Cursos de pós ficam mais globalizados, com intercâmbios e aulas em inglês- Por Gabriel Vituri
Em agosto de 2009, Eduardo
Barbosa ainda cursava o início de seu mestrado na FEA-USP (Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da USP) quando um contato feito nos
corredores da universidade abriu portas que mudariam o último semestre de sua
pós-graduação.
Um professor canadense que
passava uma temporada na instituição ministrando aulas e cursos se interessou
pela dissertação do aluno brasileiro sobre mudanças climáticas e o uso do solo
no país e o encorajou a tentar uma bolsa de estudos na McMaster University, em
Hamilton. Aprovado, o economista de 27 anos ficou seis meses no Canadá para se
dedicar exclusivamente à pesquisa de mestrado, que defendeu ao voltar ao
Brasil, em 2011.
Cada vez mais comum nas
Instituições de Ensino Superior, a internacionalização dos cursos de
pós-graduação se transformou em um processo irreversível. Defendida por
representantes de faculdades públicas e particulares, a ação de tornar-se
internacional está entre as maiores prioridades no planejamento estratégico de
dezenas de escolas no país.
A definição mais abrangente e predominante sobre o
que significa o termo em si foi dada por Jane Knight, da Universidade de
Toronto. Em seus estudos, a pesquisadora defende que internacionalização é o
"processo no qual se integra uma dimensão internacional, intercultural ou
global nos propósitos, funções e oferta de educação pós-secundária".
Embora seja frequentemente
associado a programas em que alunos e docentes são enviados a outros países
para um período de estudos, o ato de tornar-se internacional envolve uma série
de ações que nem sempre demandam o intercâmbio.
"Internacionalizar inclui
mobilidade, que é o ato de mandar para fora, mas também existem alternativas
dentro da própria escola, sem necessariamente deslocar pessoas da
instituição", explica Sérgio Pio Bernardes, diretor de internacionalização
da ESPM-SP.
Segundo o professor, adotar currículos que tenham conteúdos
estrangeiros, organizar palestras e oferecer aulas em outros idiomas são
pequenos passos que podem levar a uma mudança bem sucedida.
O caso do
economista da USP, diz o especialista, é relativamente comum: "A
internacionalização sempre começa no meio da pirâmide, com um professor que
conhece alguém em congressos, ou quando há algum tipo de relação com
instituições de fora".
Estudar em uma universidade
pública e receber bolsa-auxílio de uma faculdade estrangeira não é exceção, mas
ainda pode ser considerado um exemplo menor se comparado à quantidade de alunos
brasileiros que participam de programas no exterior com apoio de bolsas
bancadas por agências federais (Capes e CNPq) e estaduais. Por ser um processo
de alto custo, poucas instituições privadas nacionais têm condições de garantir
a estrutura necessária a seus estudantes fora do país.
Já a Capes, criada em 1951, deve
distribuir mais de 100 mil bolsas de estudos até 2015, em um investimento que
ultrapassa os R$ 3 bilhões.
Carolina Kesser Barcellos Dias é historiadora
pela Unesp e se dedicou à arqueologia durante a pós-graduação no MAE-USP (Museu
de Arqueologia e Etnologia da USP). Por conta de sua especialidade, as
cerâmicas gregas, ela teve oportunidade de estagiar em instituições europeias
em diferentes ocasiões com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo), um diferencial enorme na área, sobretudo pelo contato
direto com o material de estudo e pelo acesso a uma bibliografia ainda
inexistente no Brasil.
Na visão da arqueóloga, "o
apoio institucional é o primeiro e mais importante meio nesses processos. O
nome 'USP' é forte, e ele abre portas no exterior. As pessoas reconhecem essa
universidade lá fora".
Alternativas
"Há vários programas de
cooperação técnica entre países, mas não se deve pensar apenas em mecanismos
que dependam do governo", defende o gerente de relações internacionais da
FGV (Fundação Getulio Vargas), Eduardo Marques.
O professor cita como
alternativa fundações e bancos que fornecem bolsas-auxílio. "Uma boa opção
também são os acordos de cooperação acadêmica com isenção de cobrança de
matrículas e mensalidades entre as entidades, permitindo ao aluno em
intercâmbio que não tenha despesas acadêmicas na instituição de destino,
mantendo o pagamento apenas na sua entidade de origem", complementa.
Apesar de o governo ser o maior
incentivador em pesquisas e estágios internacionais, a morosidade de algumas
questões na pasta da Educação é apontada como um entrave a mudanças imediatas.
"O Estado é muito mais lento que a sociedade civil, há um descompasso. As
inovações são rápidas, mas não são incorporadas como legislação", pondera
Sérgio Bernardes, da ESPM.
