Obras de arquiteto francês ajudam a recontar história de São Paulo - Por Frances Jones
Um diploma de arquiteto da
renomada École des Beaux-Arts, de Paris, algum “pecúlio” e uma agenda repleta
de contatos da nata da elite paulistana da época.
Com esses atributos, o
arquiteto francês Jacques Pilon (1905-1962) aportou com a família no Brasil em
1932. Um ano depois, estava com escritório aberto em São Paulo, onde por quase
três décadas iria atuar no mercado imobiliário, como arquiteto, construtor e
investidor, participando ativamente da construção da metrópole.
Responsável por centenas de
projetos, com destaque para os edifícios verticais na região central, Pilon não
foi muito prestigiado pela historiografia da arquitetura. Mas a pesquisadora
Joana Mello de Carvalho e Silva, professora de História da Arquitetura na
Escola da Cidade, descobriu que a trajetória dele seria perfeita para estudar o
processo de metropolização de São Paulo no século passado, a formação do campo
arquitetônico brasileiro, que só começa a se constituir de fato a partir dos
anos 1940 e a contribuição dos arquitetos estrangeiros nesses dois processos.
Em uma época em que a metrópole
buscava se firmar como o principal polo industrial, terciário e financeiro do
país, o centro, zona privilegiada dos negócios, da riqueza e do poder, era
pensado como o núcleo de representação do progresso técnico e da modernidade
metropolitana. E a imagem do arranha-céu sintetizava esse processo, explica a
pesquisadora.
“Os edifícios verticais
idealizados por Pilon e tantos outros arquitetos vão construir a noção do que é
a cidade moderna, nesses anos 30 até os anos 60. Por isso, a ideia [da
pesquisa] foi vincular urbanização, arquitetura, os tipos de edifícios
construídos e como eles vão dando e criando imagens para essa cidade”, afirmou
Mello, que agora lança com o apoio da FAPESP o livro: O arquiteto e a produção
da cidade: Jacques Pilon 1930-1960, pela editora Annablume, em um desdobramento
de sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU-USP).
O doutorado, por sua vez,
integrou um Projeto Temático ("São Paulo, os estrangeiros e a construção
da cidade"), encerrado em dezembro de 2011, coordenado pela professora Ana
Lúcia Duarte Lanna.
O temático agregou ainda outras unidades da USP, como o
Departamento de Arquitetura da Escola de Engenharia de São Carlos (que hoje é o
Instituto de Arquitetura e Urbanismo), o Museu Paulista e a Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e parte de seus resultados foi
publicado no site homônimo. Tanto o doutorado como o Temático contaram com
apoio da FAPESP.
Panorama sobre os estrangeiros
Um dos eixos que estruturam o
livro é justamente a pesquisa sobre o papel dos arquitetos estrangeiros na
construção da cidade. “A trajetória do Pilon me possibilitou estudar outros
estrangeiros, porque, entre outras coisas, em seu escritório ele abrigou vários
deles”, afirmou a pesquisadora.
Entre os profissionais que foram
chefes do escritório do francês em São Paulo estão o alemão Adolf Franz Heep
(1902-1978) e o italiano Gian Carlo Gasperini (1926).
“Ao estudar esses
arquitetos que trabalharam com Pilon, além de outros que atuaram
contemporaneamente a ele, consegui montar um panorama. Observei quais foram as
suas estratégias para se inserir profissionalmente e socialmente em São Paulo,
quais dificuldades enfrentaram, o que construíram, o que trouxeram de novo para
a arquitetura da cidade e em que medida alguns dos conhecimentos que eles
tinham eram compartilhados pelos arquitetos nacionais.”
De acordo com a professora, no
caso do próprio Pilon, o conhecimento que ele tinha de arquitetura era de certa
forma o que já se encontrava em São Paulo. “Ele não traz propriamente nenhuma
novidade”, disse Mello à Agência FAPESP.
“Ele se insere em um mercado
imobiliário que de certa forma já estava estruturado e sua linguagem era
conhecida e ia ao encontro das expectativas e desejos da clientela.”
