A missão espiritual do cristianismo e o espírito do capitalismo – Por Jung Mo Sung
A missão das igrejas cristãs é,
como sempre foi, uma missão espiritual.
O que diferencia as igrejas de outras
organizações sociais é, entre outras coisas, o caráter explicitamente
espiritual da sua missão, da sua razão de existir. Deixar de tratar da
espiritualidade ou colocar esse tema em segundo plano é um caminho que leva à
perda da identidade e credibilidade das igrejas.
Mas, em que consiste a
espiritualidade? Um dos grandes equívocos das pessoas ou grupos religiosos
preocupado com esse tema é pensar que o mundo moderno, por não ser mais
religioso como era antigamente, carece de espiritualidade. Isto é, a
espiritualidade é entendido como algo que só existe dentro das religiões ou de
correntes que se assumem explicitamente como espirituais. Por isso, a missão
das igrejas cristãs seria a de levar a espiritualidade a um mundo sem espírito.
Nesse tipo de visão, a
espiritualidade é sempre vista positivamente. Há grupos que diferenciam,
corretamente, a espiritualidade da religião e defendem a prioridade da
espiritualidade sobre a religião; outros chegam a negar a possibilidade de se
viver espiritualidade dentro das religiões tradicionais por causa do seu
ritualismo mecânico e seus dogmatismos autoritários desvinculados da vida
cotidiana. Porém, mesmo esses predomina a ideia essencialmente positiva de
todas as espiritualidades.
Penso que esse equívoco se deve
em grande parte à aceitação da "falsa propaganda” do mundo moderno que se
diz ilustrado, racional, secularizado e, portanto, pós-religioso. Com isso,
questões espirituais e religiosos ficariam restritos ao campo privado ou
restrito aos grupos religiosos. O aumento do número de religiosos ou crentes em
Deus não modificaria o fato de que o "mundo moderno” como tal é regido por
razão e princípios da secularização. Diante de um mundo assim, os que não
aceitam esse "ateísmo” moderno defendem a espiritualidade de um modo
abstrato.
Para sairmos desse equívoco,
precisamos repensar o que significa o "espírito”. Tanto em grego (pneuma),
quanto em hebraico (ruah), a palavra "espírito” significa também
"sopro”, "vento”, mostrando que o espírito é a força que move e dá
direção uma pessoa ou uma sociedade. Um grande número de pessoas não formam por
si um grupo ou sem não forem movidos por um mesmo "espírito” (temos a
expressão "espírito de equipe”), assim como uma sociedade ampla como a
atual não caminharia em uma direção mais ou menos definida se não fosse movida
por um espírito. O famoso livro de Max Weber "A ética protestante e o
espírito do capitalismo” trata exatamente do surgimento de um novo espírito que
move um tipo particular de sociedade, a capitalista.
Weber sintetizou, no início do
século XX, o que ele entende por esse espírito dizendo: "O homem é
dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como finalidade
última da sua vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem
como meio de satisfazer suas necessidades materiais. Esta inversão do que
poderíamos chamar de relação natural, tão irracional de um ponto de vista
ingênuo, é evidentemente um princípio orientador do capitalismo, tão
seguramente quanto ela é estranha a todos os povos fora da influência
capitalista”.
A ganância ilimitada e o desejo
ilimitado de consumo e ostentação são características fundamentais da
espiritualidade que move o capitalismo global hoje. É essa espiritualidade que
move o mundo globalizado em direção ao agravamento da crise social (aumento da
desigualdade) e ambiental.
É contra esse tipo de
espiritualidade que devemos viver e anunciar a vida em Espírito de Jesus
Ressuscitado. Espiritualidade verdadeiramente cristã e humanizadora não é
aquela que nos retira desse mundo para um mundo "celestial”, nem nos dá
força para realizarmos os desejos nos impostos pela cultura de consumo, mas sim
nos dá força para vivermos amor-solidário nesse mundo.
Dessa reflexão, podemos tirar
algumas conclusões: a) as igrejas não pregam espiritualidade a um mundo sem
espírito, mas sim a um mundo onde se vive uma espiritualidade desumanizadora e
destruidora da meio ambiente, uma espiritualidade idolátrica; b) nem toda
espiritualidade é boa, humanizadora, portanto é preciso desmascarar a
espiritualidade capitalista e também discernir se as espiritualidades que as
igrejas propõem são realmente nascidas do evangelho ou não; c) espiritualidades
religiosas que nos fazem esquecer dos conflitos e problemas do mundo e nos "elevam”
para o mundo "celestial”, por mais atraentes que sejam, não são
espiritualidades cristãs, pois o Espírito de Deus não vem para nos tirar do
mundo (cf Jo 17), mas para nos dar força para vivermos nossa fé, agindo
solidariamente na luta pela Vida; d) lutas sociais e políticas não são
meramente sociais e políticas, mas são também expressões visíveis de diferentes
espiritualidades.
[Jung Mo Sung, autor com J.
Rieger e N. Míguez, de "Para além do Espírito do Império”, Paulinas.
Twitter: @jungmosung].
Fonte: http://www.adital.com.br
Comentários