Ética para a credibilidade - Por Samuel Antenor
O bom jornalismo é resultado da
ética, que só pode se materializar no texto jornalístico quando há qualidade,
técnica e credibilidade envolvidas em sua produção.
Esses são conceitos essenciais
para o que se convencionou chamar de bom jornalismo, nas palavras de Eugenio
Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP), em sua apresentação sobre o livro: Jornalismo, ética e qualidade, de
Carlos Alberto Di Franco.
Bucci falou no quarto encontro do
ciclo de conferências:
“50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a
contribuição de São Paulo”
na última sexta-feira (30/08), na sede da FAPESP. O
ciclo teve início em 9 de Agosto e acontece às sextas-feiras até o dia 4 de Outubro.
Em sua apresentação, Bucci
destacou aspectos no livro que revelam a coerência e a conduta apartidária do
autor, por meio da consistência de suas análises, que envolvem ética na
imprensa. Para Bucci, a ética permite fazer um jornalismo de qualidade e a
técnica garante a credibilidade. “Esse é o eixo ordenador do pensamento de Di
Franco”, disse.
Para o professor da ECA/USP, Di
Franco demonstra, em seu livro, como a imprensa deve primar pela independência,
buscando a veracidade sem incorrer em outros interesses.
“A independência editorial
resulta de um distanciamento necessário do jornalista das esferas de governo,
pois, caso haja essa proximidade, podem ser suscitadas indefinições
jornalísticas”, afirmou.
Se, por um lado, Bucci disse que,
em uma democracia, a profissão deve ser exercida de maneira apartidária, por
outro, ele afirmou ser incompatível, com um jornalismo saudável, governos que
soneguem informações em plena democracia.
“Por isso, o jornalismo deve necessariamente
fazer uma apuração rigorosa dos fatos e apresentá-los à sociedade com uma
linguagem aberta a múltiplos olhares, inclusive lançando mão de recursos
gráficos atualizados, para realçar detalhes e destacar seu processo
investigativo.”
Bucci afirmou que, mesmo havendo
um distanciamento entre ele e o autor com relação a questões de cunho moral,
como por exemplo o direito ao aborto, considera Di Franco um “iluminador” dos
processos jornalísticos no Brasil.
Segundo ele, conforme preconiza
Di Franco em seu livro de 1995, as empresas jornalísticas estão estruturadas em
três níveis, dentre os quais a reportagem deve ter independência em relação à
articulação e à publicidade.
“A reportagem deve caminhar sem
se deixar levar pelas predileções do veículo em que será veiculada. Seria bom
se a opinião dos veículos fosse mais clara, o que realçaria o nível de
independência de suas reportagens”, afirmou.
Com base em sua análise do livro
de Di Franco, Bucci também questionou o conflito de interesses presente muitas
vezes na relação entre as assessorias de imprensa e os veículos de comunicação,
além da independência da mídia.
“No caso da cobertura feita pela
Mídia Ninja das manifestações populares no Brasil, suas ‘narrativas
independentes’ são diferentes da independência preconizada por Di Franco. Eles
falam de independência da indústria da mídia, mas não de interesses políticos,
pois eles têm e expõem claramente seu posicionamento político.”
Para Bucci, também o ensino de
jornalismo no Brasil deveria ser menos opinativo, o que, segundo ele,
permitiria preparar os jovens jornalistas sem ditar posicionamentos exacerbados
em questões político-ideológicas. “Assim, os jornalistas poderiam trabalhar
mais livremente, sem que a orientação política de determinados veículos
interferisse no exercício da profissão.”
Posicionamentos distintos
As apresentações durante o quarto
dia do Ciclo de Conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a
contribuição de São Paulo” contemplaram outros autores, em temas complementares
ou díspares.
Sobre a imprensa operária e a
importância da comunicação proletária, tema do livro A imprensa operária
no Brasil, de Maria Nazareth Ferreira, o professor Denis de Oliveira, também da
ECA/USP, destacou a necessidade de engajamento político em determinadas mídias,
para que se chegue a um patamar menos defasado em relação à grande imprensa.
