicada em 2010 em toda a Comunidade Europeia sobre o conhecimento e atitudes
dos europeus em relação a aplicações biotecnológicas, incluindo alimentos e
vacinas transgênicas, apontou que o fator risco não era determinante para a
rejeição ou não da população à nova tecnologia.
Em muitos casos, os entrevistados
responderam que algumas aplicações biotecnológicas eram perigosas, mas que eram
úteis, moralmente aceitáveis e que deveriam ser encorajadas. Em outros casos,
os participantes da pesquisa apontaram determinadas aplicações biotecnológicas
como não tão perigosas, mas politicamente e moralmente questionáveis, como os
transgênicos, o que fez com que a tecnologia fosse rejeitada.
“Não foi o risco o fator mais
relevante que levou à rejeição dos transgênicos na Europa, mas considerações
políticas como, entre elas, o fato de a tecnologia ser controlada por
multinacionais, ser patenteada e porque os países europeus eram contrários a
monoculturas”, avaliou Castelfranchi.
A pesquisa também apontou que os
cidadãos europeus que tinham conhecimento mais baixo não rejeitavam os
transgênicos, mas não tinham uma opinião formada sobre eles. Por outro lado, os
participantes com maior escolaridade tinham opiniões favoráveis ou contrárias
mais definidas.
“O conhecimento não mudou a
atitude dos cidadãos europeus em relação aos transgênicos, mas sim o fato de
terem uma atitude mais definida em relação à tecnologia, a exemplo do que
também pode ser observado no Brasil e em outros países ibero-americanos onde
foram realizadas pesquisas do gênero”, disse Castelfranchi.
Na mais recente pesquisa
Percepção pública da ciência e tecnologia, realizada no fim de 2010 pelo
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com mais de 2 mil pessoas
em todo o país, nenhum dos grupos específicos, de diferentes níveis sociais e
de escolaridade, respondeu que as tecnologias trazem mais malefícios do que
benefícios, quando perguntados sobre isso.
Porém, os participantes que mais
conheciam cientistas e instituições de pesquisa foram justamente os que
declararam em maior proporção que os cientistas podem ser perigosos em função
do conhecimento que possuem.
“Não há nenhuma associação entre
baixa escolaridade e achar que a ciência é perigosa. Mas, pelo contrário:
pessoas de alta escolaridade tendem a ter uma postura mais cautelosa tanto em
relação aos benefícios como sobre os malefícios apresentados pela ciência e
tecnologia”, afirmou Castelfranchi.
Valores morais e políticos
No caso do Brasil, um dos fatores
relevantes que influenciam as atitudes dos brasileiros em relação à ciência e
tecnologia, identificado por Castelfranchi e outros pesquisadores que
analisaram os dados da pesquisa realizada pelo MCTI, é o porte das cidades onde
os entrevistados moram.
Os pesquisadores constataram que
os participantes da pesquisa que moram em cidades brasileiras de grande porte
tendem a avaliar melhor os prós e contras do desenvolvimento tecnocientífico
para responder se a ciência e tecnologia trazem só benefícios ou malefícios. Já
as pessoas que residem em cidades pequenas têm uma chance ligeiramente maior de
apontar que a ciência só traz benefícios.
Contudo, tanto essa variável como
nenhuma outra, como o sexo dos entrevistados, não consegue explicar, por si só,
a variabilidade das respostas se a ciência e a tecnologia trazem mais
benefícios ou malefícios.
“Nenhum dos fatores analisados
até agora implica as pessoas terem uma posição mais otimista ou pessimista
sobre a ciência e a tecnologia. Tem outros pontos, que precisamos descobrir,
que influenciam essa resposta”, avaliou Castelfranchi.
Uma das hipóteses levantadas pelo
pesquisador é que os códigos morais e políticos das pessoas, como a religião,
podem ser mais determinantes do que o conhecimento que elas possuem ou não para
formar suas opiniões sobre aspectos específicos da ciência e da tecnologia.
Entre os participantes da
pesquisa sobre percepção pública da ciência e tecnologia realizada pelo MCTI,
os que se declararam católicos concordaram mais do que os evangélicos com uma
das afirmações feitas durante o estudo de que por causa de seu conhecimento os
cientistas têm poderes que os tornam perigosos e que a ciência tem que ser
controlada socialmente.
“A trajetória e a orientação de
vida e os valores morais das pessoas, provavelmente, exercem uma influência
muito maior na modulação de suas atitudes em relação à ciência e tecnologia em
geral e sobre aspectos específicos da pesquisa do que o nível de conhecimento
que elas têm”, estima Castelfranchi.
Para comprovar essa hipótese, de
acordo com o pesquisador, é preciso desenvolver novas metodologias qualitativas
e quantitativas e grandes quantidades de observações etnográficas para
verificar como as pessoas se posicionam em relação à ciência e tecnologia,
abolindo a ideia de que isso está relacionado apenas ao nível de conhecimento.
“Precisamos renovar nossas
metodologias de pesquisa e a forma como olhamos e interpretamos os dados das
pesquisas de percepção pública da ciência e tecnologia para entender como as
pessoas atribuem sentido e constroem suas opiniões sobre questões científicas e
tecnológicas, para termos uma visão dinâmica de como formam suas atitudes”,
afirmou Castelfranchi.
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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