Fundamentalismo religioso é causa de graves transtornos mentais
Filha de missionários da Assembleia de
Deus, especialista ajuda há mais de 20 anos homens e mulheres a se recuperarem
das doenças psicológicas não só causadas por crenças religiosas, mas também
aquelas que acabam sendo realçadas pelo fundamentalismo religioso
“Depois
de 27 anos tentando viver uma vida perfeita, eu achei que tinha falhado… Eu
tinha vergonha de mim durante todo o dia. Minha mente lutava contra ela mesma,
sem alívio. Eu sempre acreditei em tudo que me foi ensinado, mas ainda assim
pensava que não tinha a aprovação de Deus. Eu pensava que ia morrer no
Armagedom. Durante anos, eu me machucava literalmente, cortava e queimava meus
braços, para me punir antes que Deus o fizesse. Levei anos para me sentir
curada.”
Esse relato é de um paciente de
Marlene Winell, americana de San Francisco que se especializou em
desenvolvimento humano e estudo da família. Ela é autora do: Leaving the
Fold: A Guide for Former Fundamentalists and Others Leaving their Religion, livro que, como diz seu título, é um guia sobre como se livrar das
consequências de religião fundamentalista.
Winell cunhou o termo “Síndrome do
Trauma Religioso”, STR (na sigla em português), para classificar os sintomas de
pacientes que sofrem de transtornos mentais em decorrência da lavagem cerebral
de religiões fundamentalistas.
Filha de missionários da Assembleia de
Deus, Winel ajuda há mais de 20 anos homens e mulheres a se recuperarem das
doenças psicológicas não só causadas por crenças religiosas, mas também aquelas
que acabam sendo realçadas ou despertadas pelo fundamentalismo cristão.
Em entrevista à psicóloga Valerie
Tarico, Winel disse que os sintomas do STR inclui, além da ansiedade,
depressão, dificuldades cognitivas e degradação do relacionamento social. “Os
ensinamentos e práticas religiosas, por vezes, causam danos graves na saúde
mental.”
Síndrome do Trauma Religioso se
manifesta em pessoas de todas as idades, mas principalmente naquelas cuja
personalidade esteja em formação, as crianças.
“As pessoas doutrinadas pelo
cristianismo fundamentalista desde criança podem ser aterrorizadas por memórias
de imagens do inferno e do apocalipse”, disse.
“Algumas sobreviventes desse
período, as quais eu prefiro chamar de ‘recuperadas’, têm flashbacks, ataques
de pânicos, ou pesadelos na vida adulta, mesmo quando se libertaram das
pregações teológicas.”
Um paciente relatou seus tormentos
dessa fase de sua vida: “Eu acreditava que ia para o inferno por acreditar que
estava fazendo algo de muito errado. Estava completamente fora de controle. Às
vezes, eu acordava no meio da noite e começava a gritar, agitando os braços,
tentando me livrar do que sentia. O medo e a ansiedade tomaram conta da minha
vida.”
Winell afirmou que a recuperação de
quem nasceu em uma família de fanáticos religiosos é mais difícil em relação
àquele que adotou uma crença fundamentalista na vida adulta, porque não dispõe
de parâmetro de comparação.
Ela disse que se livrar de uma
religião é muito difícil em muitos casos porque isso significa pôr em risco um
sistema de apoio composto por parentes e amigos, principalmente em relação às
pessoas que nasceram em uma família de crentes fanáticos.
Uma paciente relatou o seu caso: “Eu
perdi todos os meus amigos. Eu perdi meus laços estreitos com a família. Agora
estou perdendo meu país. Eu perdi muito por causa desta religião maligna, e
estou indignada e triste. . . Eu tentei duramente fazer novos amigos, mas
falhei miseravelmente. Eu sou muito solitária.”
Outro paciente contou: “Minha vida
estava fortemente arraigada e ancorada na religião, influenciando toda a minha
visão do mundo. Meus primeiros passos fora do fundamentalismo foram
assustadores, e eu tive pensamentos frequentes de suicídio. Agora isso está no passado,
mas eu ainda não encontrei o meu lugar no universo”.
Winell disse que resolveu dar o nome
de “Síndrome de Trauma Religioso” ao conjunto de sintomas e características da
lavagem cerebral religiosa porque assim fica mais fácil estudar e diagnosticar
as pessoas que sofrem desses males.
Ela argumentou que a nomenclatura
“STR” fornece um nome e uma descrição para as pessoas afetadas pela religião,
de modo que elas se sintam parte de um grupo e possam assim compartilhar suas
experiências, reduzindo sua percepção de solidão e de culpa.
Por isso, Winell discorda de que a
criação de termos como “recuperação de religião” e “Síndrome de Trauma
Religiosa” sejam uma tentativa de ateus de patologizar as crenças religiosas.
Até porque, disse, “a religião autoritária já é patológica”.
“No cristianismo fundamentalista, o
indivíduo é considerado depravado e tem necessidade de salvação”, afirmou.
“A
mensagem central é ‘você é mau e merece morrer, porque o salário do pecado é a
morte. [...] Já tive pacientes que, quando eram crianças, se sentiam
perturbados diante da imagem sanguinolenta de Jesus pagando pelos pecados
deles.”
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