Para ele, a mídia ligada a
minorias necessita ter um posicionamento claramente político e engajado para
alcançar igualdade de vozes. “A diferença é que a mídia tradicional trata o
leitor como consumidor, não como cidadão, o que mostra o quão tênue pode ser a
fronteira entre o jornalismo e a publicidade”, afirmou.
Em sua apresentação sobre o livro
lançado em 1978, Oliveira destacou que a imprensa sindical busca, ainda hoje,
um estreitamento com o seu leitor, pois sabe que este tem condições de avaliar
o conteúdo de suas publicações. “Até porque os leitores desses veículos também
leem a grande imprensa e têm a possibilidade de fazer análises de ambos.”
Para ele, o livro de Ferreira
aponta também para o fato de que a imprensa vinculada a sindicatos e a outras
instituições deve estar atenta para tratar seus temas jornalisticamente,
evitando atuar como meros porta-vozes institucionais.
A interferência da publicidade no
jornalismo também foi observada por Rosalba Facchinetti, pesquisadora da
ECA/USP, durante sua análise do livro Rock, nos passos da moda, de Tupã
Gomes Correa.
Lançado em 1989, o livro mostra
como, desde os movimentos hippie e punk, os gostos musicais e outras variáveis
ditaram a moda, enquanto fatores determinados contribuíram para a formação do
gosto das audiências.
A moda como decorrência do rock,
que ditou os comportamentos entre os anos 1960 e 1970, não era, na visão do
autor, apenas o que se vestia. “O autor busca explicação nesses movimentos para
o estabelecimento de um gosto alternativo, surgido em reação ao padrão
estabelecido pelas gravadoras. Contudo, essa alternativa, ao ser absorvida pelo
mercado fonográfico, torna-se também moda”, disse.
Facchinetti lembrou que, em
pesquisas anteriores, o autor já determinara que as chamadas “paradas de
sucesso” se valiam da manipulação de pesquisas sobre o gosto musical dos
ouvintes das rádios para direcionar o consumo de discos no Brasil. “O papel de
publicidade exercido pelas pesquisas, que se antecipavam às vendas, fazia com
que houvesse um direcionamento de vendas, do qual o mercado fonográfico se
beneficiava.”
Outro ponto destacado foi a
questão da mídia regional no Brasil, na análise do professor Marcelo Briseno,
da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), sobre o livro: Mídia e
região na era digital, organizado por Anamaria Fadul e Maria Cristina Gobbi.
Resultado dos trabalhos
apresentados no 11º Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento
Regional (Regiocom2006), na Umesp, o livro, lançado em 2007, conta com artigos
escritos por 26 autores, que analisam a mídia regional brasileira a partir de
dados demográficos e econômicos.
De acordo com Briseno, o livro
destaca o fato de o Brasil midiático ser muito menor do que o Brasil real,
questionando o quanto as emissoras de TV regionais representam seu público. “Na
programação das emissoras regionais, o bloco publicitário é o que mais
representa o público regional, a comunidade, que se vê e se reconhece muito
mais nos anúncios do que na programação”, analisou.
Para ele, mesmo quando o conteúdo
dessas emissoras é produzido localmente, o teor do que é mostrado reflete muito
mais o que se passa nos grandes centros do que o cotidiano regional. “Acreditar
que, por ser produzida localmente, a programação é regional é um erro, pois
para isso seria necessário deixar de lado o padrão e estilo típicos das
emissoras nacionais”, disse.
Ainda na parte da manhã, foram
apresentados e debatidos outros dois livros, de autores que se tornaram
referências no campo da comunicação e do jornalismo.
Cristina Costa, da ECA/USP,
apresentou e debateu o livro A moderna tradição brasileira, escrito em
1988 por Renato Ortiz, destacando seus relatos sobre censura, e Graça Caldas,
da Unicamp, apresentou sua visão do livro Divulgação Científica, de Isaac
Epstein, lançado em 2002, ressaltando sua contribuição para a divulgação
científica, com destaque para a área da saúde, no Brasil.