Para Luiz Alberto Machado,
vice-diretor da Faculdade de Economia da FAAP (Fundação Armando Álvares
Penteado), chega a ser "desestimulante" a burocracia observada em
alguns processos.
"Quando um estudante tem como objetivo investir na carreira
acadêmica e precisa revalidar algum título, ele consegue isso com muito mais
facilidade em qualquer outro lugar do mundo", lamenta o professor. Hoje em
dia, o reconhecimento de títulos cursados no exterior, que deve ser feito por
instituições públicas, pode demorar até um semestre para ser finalizado.
Além disso, a falta de domínio de
idiomas estrangeiros foi apontada por todos os especialistas procurados pela
Folha como um dos maiores empecilhos para a internacionalização.
"Se o governo brasileiro
realmente quer pensar em uma educação globalizada, é preciso se preocupar com a
qualidade do ensino de línguas já no Ensino Médio, sobretudo o inglês, que é
pré-requisito para ter acesso à bibliografia internacional", alerta o
representante da ESPM. Essa deficiência estrutural afeta sobretudo a
internacionalização ativa, aquela em que docentes e alunos estrangeiros são
recebidos em instituições nacionais.
Na opinião de Gustavo
Wiederhecker, que foi ao exterior durante o doutorado e o pós-doutorado pela
Unicamp graças a bolsas da Capes e da Fapesp, atrair estudantes de fora está
entre os fatores mais importantes.
"A pós-graduação no Brasil, em muitas
áreas, carece de alunos", diz ele. Professor de física na mesma
universidade, Wiederhecker diz que o curso em que leciona é um bom exemplo
entre os que são beneficiados pela vinda de pesquisadores de outros países.
Vania Rosa Pereira, doutora em
geografia pela Unicamp e mulher do físico, fez parte da pós na universidade de
Cornell, no estado de Nova York, e destaca outro desequilíbrio. "Temos
problemas de espaço nas universidades brasileiras. O laboratório nos Estados
Unidos tinha muitos pós-graduandos e uma infraestrutura fantástica para
trabalhar, com equipamentos, bibliotecas e serviços técnicos de fácil acesso",
lembra.
Escritórios Estrangeiros
A necessidade de tornar-se
internacional tem feito com que IES estrangeiras instalem sedes em países onde
há acordos de cooperação e interesses mútuos. Em dezembro do ano passado, a
Nova School of Economics Business (NSBE), de Lisboa, inaugurou um escritório em
São Paulo para propiciar o intercâmbio entre Brasil e Portugal de forma direta.
Eleita pelo "Financial Times" como uma das escolas mais capacitadas
nos cursos de finanças, a Nova incorporou à sua estratégia o inglês como
primeiro idioma.
Segundo João Amaro de Matos,
cerca de 40% dos alunos que estudam na sede europeia não dominam a língua
lusitana. "Temos docentes que nem sequer falam português", diz o
professor, que viveu quase três décadas no Brasil. Para ele, a língua inglesa
torna os programas flexíveis e "coloca no mercado profissionais preparados
para qualquer lugar, polivalentes".
A NSBE, além de São Paulo, também está
presente em Luanda, na Angola, e começa agora a integrar os três países com
intercâmbios voltados para área de logística e infraestrutura.
Uma forma que as instituições
encontraram para sistematizar ações como essa foi criar departamentos
específicos para o assunto. O contato com instituições de fora e a relação
entre alunos e professores, daqui e de lá, é facilitado e agiliza o processo.
O
professor Luiz Alberto Machado, da FAAP, defende a mudança institucional:
"Com a criação de um departamento, o aluno que hoje quer ir para fora
recebe orientação especializada e depois discute com o coordenador do curso o
que é mais conveniente e compatível com o que ele busca".
Na ESPM isso começou a ser
deliberado em 2007; para estruturar o departamento, foi contratada uma
consultoria internacional que criou a diretoria, e hoje, além de espaço físico,
existe também um orçamento exclusivo para ações de internacionalização.
Considerado um processo
transversal, em que todas as esferas da escola devem estar envolvidas, "do
porteiro aos professores", diz Sérgio Bernardes, tornar-se internacional é
uma preocupação que impactou todas as instituições, mesmo as que acreditavam
que poderiam ficar alheias a essas mudanças. "A questão da
internacionalização é irreversível e necessária, porque o mercado é
global", reforça.
O representante da ESPM conclui: "Hoje há mobilização
da sociedade civil, professores buscam qualificação e faculdades viabilizam o
processo. O que vai diferenciar é o grau de excelência de cada instituição,
esse é o desafio agora".
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