Um dos edifícios residenciais da
fase inicial de Pilon na cidade é o Santo André, na badalada esquina da Avenida
Angélica com a Rua Piauí, na frente da Praça Buenos Aires, no coração de
Higienópolis. Com cantos arredondados e linhas horizontais bem marcadas, o
edifício foi o segundo a ser erguido no bairro, ainda nos anos 30.
Com cerca de 1 milhão de
habitantes, a São Paulo daquela época passava por transformações radicais,
principalmente no centro velho e no centro novo, abrangendo bairros como
Higienópolis, Santa Cecília e Campos Elíseos. Tanto com investimentos privados,
com a construção de prédios residenciais e comerciais, como pela abertura de
novas vias e alargamento das ruas, promovidas pelo então prefeito Prestes Maia.
Havia grandes diferenças com
relação ao mercado imobiliário que conhecemos hoje, uma vez que muitos dos
edifícios eram construídos por investidores particulares, que tinham outras
atividades econômicas.
“Além disso, os prédios feitos naquela época também
apresentavam mais qualidade, entre outros fatores porque, num momento em que as
pessoas não estavam acostumadas a morar em edifícios de apartamentos,
identificando-os muitas vezes com cortiços, era preciso convencer a clientela
de que morar naquela nova tipologia poderia ser bom”, disse a pesquisadora.
Fontes diversas
Sem ter como objetivo fazer uma
biografia ou um estudo monográfico, a pesquisadora aproveita os dados
biográficos de seu personagem para estruturar a sua tese a partir de três
grandes eixos.
Além da investigação sobre como
os arquitetos estrangeiros se inserem em São Paulo e sobre a relação entre a
construção da cidade e a arquitetura, ela apresenta a discussão sobre a
formação do campo arquitetônico no Brasil, a partir do conceito do sociólogo
francês Pierre Bourdieu (1930-2002).
O livro também é estruturado por
esses três eixos, seguindo uma certa ordem cronológica. No primeiro bloco, que
cobre o período de 1910 a 1930, a autora trata das relações familiares de
Pilon, de sua formação (e dos arquitetos em geral) e dos motivos de sua vinda
ao Brasil.
Nos outros dois capítulos, que
cobrem as décadas de 30, 40, 50 e o começo dos anos 60, Mello investiga
diversos tipos de fontes documentais para esmiuçar os negócios urbanos da
época, o mercado imobiliário, os escritórios de Pilon, seus projetos e
clientes.
Sensível à mudança de gosto da
clientela, a produção do escritório do arquiteto passa por transformações ao
longo dos anos.
“A partir do momento em que o escritório cresce, ele se
concentra na parte administrativa, mas não deixa de atentar para a qualidade arquitetônica
de suas obras. Por isso, escolhe arquitetos muito bons para serem seus chefes
de escritório”, afirma a pesquisadora.
Entre os entrevistados pela
autora estão o filho de Pilon, que mora em São Paulo, Gasperini, que ainda atua
na cidade, e o arquiteto brasileiro Jerônimo Bonilha Esteves (1933), o último
chefe de seu escritório. Além das entrevistas, ela também investigou projetos
de arquitetura, projetos complementares de estrutura, hidráulica e elétrica, as
obras, os contratos sociais, a legislação profissional e civil da época, entre
outras fontes documentais.
“Eu quis me aproximar da história
das ideias, da história da cultura e de uma determinada sociologia da cultura”,
afirmou Mello sobre o seu trabalho.
“Tentei mesclar vários tipos de conhecimento,
em um esforço de criar um diálogo com outros campos disciplinares, de maneira a
tentar tirar o debate arquitetônico de um certo isolamento.”
Serviço:
O arquiteto e a produção da
cidade: Jacques Pilon 1930-1960
Autora: Joana Mello de Carvalho e
Silva
Lançamento: dezembro de 2012
Mais informações:
www.annablume.com.br/comercio/product_info.php?cPath=&products_id=1821
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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