A perseguição aos cristãos no Egito como primeiro ato de guerra religiosa – Por Serguei Duz
Nos arredores do Cairo ocorreram
choques sangrentos entre muçulmanos e cristãos coptas, em consequência dos
quais morreram cinco pessoas.
Na opinião dos especialistas, pode se tratar do
primeiro ato de uma guerra religiosa de grande envergadura.
A atmosfera no país, que sofre as
consequências da Primavera Árabe, está tão tensa que basta um pequeno incidente
para que tudo novamente se incendeie. Esta atmosfera tensa surgiu em virtude da
posição irreconciliável do movimento Irmandade Muçulmana. Aliás, as
perseguições aos cristãos coptas egípcios começaram muito antes da Primavera
Árabe, na época de Sadat.
Nos anos 90, elas deixaram de ser encaradas como algo
nunca visto. Por isso, a ligação das perseguições com a Primavera Árabe não é
totalmente correta. Eis a opinião do colaborador científico sênior do Centro de
Pesquisas árabes do Instituto de Estudos Orientais da Academia de Ciência da
Rússia, Boris Dolgov:
“Eu não considero que a explosão
de violência contra os cristãos tenha sido motivada pela Primavera Árabe. Eu
lembro que a Primavera Árabe começou com lemas de combate a regimes ditatoriais
corruptos, por uma organização estatal verdadeiramente democrática. No início
da Primavera Árabe não havia quaisquer lemas religiosos. As forças islâmicas
aderiram posteriormente. As forças que provocam os choques são correntes islâmicas
radicais. Isto não é dirigido pelas autoridades, representadas por islamitas
moderados. O que ocorre no Oriente Médio não pode ser chamado de guerra
religiosa”.
As autoridades oficiais egípcias
negam categoricamente sua parcialidade religiosa. É possível que elas realmente
não queiram a escalada da tensão entre as religiões. Mas a lógica da história
leva-as justamente para esse caminho. A propósito, o especialista do Instituto
Russo de Pesquisas Estratégicas, Aidar Kurtov supõe que por enquanto não há motivo
especial para pânico.
“Eu penso que os revolucionários
árabes não lutam contra o Cristianismo. Mas este é um efeito colateral. Ele
está relacionado com o fato de que no Egito os “irmãos muçulmanos” não
conseguirem cumprir as promessas que lhes permitiram estar no topo do Olimpo
político. Promessas do plano socioeconômico antes de mais nada. Quando a
incapacidade de reforçar as palavras com ações se torna evidente para amplas
camadas da população, começam então as buscas do inimigo interno. As pessoas
que professam outras religiões adequam-se a este papel. Isto explica bem a
causa do que acontece hoje no Egito”.
Por outras palavras, o que ocorre
no Egito é determinado em maior grau pela política do que pela religião. Mas
qualquer política em certa etapa recorre a símbolos sagrados. Sobretudo se em
sua base está a agressão. A Irmandade Muçulmana luta pelo poder. Esta guerra
cedo ou tarde deverá ser declarada santa. Caso contrário eles não se manterão
no “cume da montanha”.
Algo semelhante ocorre praticamente
em todos os países por onde a Primavera Árabe passou. E neste sentido pode-se
admitir que pelo menos uma das correias de transmissão de todos os
acontecimentos foi a religião. Aidar Kurtov considera:
“Rigorosamente falando, os
acontecimentos no Egito, Líbia, Tunísia, Síria, Kuwait e Iêmen são muito
diferentes uns dos outros. Em uma série de casos há sinais de que se trata de
conflito, que lembra uma guerra religiosa. Mas isto não se refere ao Egito,
Tunísia e Líbia. Mas na Síria realmente os choques têm um fundo claramente
expresso. Os sunitas tentam derrubar os políticos ligados aos alauitas,
próximos ao ramo xiita do islã. Isto se manifesta também na consolidação das
forças da oposição e no fornecimento de dinheiro e armas à oposição, de parte
dos regimes conservadores sunitas do Golfo Pérsico. Mas não vale a pena
generalizar. No total não se pode falar de guerras religiosas no Oriente
Médio.”
É possível que o problema
consista ainda no fato de que a opinião pública do Ocidente considerar
anacronismo o termo “guerra religiosa”. Em nossa época é hábito dizer que na
guerra não há lugar para o fator religioso. Entretanto, apenas uma parte pensa
assim.
A outra, sem qualquer constrangimento, fala de jihad como reação natural
aos novos “cruzados”, que se levantam contra os “filhos do profeta”. Parece que
os problemas dos cristãos coptas no Egito são consequência do conflito secular
entre dois paradigmas filosóficos, que em tempos de instabilidade geral vêm à
superfície.
Fonte: http://portuguese.ruvr.ru
Comentários