Diferentes realidades
Na parte da tarde, o evento
contou com a análise de mais dez livros, feitos por pesquisadores de diferentes
instituições de ensino e pesquisa em comunicação.
Claudia Lago, da Universidade
Anhembi Morumbi, analisou o livro: Revista Realidade: tempo de reportagem,
de José Salvador Faro, publicado em 1999, que tem como foco um período
específico do jornalismo brasileiro, 1966 a 1968 e um veículo que até hoje,
segundo ela, é “um mito”.
“Era o jornalismo engajado,
transgressor e revelador. A Realidade tinha uma equipe antenada com
seu tempo e criou uma narrativa necessária para o momento”, afirmou, lembrando
que “Faro atribui o sucesso da revista ao fato de a informação ter ganhado uma
perspectiva globalizadora, tornando-se uma categoria de análise do cotidiano”,
disse.
O livro: Imprensa em Questão,
organizado por Alberto Dines e Carlos Vogt, foi analisado por Mariluce Moura,
diretora de redação da revista Pesquisa FAPESP. Publicado em 1997, o livro
traz os principais debates de seminário realizado três anos antes, com o
objetivo de avaliar os caminhos possíveis para a imprensa brasileira.
“O seminário foi o marco fundador
do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que, ao longo dos últimos anos, contribuiu para
a formação de recursos humanos e a ampliação do conhecimento na área”, afirmou
Moura.
A série de conferências do ciclo
no dia 30 de agosto teve ainda a análise midiática do rádio e do cordel.
Helena Corazza, do Serviço
Pastoral à Comunicação (Sepac), analisou o livro: O rádio dos Pobres, de
Maria Immacolata Vassalo de Lopes, publicado em 1982. No livro, a autora estuda
a repercussão de três programas de grande audiência na Rádio Record nos anos
1970, Zé Bettio, Gil Gomes e Silvio Santos, na periferia de São Paulo.
“Ela
trabalha a abordagem comunicacional, política e econômica na produção de
conhecimento a respeito dos processos ideológicos de comunicação de massas que,
na época, tinha contornos próprios”, afirmou Corazza.
Em A literatura de cordel em
São Paulo, de Joseph Luyten, publicado em 1981, Isabel Amphilo, da USP,
discorreu sobre como o autor faz uma espécie de “mestiçagem teórica”,
utilizando o funcionalismo, estruturalismo, marxismo e semiótica, para
compreender o formato e o papel de uma manifestação típica do Nordeste em São
Paulo.
Também foram analisados os livros: Palavra
e Discurso: história e literatura (2000), de Maria Aparecida Baccega, por
Elizabeth Gonçalves, da Umesp; Mulher de papel (1981), de Dulcilia
Buitoni, por Gisely Hime, das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU); A
Pragmática do Jornalismo (1994), de Manuel Carlos Chaparro, por Marly dos
Santos, da Umesp; Jornalistas e Revolucionários (1991), de Bernardo
Kucinski, por José Arbex, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP); Tudo acaba em festa (1993), de Cristina Giácomo, por Manuel
Carlos Chaparro; e Relações Públicas: teoria, contexto, relacionamentos (2009),
de Maria Aparecida Ferrari e Fábio França, por Cristina Giácomo.
Promovida pela FAPESP e pela
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), a
série de oito encontros semanais, que serão realizados até o dia 4 de outubro,
sempre às sextas-feiras, tem como objetivo discutir alguns dos principais
aspectos da comunicação no Brasil nas últimas cinco décadas.
O próximo encontro do ciclo de
conferências:
“50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de
São Paulo”
com foco nas pesquisas realizadas no século 21, será no dia 13 de Setembro com o tema:
“Atualizadores das ciências da Comunicação”
Este e todos
os demais encontros do ciclo serão realizados no Auditório Paulo Emílio, na
ECA/USP.
Mais informações sobre o ciclo: www.fapesp.br/7888
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