Tradições religiosas sendo repensadas historicamente – Por Denílson Sumocoski
O apontamento
realizado pelo autor está sendo referendado até o final do século XIX, quando
o catolicismo perde essa legitimidade, porém essa é uma herança que perpassa
as gerações e regiões, que deve estar sendo transformada pelo fato da
existência de um grupo maior de estudiosos que não entendem a oficialidade do
catolicismo como religião modeladora de preceitos éticos, morais e sociais.
Entretanto, como
o texto faz referência ao início do século passado, essa magia modeladora
religiosa do catolicismo chegou a região e, assim, desenhou um “hethos” de
região massificadamente católica.
Ao aludir à
discussão religiosa feita no Sudoeste do Paraná, é possível partir-se do mesmo
princípio de que, assim como a questão cultural das populações tradicionais
foram renegadas e menosprezadas pela cultura dita “dominante, branca,
europeizada e civilizada”. Também se ter hipóteses plausíveis e sustentáveis
teoricamente de que a religião, na região em estudo, tenha sido um claro jogo
de interesses e domínios. Neste sentido, cabe mencionar um texto de Pierre
Bourdieu, em que o autor explica que “a religião cumpre uma função de
conservação da ordem social contribuindo, nos termos de sua própria linguagem,
para a ’legitimação’ do poder dos ‘dominantes’ e para a ’domesticação dos
dominados’ ”.[2] A domesticação citada por Bourdieu deve ser compreendida em
um mesmo conjunto de moralidade percebido por Le Goff e Truong, quando
analisaram a história do corpo na Idade Média e como era seguidamente
reprimido e vigiado pela Igreja, sendo que maior ênfase era dada ao corpo
feminino, pois, “civilizar o corpo [...] entretanto, o corpo resiste. No
universo das margens e das narrativas literárias em que o erotismo e a nudez,
se fazem ver”.[3]
A relevância da
temática sobre a religião teve, no Sudoeste paranaense, lugar de centralidade
e, por conseguinte, de formadora de hábitos e tradições culturais, sendo
também apresentada por Pedro Oliveira, em um texto que menciona especificamente
as teorias do trabalho religioso descritas por Bourdieu, desse modo Oliveira
apresenta:
A religião é uma
força estruturante da sociedade,pois aplicada às relações sociais ela da
necessidade, virtude, transforma assim as coisas da forma que deve ser [...] a
religião desempenha função simbólica de conferir à ordem social em caráter
inquestionável apresentando então sua função eminentemente política.[4]
Na continuidade
da percepção de que a religiosidade das populações tradicionais foi sendo
articulada, transformada pela religiosidade oficial dos migrantes que se
instalavam na região, Orlandi, aponta para a mudança de sentidos sendo que,
anteriormente, já havia um sentido racional estabelecido, ocorrendo no
Sudoeste paranaense na medida em que sentidos religiosos já existiam na região
e que foram transferidos para um sentido religioso oficializado, o sentido
católico. Orlandi destaca que:
Mas também se
fundam sentidos onde outros sentidos já se instalaram [...] instauração de uma
nova ordem de sentidos [...] ele re-significa o que veio antes e institui aí
uma memória outra. É um momento de significação importante, diferenciado. O
sentido anterior é desautorizado.[5]
Sendo assim, os
sentidos tidos como naturais para a população tradicional são renegados e os
sentidos autorizados, aqueles entendidos como legítimos, são aceitos e passam
a exercer uma função normatizadora sobre a população local, nesse sentido, o
fato de tornar o Sudoeste como um grande rebanho do catolicismo.
Na
complementação de convencimento discursivo por parte dos representantes do
clero católico, Manoel salienta que “a igreja, portanto, que instituiu o
universo católico pela palavra e mediante a palavra ensina a doutrina e os
dogmas”[6], visto que os dogmas apresentados pelo autor partem inevitavelmente
da destituição de outros preceitos religiosos vigentes até então, no caso do
presente estudo, os preceitos religiosos tradicionais.
Referências
BOURDIEU,
Pierre.. Gênese e estrutura do campo religioso. In: _______. A Economia das
Trocas Simbólicas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
p.27-78.
LE GOFF;
Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na idade média. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
MANOEL, Ivan
Aparecido. História, Religião e Religiosidade. Revista Brasileira de História
das Religiões - Dossiê Identidades Religiosas e História, Ano I, n.1, p.18-32,
maio 2008a.
OLIVEIRA, Pedro
A. Ribeiro de. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu. In:
TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia da religião: Enfoques teóricos.
Petrópolis: vozes, 2003. p.117-197.
ORLANDI, Eni
Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3ª ed. Campinas:
Pontes, 2001.
PRANDI,
Reginaldo. O Brasil com axé: Candomblé e umbanda no mercado religioso. Estudos
avançados. 2004, v.18, n.52, p.223-238.
[1] PRANDI,
2004, p.225.
[2] BOURDIEU,
2003, p.32.
[3] LE GOFF;
TROUNG, 2006, p.133.
[4] OLIVEIRA,
2003, p.180.
[5] ORLANDI,
2001, p.13.
[6] MANOEL,
2008b, p.43.
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