O Marxismo na teologia - Por Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
No século passado o pensamento marxista de tal forma parecia a verdadeira
interpretação da história que muitos pensadores cristãos, excluindo o ateísmo
explícito do marxismo, julgaram dever adotar seu método de análise da sociedade
com sua consequente práxis, como instrumento indispensável para a eficácia da
participação dos cristãos no processo sociopolítico para a transformação das
estruturas de injustiça.
Na Europa pensadores cristãos dialogavam com
pensadores marxistas e, por sua vez, pensadores marxistas reviam a posição
radical do marxismo ortodoxo em relação à religião.
Essa revisão não significava, entretanto, a aceitação das verdades da fé, mas o reconhecimento de que, no decorrer da história, a fé cristã, não obstante os comprometimentos do ocidente cristão com formas injustas de estruturação da sociedade, foi também, nós diríamos foi sempre, na medida de sua autenticidade, uma força libertadora para os pobres e oprimidos.
Na América
Latina teólogos católicos se sentiram no dever de pensar a fé em função da
transformação da sociedade, "à luz da opção preferencial pelos
pobres".
Alguns assumiram o método de análise marxista que privilegia o
conflito, a luta de classes, como ponto de partida de compreensão do processo
histórico. Como o marxismo quis ser antes de tudo um pensamento voltado para a
prática política de tipo revolucionário, as "verdades da fé" passaram
a ser compreendidas em função da transformação social como motivadoras do
respectivo compromisso político.
Tendo na "luta de classes" a chave
de leitura do processo histórico, inevitável a divisão da sociedade em dois
grupos: o dos pobres "empobrecidos", oprimidos e o dos ricos,
opressores, os beneficiários da mais-valia. Ao diálogo é contraposta a
dialética da luta de classes.
Essa forma de pensar a dinâmica social, universalizada, aplicada às relações intraeclesiais, postulava uma reformulação do modo de ser Igreja, onde se tornava difícil a aceitação de uma Hierarquia.
Essa forma de pensar a dinâmica social, universalizada, aplicada às relações intraeclesiais, postulava uma reformulação do modo de ser Igreja, onde se tornava difícil a aceitação de uma Hierarquia.
Esta palavra mesma se tornou
suspeita dotada pelo Espírito do carisma da verdade e do governo na Igreja. Uma
eclesiologia da igualdade, embora com alguma base na Lumen Gentium, exacerbou
conflitos dentro da Igreja com forte repercussão nas instituições eclesiásticas
de ensino e de formação.
Mesmo as verdades reveladas sobre Jesus Cristo, sobre
a Igreja e sobre o Homem começaram a ser entendidas em função da transformação
social, correndo o risco de perder sua identidade irredutível, sua dimensão de
transcendência. Nesse sentido o discurso de João Paulo II na abertura da
Conferência de Puebla foi decisivo para manter a teologia do documento fiel à
Tradição e, ao mesmo tempo, atenta às exigências do momento histórico vivido
pela Igreja na América Latina.
O documento de Puebla, ao tratar de "Evangelização, Ideologias e Política", analisando os vários tipos de ideologias, manifestou sua reserva à teologia que avançava nesta direção:
O documento de Puebla, ao tratar de "Evangelização, Ideologias e Política", analisando os vários tipos de ideologias, manifestou sua reserva à teologia que avançava nesta direção:
"Recordamos com o
Magistério pontifício que "seria ilusório e perigoso chegar a esquecer o
nexo íntimo que os une radicalmente; aceitar os elementos da análise marxista
sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de
classes e de sua interpretação marxista, deixando de perceber o tipo de
sociedade totalitária e violenta a que conduz tal processo (0A 34)".
"Cumpre salientar aqui o risco de ideologização a que se expõe a reflexão
teológica, quando se realiza partindo de uma práxis que recorre à análise
marxista. Suas consequências são a total politização da existência cristã, a
dissolução da linguagem da fé no das ciências sociais e o esvaziamento da
dimensão transcendental da salvação cristã. Ambas as ideologias assinaladas, liberalismo capitalista e marxismo, se inspiram em humanismos fechados a
qualquer perspectiva transcendente. Uma, devido a seu ateísmo prático; a outra,
por causa da profissão sistemática de um ateísmo militante" (DP Cap.2:
5,5).
Em parágrafos anteriores, o mesmo documento fazia a seguinte advertência:
"São correntes de aspirações com tendência para a absolutização, dotadas
também de poderosa força de conquista e fervor redentor ( o grifo é nosso).
Isso lhes confere uma "mística" especial e a capacidade de penetrar
os diversos ambientes de modo muitas vezes irresistível. Seus slogans, suas expressões típicas, seus critérios, chegam a marcar
profundamente e com facilidade mesmo aqueles que estão longe de aderir
voluntariamente a seus princípios doutrinais. Desse modo, muitos vivem e
militam praticamente dentro dos limites de determinadas ideologias sem haverem
tomado consciência disso".
O risco de uma ideologização da fé foi
exaustivamente exposto pela Congregação para a Doutrina da Fé na Instrução
"Libertatis Nuntius" (6 de agosto de 1984), assinada pelo seu
Prefeito, hoje o Papa emérito, Bento XVI. (continua).
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba (domeduardo@arquidiocesesorocaba.org.br)
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba (domeduardo@arquidiocesesorocaba.org.br)
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